A poetisa Safo de Lesbos



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O Casamento e a Esposa Ideal em Homero e Safo de Lesbos

José Roberto de Paiva Gomes (NEA/UERJ)


Procuraremos neste artigo analisar o casamento grego e o significado dos atributos idealizados em uma noiva (parthenói) na narrativa homérica e nos poemas nupciais de Safo de Lesbos. Os poemas de Homero e de Safo marcaram a cultura helênica, como as manifestações do masculino e do feminino e fundamentaram explicações sobre o passado, as crenças e os valores tradicionais de períodos distintos.

Entendemos as duas narrativas (épica e lírica), enquanto produções que nos permitem investigar a interação entre o feminino e o masculino no contexto do casamento arcaico grego. Consideramos ambos os poemas como expressão dos movimentos políticos-sociais que os fizeram aparecer: a organização palaciana e a Tirania de Pitaco. Os poemas são mais do que, simplesmente, obras literárias, se constituem em um suporte de informação para nós historiadores (THEML:1998a, 282).

Ao trabalhar o matrimônio, neste artigo, nos remeteremos a uma História Social, onde a categoria gênero busca ao desenvolver a questão homem/mulher, descartar a diferença biológica e investir num estudo que preferencialmente priorize essa relação como o resultado de uma realidade social e cultural construída por meio da complementariedade entre os sexos (SOIHET:1997, 101).

A partir de uma leitura prévia dos poetas arcaicos, podemos perceber as visões sobre o feminino sendo construídas pela visão masculina e centrada nas relações de alteridade e por concepções misóginas. Os poetas formularam um modelo ideal apresentando às esposas os atributos idealizados, como: a passividade, o silêncio e a fidelidade conjugal da esposa ao marido.

Toda essa aparente apatia e zelo ao gênero feminino, pode ser visto em Homero e se deve a duas personagens míticas: Helena e Clitemnestra. Na Ilíada, o poeta delineia a transgressão de Helena, considerando-a uma esposa infiel e o motivo aparente da Guerra entre gregos e troianos. Na Odisséia, novamente, Homero discute a fidelidade entre homens e mulheres e levanta duas situações eminentemente opostas, mas que se complementam no contexto da obra: a prática do adultério e do assassinato cometidos por Clitemnestra e Egisto e na suspeita de infidelidade por Ulisses com relação a Penélope, confidenciada ao Rei Agamemón no Hades (IX,444-46).

O retorno de Ulisses à Itaca dependia disso, na medida em que, o herói somente regressaria ao lar após ter certeza que sua esposa se mantinha fiel a ele, por isso, a necessidade do travestimento em um mendigo. De acordo com Francisco R. Adrados (1992, 252-56), o relacionamento amoroso entre Ulisses e Penélope têm por alicerce o debate sobre a fidelidade. Ulisses teme ao retornar que sua esposa possa estar enamorada por outro ou não lhe seja mais leal. Mas no decorrer da Odisséia, Homero aponta diversas situações em que a rainha dos feácios é um exemplo de esposa dedicada. Penélope constitui um modelo de virtude e prudência em comparação as filhas transgressoras de Eecião. Clitemnestra e Helena representaram um risco a organização palaciana por serem as responsáveis por desarticular o oÎkos e as relações familiares.

Outro exemplo, descrito por Homero, no que se refere ao modelo ideal de esposa e sobre a fidelidade feminina está representado na jovem noiva Nausicaa (Odisséia, VI, 285-90). A jovem solicita a ele, durante o percurso, que não a acompanhasse para o interior da pólis, pois poderia ser mal compreendida, em virtude de não estar comprometida com nenhum pretenso pretendente. Acreditamos que Nausicaa se mostra apreensiva com uma possível repercussão desfavorável sobre sua reputação e de seus pais, tendo em vista que a prática de tal transgressão pudesse ameaçar sua família e seu futuro casamento. Sua suposta desobediência poderia, portanto, ameaçar a realização das alianças entre as famílias. O poeta coloca em suas palavras uma exaltação de uns dos atributos ideais de uma esposa, à fidelidade conjugal e familiar.

Homero expressa na Ilíada e na Odisséia um modelo de Realeza estruturado na união entre reis e chefes feitas por juramento. De acordo com a historiadora Neyde Theml (1998a, 287) esse tipo de acordo somente estaria manifestado na Guerra de Tróia e teria um caracter precário. Cremos, contudo, que está união persiste pela necessidade que as famílias aristocráticas têm de estabelecer vínculos de poder baseados nas relações de prestígio e reciprocidade.

O acordo nupcial, no período homérico, corresponde ao desejo das famílias em manter o bem-estar das relações aristocrático-guerreiras configuradas na amizade (philía) e na hospitalidade. Observamos este tipo de relação acontecendo na Odisséia, quando Homero descreve a realização do acordo nupcial formalizado no casamento dos filhos de Menelau e Aquiles (Odisséia, IV, 1-12). Na cena, Telêmaco chega a casa de Menelau no momento da realização do casamento de Megapentes com uma filha de Alector, seguido da viagem da filha do Rei para se casar com um filho de Aquiles. O acordo representa um termo de compromisso firmado entre os dois heróis, constituído durante a batalha de Tróia, para unir as famílias e manter as relações laços de reciprocidade.

Na Grécia Arcaica, o casamento se constituirá como um mecanismo de manutenção do sistema políade e das relações sociais, tendo o oîkos como o centro irradiador (BLUNDELL: 1995, 32). O acordo nupcial corresponderia a um rito de passagem de caracter doméstico (THEML: 1998b, 78), composto de três etapas: a) A concessão da jovem pelo pai, em compromisso (ekdosis), conjuntamente com um dote; b) A realização de um cortejo da noiva para a casa do noivo; c) A chegada da noiva ao seu novo lar.

Ao conceberem o matrimônio, as famílias realizariam uma espécie de associação com a finalidade de perpetuar as casas e a sociedade (VERNANT: 1992, 53). Nessa relação, a esposa desenvolverá um papel importante como elo entre as casas e sua função se estenderia da administração do oîkos à procriação de filhos legítimos, sendo este último de interesse fundamental para a organização e manutenção do sistema políade. A administração do dote e dos assuntos de interesse do exterior pelo esposo e dos bens doméstico pela esposa corroboraram para a manutenção não só da ordem familiar como a organização da pólis, sendo esta transmitida, posteriormente, aos descendentes por intermédio da herança. Os descendentes serão os responsáveis por reproduzirem este compromisso, quando executarem um novo matrimônio, salvaguardando as relações sociais existente entre as famílias.

Como forma de garantir o perfeito andamento deste acordo entre os lares, a escolha de uma futura pretendente é cercada de uma série de critérios idealizados considerados pelos poetas como o reflexo da sociedade. Hesíodo, por exemplo, faz diversas ressalvas sobre a conduta de uma mulher frente à sociedade, tendo vista que uma escolha errada poderia causar arrependimento no futuros (Os Trabalhos e os Dias, vv. 695-707).

Discutimos a questão da fidelidade conjugal em Homero e a continuidade do fenômeno como parte dos predicados valorizados pelo homem no momento da escolha de uma esposa no período arcaico. Mas, como este atributo é visto por Safo, sendo ela ao mesmo tempo mulher e poeta vivendo no século VII a. C.?

Perpetuar as alianças familiares é o propósito do casamento arcaico grego, permitindo a manutenção do poder entre os grupos políticos. No período de Safo as pólis, de um modo geral, estavam passando por um momento de desordem civil, as famílias aristocráticas dirigiam ameaças aos tiranos, que tentavam estabelecer o seu poder pessoal. Pitaco, em Metilene assume a autoridade de comando sobre a aristocracia local se mantendo, no poder, por intermédio de uma estratégia ao se unir pelo casamento a casa de Pentilos, filho bastardo de Orestes (Alceu. fr. 71).

Fazendo uma comparação entre Homero e Alceu, visualizamos que ambos recriminam a conduta transgressora de Helena ao destruir Priamo e seus descendentes. No fragmento 42, Alceu aborda a atitude dela ao estabelecer a personagem Thetis como sua antítese, descrevendo-a como uma esposa virtuosa que por ser fiel e amar o marido enaltece a família e a sociedade. Alceu transporta o modo de viver de Homero para as relações políticas e sociais da pólis de Metilene e utiliza o casamento como formador de alianças entre as famílias aristocráticas.

Safo, da mesma forma, como poetisa ouviu, recitou e reconstruiu os poemas de Homero, mas com um dado diferencial ao introduzir em um mesmo contexto poético, a sociedade heróico-guerreira e o cotidiano feminino (WINKLER: 1994, 186).

A poetisa, após um exílio forçado por Pitaco, atuou em Metilene como sacerdotisa de Afrodite e desenvolveu uma hetairería feminina, assumindo a função de educadora de jovens e estando encarregada de preparar as futuras noivas para o casamento. As atividades eram desenvolvidas em grupo e direcionadas a composição de hinos acompanhados de instrumentos musicais, entre eles a lira e números de dança. Os poemas nupciais, como uma das composições, narram o casamento, e suas etapas, são cantados e entoados em coro pelas jovens como, por exemplo, o fragmento 112 que descreve quais os atrativos que uma noiva preferencialmente deveria ter para ser escolhida em casamento. O hino dirigido ao noivo diz: “Cumpre-se ó noivo feliz, o casamento, conforme o desejo que é teu; a ti pertence a virgem que desejas [ ]; teu corpo cheio de graça, os olhos [ ]; com doçura de mel; em teu rosto reflui,; pela força de Eros [ honra-te, acima de todos, Aphrodite.”

Nesta canção de casamento, os “dotes” da noiva são apresentados e valorizados: beleza, juventude, fertilidade, sexualidade evidenciam o atributo da virgindade. Estes atributos encontram-se interligados e identificam a noiva como uma esposa ideal na sociedade de Metilene. A exaltação destes dotes podem significar, como salienta André Lardinois (1995, 34) em duas interpretações: a valorização da noiva pelo coro perante ao noivo que houve e em uma canção na qual às jovens expressariam suas próprias qualidades ao identificar o mundo feminino explicitando os atributos da mulher ao público ouvinte, constituído tanto por mulheres quanto por homens. A beleza das jovens se constituirá em uma espécie de elemento aliciador que tenciona estabelecer não somente os relacionamentos sexuais como também o próprio casamento.

Deste modo, podemos presenciar as similitudes e diferenças entre as narrativas de Homero e Safo por meio do casamento. No matrimônio, e consequentemente com a maternidade, a esposa assume a sua função social tanto no período homérico quanto na emergência da pólis. Entretanto, quando observamos o casamento nos poemas de Safo, mesmo que em algumas circunstâncias o casamento homérico esteja presente, como nos relatos sobre Thetis e Andrômaca, podemos notar uma mudança de comportamento que necessariamente não tem um caracter pejorativo e conflitante com o mundo político e social dos homens.

O comportamento adverso nos poemas de Safo, ao modelo ideal de esposa estabelecido por Homero, é decorrente do contexto e das relações sociais desenvolvidas em Metilene. No que se relaciona a educação feminina em Lesbos as atividades desenvolvidas com as jovens valorizam mais o aspecto lúdico pelo canto, onde a realidade social das mulheres se vincula a hetairería e ao local de apresentação do coro e se desvincula parcialmente do caracter doméstico privilegiado por Homero. Safo desenvolve nos poemas uma visão cultural da mulher com a valorização do corpo feminino, na qual se diferencia em uma ordem prática do que é exposto pela sociedade masculina, no que corresponde aos atributos idealizados. Vemos surgir, portanto com a narrativa de Safo, a mulher falando sobre o seu próprio universo e relacionando a experiência do sujeito feminino. Os poemas representam uma exceção, ao representar o cotidiano das mulheres e sua relação com a sociedade e a natureza. Desta forma, Safo narra e observa de uma maneira distinta as relações sociais quando comparadas com as preocupações masculinas que foram priorizadas em uma perspectiva do coletivo e onde a família e a sociedade dos homens são os temas principais.


Documentação Textual


LAFER, M. C. N. (1991) HESÏODO. Os Trabalhos e os Dias. São Paulo: Biblioteca Pólen-Iluminuras.

MURRAY, A . T. (1955) HOMER. The Odissey. Cambridge: Harvard University Press.

PAGE, D. (1987) Sappho and Alcaeus. London: Oxford/Clarendon Press.

Bibliografia Instrumental e Específica

ADRADOS, F. R. (1992) Sociedad, amor e poesia en la Grecia Antigua. Madrid: Alianza Editorial.

BLUNDELL, S. (1995) Women in Ancient Greece. London: British Museum Press.

LARDINOIS, A. (1995) Safo Lésbica e Safo de Lesbos. In: BREMMER, Jan (org.). De Safo a Sade. Momentos na História da Sexualidade. São Paulo: Papirus, 27-51.

SOIHET, R. (1998) História, Mulheres, Gênero: contribuições para um debate. In: AGUIAR, Neuma (org.). Gênero e Ciências Humanas. Rio de Janeiro: Record/Rosa dos Tempos, 95-114.

_________. (1998a). A Realeza e os Ritos de Passagem em Ítaca. In: PhoÎnix 5. Rio de Janeiro: Sette Letras, 281-305.



THEML, N. (1998b) O Público e o Privado na Grécia do VIII ao IV séculos a. C.: O Modelo Ateniense. Rio de Janeiro: Sette Letras.

WINKLER, J. (1994) La Doble Conciencia en la Lírica de Safo. In: Las coacciones del deseo. Antropologia del sexo y el género en la antigua Grécia. Buenos Aires: Ediciones Manantial, 185-211.
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