Artigo doi: 10. 18468/pracs. 2016v9n2. p43-56



Yüklə 146,71 Kb.
Pdf görüntüsü
tarix05.04.2018
ölçüsü146,71 Kb.
#36080


 

Artigo 

 

DOI: 10.18468/pracs.2016v9n2.p43-56

 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

Pensamento pós-abissal e pós-colonialismo em Boaventura de Sousa 

Santos: críticas e avanços epistemológicos 

João Paulo de Almeida Amorim

1

 

1 Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amapá, Pós-graduado em Docência do Ensino Superior 



pela Faculdade Meta, Graduado em Geografia pela Universidade Federal do Amapá. Professor efetivo de Geografia da rede 

estadual de ensino do Estado do Amapá, Brasil. E-mail: joaopauloamorim30@gmail.com

 

RESUMO:  Este  artigo  visa  estudar  e  refletir  sobre  o  desenvolvimento  do  pensamento 

pós-abissal e sua relação epistemológica com a teoria pós-colonial. Para tanto, a meto-

dologia  utilizada  considera  obras  de  referência  no  pós-colonialismo  latino-americano 

como Lander (2005), Bonnici (1998), Mignolo (2005), além de Santos (2002; 2007; 2008), 

que são referências para discutir a questão pós-colonial na atualidade. Verificou-se atra-

vés da análise da teoria pós-colonial e o pensamento pós-abissal que, essas teorias têm 

um eixo comum, que é a crítica ao modo de visão de mundo adotado pelo modelo oci-

dental  hegemônico,  construído,  principalmente,  nos  países  colonizadores.  Em  seguida, 

segue o debate acerca das possíveis saídas para o gargalo epistêmico em que se encon-

tram as ciências sociais. As práticas sociais visadas por Boaventura são o cosmopolitismo 

subalterno, tradução intercultural, artesania das práticas e os saberes alternativos não-

científicos. Além disso, a reflexão passa pela crítica feita ao marxismo por Boaventura e 

sua discussão de como Marx enxergava o colonialismo. Por fim, discute-se de como po-

de-se aprofundar o debate, suas possíveis limitações e avanços epistêmicos desenvolvi-

dos,  considerações  e  críticas  construtivas,  além  da  reflexão  sobre  o  debate  do  pensa-

mento pós-colonial no Brasil, que apresenta, ainda, poucos autores escrevendo sobre a 

teoria pós-colonial.  

Palavras-chave: Epistemologia; Pós-colonialismo; Pós-abissal; Ciências Sociais. 

 

Thought post-abyssal and post-colonialism in de Sousa Santos Boaventura thought: 

critical and advances epistemological 

ABSTRACT:    This  article  aims  to  study  and  reflect  on  the  development  of  post-abyssal 

thinking  and  its  epistemological  relationship  with  postcolonial  theory.  Therefore,  the 

methodology considers reference works in the Latin American postcolonialism as Lander 

(2005), Bonnici (1998), Mignolo (2005) and Santos (2002; 2007; 2008), which are refer-

ences  to  discuss  the  postcolonial  question  today.  It  was  found  through  the  analysis  of 

postcolonial theory and post-abyssal thinking that these theories have a common axis, 

which is critical to the world view mode adopted by the Western hegemonic model, built 

mainly in the colonizing countries. Then follows the debate about possible solutions to 

the  epistemic  bottleneck  where  are  the  social  sciences.  Social  practices  targeted  by 

Boaventura are the subaltern cosmopolitanism, intercultural translation,  craftsmanship 

practices  and  nonscientific  alternative  knowledge.  In  addition,  the  reflection  passes 

through the critique of Marxism by Boaventura and his discussion of how Marx saw co-

lonialism. Finally, we discuss how we can deepen the debate, their possible limitations 

and developed epistemic advances, considerations and constructive criticism, as well as 

reflection on the debate of the postcolonial thought in Brazil, which has also few authors 

writing on post-colonial theory.  



Keywords: Epistemology; Post-Colonialism; Post-abyssal; Social Sciences. 


44 

 

Amorim

 

 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 



1 INTRODUÇÃO 

 

O objetivo deste trabalho é refletir sobre se o pensamento pós-abissal de Boaven-

tura de Sousa Santos (2002; 2007; 2008) rompe com os anseios sociais advindos da 

tradição moderna de pensar e agir do homem. E discutir quais os avanços de seu dis-

curso com o pensamento pós-colonial. 

Nesse contexto, o artigo está estruturado, primeiramente  na  proximidade concei-

tual  entre  os  conceitos  sobre  o  pensamento  pós-colonial  e  pós-abissal  presente  em 

Santos  (2002;  2008).  Em  seguida,  analisa-se  o  avanço  dos  estudos  acerca  da  episte-

mologia social e a contribuição do discurso pós-colonial, através da inserção de novos 

conceitos de pesquisa apresentado pelos trabalhos de Boaventura. Na terceira parte, 

o debate sobre a superação ou não do  discurso marxista, através  das novas  práticas 

sociais tomam espaço na construção deste artigo. 

A escolha desses elementos está na  possibilidade de  verificar suas proposições, i-

deias e discussões acerca do que vem sendo debatido sobre esta temática. Além dis-

so, a  busca por proposições que enriqueçam  os estudos  pós-coloniais  no  Brasil e na 

América Latina merecem um cuidado mais acurado por parte de pesquisadores e ci-

entistas sociais, visto o leque de conceitos que podem ser utilizados e melhorados no 

debate ora apresentado. 



 

2 PÓS-COLONIAL E PÓS-ABISSAL: APROXIMAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS 

 

A teoria do pensamento pós-colonial tem sido muito debatida nas ciências huma-

nas na atualidade. O entendimento sobre o que vem a ser o objeto de estudo deste 

artigo mostra sua importância no quadro das ciências sociais. Para isto, é preciso mos-

trar o conceito do que vem a ser pós-colonial e pós-abissal. Para alguns autores, como 

Mignolo (2005) e Lander (2005) a expressão “pós-colonial” significa a descrição cultu-

ral influenciada pelo processo imperial desde os primórdios da colonização até os dias 

de  hoje.  Embora  não  haja  um  consenso  sobre  o  conteúdo  do  termo  “Pós-

colonialismo”  (BONNICI,  1998).  Ou  nas  próprias  palavras  do  próprio  autor  fica  mais 

claro o que vem a ser teoria pós-colonial: 

 

Outro  conceito a ser considerado é o de literatura pós-colonial, que pode 



ser entendida como toda a produção literária dos povos colonizados pelas 

potências europeias entre o século XV e XX. Portanto, as literaturas em lín-

gua espanhola nos países latino-americanos e caribenhos; em português no 

Brasil, Angola, Cabo Verde e Moçambique; em inglês na Austrália, Nova Ze-

lândia, Canadá, Índia, Malta, Gibraltar, ilhas do Pacífico e do Caribe, Nigéria, 

Quênia, África do Sul; em francês na Argélia, Tunísia e vários países da Áfri-

ca, são literaturas pós-coloniais (BONNICI, 1998, p. 09). 

 

O que se  pode inferir da  passagem acima é  que há vários  países,  de vários conti-



nentes envolvidos em um mesmo tempo cronológico de estudo. No entanto, o tempo 


Pensamento pós-abissal e pós-colonialismo em Boaventura de Sousa Santos: críticas e avanços epistemológicos 

45 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

social de cada um obedece a especificidades histórico-sociais próprias, mas que pos-

suem um tronco comum que seria o colonialismo. 

Segundo  Santos  (2009),  o  pensamento  pós-abissal  se  resume  em  criar  uma  nova 

forma de se pensar a sociedade atual em que a justiça cognitiva global seja igualitária, 

quer  dizer,  que  a  apropriação  e  a  construção  do  discurso  intelectual  no  mundo  seja 

igual, quebrando o paradigma da produção e apropriação do conhecimento, a partir 

do ocidente hegemônico. E essa injustiça cognitiva reflete na injustiça social no mun-

do, atualmente. 

O pensamento pós-colonial está calcado na análise da construção histórica e cultu-

ral das sociedades colonizadas a partir dos séculos XV e XVI. Essa construção se deu 

pelos europeus, trazendo consigo o conceito de modernidade para justificar ideologi-

camente  sua  dominação  sobre  os  povos  nativos.  Lander  (2005)  afirma  que  o  pós-

colonialismo  discute  sobre  as  diferentes  formas  de  desenvolvimento  e  apropriação 

do conhecimento gerado no mundo, e que esse conhecimento deve ser reformulado 

na medida em que somente se reconhece o saber dos povos dominantes, que repro-

duzem seus saberes em escala universal. Logo, é importante criar um discurso a par-

tir da nossa história, a história negada e silenciada dos primeiros habitantes do conti-

nente americano. 

As  correntes  dominantes  (principalmente  o  discurso  eurocêntrico  e  anglo-saxão) 

que contêm os poderes e os saberes são um conjunto de práticas cognitivas e crité-

rios de validação de conhecimento a partir da experiência de grupos sociais que tem 

sofrido  com  o  sistema  capitalista  (MIGNOLO,  2005).  As  relações  sociais  são  sempre 

culturais e políticas, representam formas de poder e distribuições desiguais de poder 

e o conhecimento é a manifestação desse complexo e dessa teia de relações sociais 

de  exploração  e  dominação  (SANTOS,  2009).  Segundo  Lander  (2005)  nos  encontra-

mos  numa linha de chegada numa  sociedade sem ideologias,  onde se acredita  num 

modelo civilizatório único, globalizado, universal, que torna desnecessária a política, 

na medida em que já não há alternativas possíveis a este modo de vida. 

Esse processo marcou o início de uma história universal e de um processo irrever-

sível de isolamento, onde todas essas relações de ordem econômica, política, cultural 

e espacial, possibilitaram a absorção  ideológica, cultural e social de relações estran-

geiras do ocidente colonizador. 

Segundo Santos (2008) as linhas cartográficas, a partir do século XV e XVI inaugura-

ram, desde seu início, uma forma de pensar e agir que justificava o uso da apropria-

ção/violência  como  mecanismo  legitimador  da  imposição  cultural,  intelectual,  eco-

nômica e política nas colônias de Além-mar. Seus costumes, línguas, modos de viver, 

classificados  como  não-humanos,  sub-humanos  e  selvagens.  Mignolo  (2005,  p.  34) 

afirma que: 

 

A emergência do circuito comercial do atlântico, no século XVI teve um pro-



fundo impacto na formação do mundo moderno/ocidental, no qual estamos 

vivendo  e  somos  testemunhas.  A  partir  deste  momento,  do  momento  de 




46 

 

Amorim

 

 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

emergência e consolidação do circuito comercial do Atlântico, já não é pos-

sível  conceber  a  modernidade  sem  a  colonialidade,  o  lado  silenciado  pela 

imagem reflexiva que a modernidade (por ex.: os intelectuais, o discurso o-

ficial do Estado) construiu de si mesma e que o discurso pós-moderno criti-

cou  do  interior  da  modernidade  como  autoimagem  do  poder.  A  pós-

modernidade, autoconcedida na linha unilateral da história do mundo mo-

derno,  continua  ocultando  a  colonialidade,  e  mantém  a  lógica  universal  e 

monotópica da esquerda e da direita da Europa (ou do Atlântico Norte) pa-

ra  fora.  A  diferença  colonial  (imaginada  no  pagão,  no  bárbaro,  no  subde-

senvolvido) é um lugar passivo nos discursos pós-modernos. 

 

Também há concordância no pensamento de Lander (1997), quando afirma que a 



conquista ibérica do continente americano é  o momento inaugural dos dois proces-

sos que,  de forma conjunta, conformam a história  posterior: a modernidade e a  or-

ganização colonial do mundo.  

O próprio conceito de cidadania, ainda no século XIX, recebeu nas colônias a fun-

cionalidade  jurídico-politica,  baseada  nas  constituições  em  que  ser  cidadão  passava 

por  um  crivo  social  em  que  os  indivíduos  que  não  cumpriam  requisitos  como  ser 

branco, heterossexual, católico, letrado, proprietário de terras não poderia ser consi-

derado cidadão. Logo, a maioria da população (mulheres, empregados, loucos, anal-

fabetos,  negros,  hereges, escravos,  índios,  homossexuais, dissidentes) eram conside-

rados reclusos no âmbito da ilegalidade, submetidos ao castigo e à terapia por parte 

da mesma lei que os excluiu (CASTRO-GÓMEZ, 2005). 

Surge, dessa forma,  o fenômeno  descrito  por Castro-Gómez  (2005,  p. 81) como a 

“invenção do outro”. O autor assim o descreve: 

 

Ao falar de “invenção” não nos referimos somente ao modo como um 



certo grupo de pessoas se representa mentalmente a outras, mas nos 

referimos  aos  dispositivos  de  saber/poder  que  servem  de  ponto  de 

partida  para  a  construção  dessas  representações.  Mais  que  como  o 

“ocultamento” de uma identidade cultural preexistente, o problema 

do  “outro”  deve  ser  teoricamente  abordado  da  perspectiva  do  pro-

cesso de produção material e simbólica no qual se viram envolvidas 

as sociedades ocidentais a partir do século XVI (GOMEZ, 2005, p. 81). 

 

Assim, o conceito de cidadão da modernidade foi forjado intrinsicamente com a in-



venção do outro. O “outro” é o ser humano excluído de seus direitos civis em sua ma-

terialidade  concreta,  portanto,  desprovido  de  se  encontrar  em  condições  iguais  de 

busca de qualidade de vida e apropriação de conhecimento.  

Depois da euforia cientista do século XIX e da consequente aversão à reflexão filo-

sófica,  bem  simbolizada  pelo  positivismo,  “chegam  a  finais  do  século  XX  possuídos 

pelo  desejo  quase  desesperado  de  complementarmos  o  conhecimento  das  coisas 

com o conhecimento do conhecimento das coisas” (SANTOS, 1986, p. 12). 

 



Pensamento pós-abissal e pós-colonialismo em Boaventura de Sousa Santos: críticas e avanços epistemológicos 

47 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

3 OS AVANÇOS EPISTÊMICOS 

 

As ciências sociais contribuíram efetivamente com a construção do saber eurocên-

trico, fundador da modernidade que criou o modo de vida e saber como pressuposto 

da  evolução  social  ditada  pela  marcha  do  conhecimento  cientifico  sistematizado.  O 

que acabou por forjar um metarrelato universal dos saberes dos colonizadores. “Este 

metarrelato  da  modernidade  é  um  dispositivo  de  conhecimento  colonial  e  imperial 

em que se articula essa totalidade de povos, tempo e espaço como parte da organi-

zação colonial/imperial do mundo” (LANDER, 2005, p. 13). 

A  perspectiva  pós-colonial  está  baseada  na  mesma  visão  pós-abissal  de  Santos 

(2008, p. 30), quando o autor afirma que “a negação de uma parte da humanidade é 

sacrificial, na medida em que constitui a condição para a outra parte da humanidade 

se  afirmar  enquanto  universal”.  O  sujeito  pós-colonial  corrobora  várias  identidades, 

ao  mesmo  tempo  em  que,  as  instrumentaliza,  de  acordo  com  as  perspectivas  situa-

cionais,  além  de  utilizar  as  segmentações  específicas  de  cada  local,  sem  perder  de 

vista seu contexto mais amplo. A pós-colonialidade não é então um momento à parte 

a história ocidental europeia, mas sim “tangencial” a ela (Op. Cit.). 

O pensamento de Santos (2008) está na ideia de que as linhas cartográficas estabe-

lecidas no início dos séculos XV e XVI estão vivas, mas de forma metafórica e são tra-

çadas por lógicas de segregação de diversos tipos: fascismo territorial, fascismo social, 

legislação antiterrorista, leis contra imigração. Além disso, o uso da ciência moderna a 

favor  da sociedade global, em detrimento do uso restrito  da produção  do  saber e  o 

descaso com os outros saberes, que não o cientifico contribuem para a manutenção 

da ordem epistemológica vigente. 

Esta  visão  hegemônica  da  ciência  moderna  veio  sendo  refutada,  principalmente, 

nas duas últimas décadas do século XX. A teoria da falseabilidade de Popper (1975), 

onde os paradigmas do conhecimento científico são passiveis de falsear, a teoria das 

estruturas dissipativas de Prigogine

1

 põe em xeque a visão do paradigma dominante. 



O que ratifica a importância de uma construção de saberes que foram postos de lado 

e, muitas vezes, desconsiderados como ciência. 

Santos (1986) destaca a importância da ruptura do paradigma dominante quando 

afirma que: 

 

Este movimento científico e as demais inovações teóricas que atrás define 



como  outras  tantas  condições  teóricas  da  crise  do  paradigma  dominante 

têm vindo a propiciar uma profunda reflexão epistemológica sobre o conhe-

cimento científico, uma reflexão de  tal modo rica e diversificada que, me-

lhor do que qualquer outra circunstância, caracteriza exemplarmente a situ-

ação intelectual do tempo presente. (SANTOS, 1986, p. 12).

 

                                                



1

  Segundo  Prigogine  (1997)  a  teoria  das  estruturas  dissipativas  estuda  sistemas  abertos,  onde  o  ponto  de 

entropia  busca  o  equilíbrio  do  sistema,  estando  apta  a  evolução.  Dessa  conclusão  a  Teoria  da  evolução  de 

Darwin e as leis da Termodinâmica encontram um ponto em comum, dando uma nova visão para a ciência. 




48 

 

Amorim

 

 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

Este avanço epistêmico tem de ser considerado em seu contexto social. Visto que, 

as  relações  sociais  em  que  são  produzidas,  são  relações  em  que  o  modelo  segrega-

ção/emancipação estão ligados, enquanto que, no pensamento pós-colonial deve ser 

inserido  noutro  contexto,  o  da  apropriação/violência,  no  qual  as  condições  de  pen-

samento levam em consideração o  legado colonial calcado na exploração e domina-

ção dos povos da América latina e América Central. 

Para Santos (2009), o uso contra-hegemônico da ciência moderna não pode se limi-

tar ao saber cientifico. É preciso absorver os saberes alternativos não-científicos, visto 

que, o saber cientifico é elitizado e manipulado por um pequeno grupo de pesquisa-

dores. Logo, a universalidade do saber se desfaz pela falta de apropriação do conhe-

cimento por  todos  os  grupos sociais, assim como a  negação  da existência  de outros 

saberes.  O  conhecimento  científico  moderno  é  um  conhecimento  desencantado  e 

triste que transforma a natureza num autômato, ou, como diz Prigogine (1997), num 

interlocutor terrivelmente estúpido (SANTOS, 1986). 

Essa possível emergência subalterna de se repensar a apropriação do saber conse-

gue, num primeiro instante, diminuir ou suprimir as diferenças entre os saberes, além 

de estreitar a linha abissal entre os povos.  

No entanto, como saber se isso é suficiente para quebrar o paradigma dominante é 

mais complexo do que parece, pois a coexistência das práticas cognitivas cientifica e 

não-cientifica  pode  ser  possível  no  modo  hegemônico  sem,  no  entanto,  destruí-lo? 

Para isso, Boa ventura engendra o uso dos mecanismos de pesquisa como a tradução 

inter-cultural, o cosmopolitismo subalterno e a ecologia de saberes. Tavares (2011, p. 

50) afirma que a verdade é que “o conhecimento moderno se tornou abstrato, desi-

deologizado e neutro, ao afirmar-se como descontextualizado, eliminando de si todas 

as relações sociais de dominação que lhe serviram de suporte”. Logo, há uma conver-

gência de ideias, onde é preciso ir mais longe n compreensão de um novo paradigma 

científico. 

A tradução inter-cultural coloca as experiências dos saberes alternativos aos sabe-

res ocidentais como complemento e fundamento de  novos conceitos sobre socieda-

de, cultura, justiça, cidadania, entre outros, a partir da interpretação aproximada des-

tes conceitos pelo processo de tradução (SANTOS, 2009).  

O cosmopolitismo subalterno surge como elemento alternativo à modernidade o-

cidental. Manifesta-se através das iniciativas e movimentos que constituem a globali-

zação  contra-hegemônica.  Boaventura  utiliza  a  expressão  “globalização  contra-

hegemônica” como processo contra a dominação hegemônica dos saberes e modo de 

vida  (SANTOS,  2008).    Procura  se  alimentar  da  infinidade  de  saberes  existentes  no 

mundo, e suas infinitas epistemes. 

Para Santos (2009) a ecologia de saberes se baseia na ideia de que o conhecimento 

é interconhecimento,  ou seja, a relação estreita entre  os saberes. E que, existe  uma 

intolerância  com  as  diversas  formas  de  saber  e  pensar,  além  da  intolerância  a  co-

presença.  Seus  preceitos  visam,  também  a  tentar  equacionar  as  temporalidades  di-



Pensamento pós-abissal e pós-colonialismo em Boaventura de Sousa Santos: críticas e avanços epistemológicos 

49 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

vergentes do tempo linear ocidental.  

 

Na perspectiva das epistemologias abissais do Norte global, o policiamento 



das fronteiras do conhecimento relevante é de longe mais decisivo do que 

as discussões sobre diferenças internas. Como consequência, um epistemi-

cídio maciço tem vindo a decorrer nos últimos cinco séculos, e uma riqueza 

imensa de experiências cognitivas tem vindo a ser desperdiçada. Para recu-

perar algumas destas experiências, a ecologia de saberes recorre ao seu a-

tributo pós-abissal mais característico, a tradução intercultural. Embebidas 

em diferentes culturas ocidentais e não-ocidentais, estas experiências não 

só usam linguagens diferentes, mas também distintas categorias, diferentes 

universos simbólicos e aspirações a uma vida melhor (SANTOS, 2009, p. 61). 

 

A ecologia  de saberes, enquanto  pratica cognitiva, se baseia na  busca por experi-



ências diversas, não somente a partir da experiência eurocêntrica, que tem aniquila-

do grande parte do saber que é produzido no mundo, como não-ciência, e na tentati-

va  de  aglutinar  experiências  filosóficas  distintas  que  se  utilizam  de  expressões  dife-

renciadas. 

 

4 MARXISMO: CRÍTICA OU AVANÇO EPISTÊMICO? 

 

Para Santos, o pós-colonialismo surge como prática científica alternativa, enquan-



to  que,  o  pensamento  pós-abissal  como  pratica  cognitiva  libertadora.  Porém,  como 

conceber o pensamento pós-abissal como pratica libertadora se os movimentos soci-

ais são práticas assentadas na busca por direitos que não questionam o modo de vi-

vencia atual? Para Silva (2011) as lutas reivindicativas desses sujeitos são travadas em 

busca  de  conquistas  modernas  como  escola,  propriedade  da  terra,  leis  de  proteção 

social, enfim, direitos básicos do Estado burguês e não contra excessos da regulação 

da modernidade

2

.  



Silva  (2011) ainda afirma que o  pensamento  de Boaventura é incipiente  na inter-

pretação do marxismo: 

 

Ao mesmo tempo, sabemos que a homogeneização das identidades, o não 



reconhecimento da diversidade cultural e religiosa, a padronização de com-

portamentos  e  valores  é  uma  realidade,  mas  não  se  contrapõem  frontal-

mente com a tradição do pensamento crítico moderno, principalmente com 

a teoria marxista, em suas mais variadas correntes, como insiste o professor 

português (SILVA, 2011, p. 11). 

 

No entanto, a crítica de Boaventura ao Marxismo não chega a ser suficiente e tão 



concisa como afirma Silva. Em Santos (2008), o autor concebe o Marxismo e o Libera-

                                                

2

  Aí  estão  inclusos  os  ditos  Novos  Movimentos  Sociais  NMS’s.  Dentre  eles  destaque  para  os  movimentos 



indígenas, O Fórum Social Mundial e o Movimento Feminista. 


50 

 

Amorim

 

 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

lismo político como parte de processos tradicionais de pensamento moderno e, que, 

a  primeira  corrente,  ainda  hoje,  sustenta  a  argumentação  teórica  das  teorias  pós-

coloniais. Ou seja, não descarta a teoria marxista, tampouco se exime de sua impor-

tância epistemológica atualmente. Segundo o autor: 

 

A  tensão  entre  regulação  e  emancipação  social  é  constitutiva  das  duas 



grandes tradições teóricas da modernidade ocidental – o liberalismo políti-

co e o marxismo. As diferenças entre eles são significativas, pois enquanto o 

liberalismo político confina as possibilidades de emancipação ao horizonte 

capitalista, o marxismo concebe a emancipação social num horizonte pós-

capitalista. No entanto, ambos concebem o colonialismo no quadro histori-

cista de um código temporal que coloca os povos coloniais na “sala de es-

pera” da história, que, a seu tempo, lhes trará os benefícios da civilização. 

Isto  não  impede  que  se  reconheça  que,  dado  o  caráter  constitutivamente 

colonialista do capitalismo moderno, o horizonte pós-capitalista desenhado 

pelo  marxismo  seja  também  um  horizonte  pós-colonial.  Não  surpreende, 

por  isso,  que,  de  todas  as  tradições  teóricas  europeias  e  eurocêntricas,  o 

marxismo seja a que mais tenha contribuído para os estudos pós-coloniais, 

retirando daí parte da sua renovada vitalidade (SANTOS, 2004, p. 15). 

 

É nesse contexto que se enquadra a crítica de Santos ao marxismo, quando se tra-



ta  de  colocar  os  povos  colonizados  na  “sala  de  espera”  da  construção  histórica  de 

emancipação  social.  Quando  o  que  se  espera  é  justamente  o  contrário,  ou  seja,  a 

construção de  uma nova epistemologia baseada na intervenção dos povos coloniza-

dos na sua própria história.  

Além  disso,  Santos  (1999)  analisa  as  fases  da  discussão  do  pensamento  marxista 

por diversos autores ao longo do século XX. Nesta análise identifica que, durante as 

décadas de 1950 a 1970, o marxismo ganhou força nos movimentos anti-coloniais, no 

surgimento  de  novos  países  na  Europa,  na  Revolução  Cubana  e  sustentou  governos 

calcados no discurso comunista. Fato notado, também pela sua reconstrução e revi-

são teórica por autores como A. Giddens (1981), J. Habermas (1978) e S. Aaronowitz 

(1981).  Ao  mesmo  tempo  em  que  era  revisto,  o  marxismo  propiciou  novos  debates 

na  Sociologia,  propiciando  seu  crescimento  epistemológico.  No  entanto,  na  década 

de 80 sofre críticas com o fim do socialismo em diversos países.  

Quanto à construção epistemológica de Santos, Silva (2011) se equivoca em outra 

passagem de seu texto quando afirma: 

 

Em nossa avaliação, algumas das principais teses apresentadas por Boaven-



tura  de  Sousa  Santos  não  se  sustentam  ou,  entram  em  contradições  irre-

conciliáveis.  Neste  sentido,  muitas  das  elaborações  teórico-reflexivas  do 

pensador lusitano, assumem um sentido contrário as suas próprias preten-

sões. O que serviria para orientar a caminhada da construção de um pen-

samento  crítico  e  uma  intervenção  política  emancipatória,  acaba  por  difi-

cultar uma leitura mais responsável e coerente sobre a dinâmica das lutas 

contemporâneas  e  os  desafios  das  classes  subalternas  diante  da  ofensiva 



Pensamento pós-abissal e pós-colonialismo em Boaventura de Sousa Santos: críticas e avanços epistemológicos 

51 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

global do capital. Ao mesmo tempo em que refuta qualquer perspectiva e-

pistêmica que pretenda oferecer uma visão de totalidade sobre a realidade, 

propõe como forma de contraposição ao modelo de globalização hegemô-

nico  uma  globalização  contra-hegemônica,  batizada  por  ele  de  cosmopoli-

tismo subalterno, que tem como principal desafio lutar pela justiça global. 

Isso não seria uma teoria geral? Uma metanarrativa, por ele tão demoniza-

da? (SILVA, 2011, p. 08-09, grifo do autor). 

 

A uma leitura mais atenta do autor é incipiente dizer que Boaventura deseja cons-



truir  uma metanarrativa. Não é esse  o  foco  do autor quando  se fala em cosmopoli-

tismo subalterno. O intuito dessa ideia é, justamente, o contrário, buscar na ecologia 



de saberes a saída para o gargalo epistêmico que se encontra, hoje, a ciência. Ou seja, 

a busca de mecanismos alternativos de saberes, onde não predomine uma única idei-

a, um único motor de pensamento, mas várias saídas, várias ideias, várias alternativas 

para o modo de produção capitalista. Nisto reside o pensamento de Santos.  

Para Santos (2009, p. 30) “o lugar de enunciação da ecologia de saberes são todos 

os lugares onde o saber é convocado a converter-se em experiência transformadora”. 

Cabe aqui ressaltar que o projeto contra-hegemônico está baseado, principalmente, 

na pretensão de buscar os inter-movimentos sociais, ou seja, cada vez mais se esta-

belecer os diálogos entre os diversos movimentos que se encontram vigentes, atual-

mente. O objetivo deste é o de evitar o que o autor chama de fascismo epistemológi-



co

3

. É quando se constitui uma relação violenta de destruição ou supressão de outros 

saberes. Fato esse, que eliminou grande parte dos saberes alternativos existentes em 

várias partes  do  mundo  que  foram suprimidos no  período colonial, causando  seu e-



pistemicídio

4

.  


No  entanto,  a  ecologia  de  saberes  possui  suas  limitações.  Por  exemplo,  de  que 

forma sistematizar um conjunto de saberes, que é infinito, sem deixar alguns de fora? 

Como estabelecer comparações entre os saberes, visto que, suas tradições teóricas, 

culturais e políticas são engendradas de formas muito distintas? Para o autor, o me-

canismo  de  Tradução  e  a  Artesania  das  práticas  seria  necessário  para  se  começar  a 

discussão epistemológica entre os saberes. 

O trabalho de tradução esta pautado na tradução intercultural dos saberes perten-

centes a mesma cultura ou a culturas diferenciadas. O procedimento de tradução de 

expressões que só existem em algumas etnias, povos e grupos sociais dificulta o pro-

cedimento. Logo, a universalização e a difusão do saber se torna mais complexo, pois 

é preciso  fazer aproximações  sucessivas entre as línguas  para se chegar ao entendi-

mento.  Porém,  as  aproximações  sucessivas  podem  descaracterizar  o  pensamento 

inicial,  remodelando,  por  vezes,  de  forma  errônea  o  pensamento  inicial.  Mas,  ao 

                                                

3

  Para  Boaventura,  esta  prática  seria  a  não-aceitação  de  outras  epistemes  que  divergem  ou  apresentam  uma 



nova visão de mundo, que não a eurocêntrica (SANTOS, 2009). 

4

  O  autor  refere-se  à  epistemicídio  como  o  silenciamento  das  epistemologias  não  científicas  através  de  sua 



supressão e/ou eliminação (SANTOS, 2002).

 



52 

 

Amorim

 

 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

mesmo  tempo,  os  saberes  introduzidos  podem  desenvolver  sobre  as  muitas  ideias 

alternativas que ela pode exprimir e que a filosofia ocidental não pode.  

A  Artesania  das  práticas  está  pautada  na  preocupação  em  estabelecer  contextos 

específicos, onde os saberes se integrarão em um dado exercício da ecologia de sabe-

res. Destes dois procedimentos pode-se resultar em discussões que tem um eixo em 

comum: 


 

A preocupação da preservação da biodiversidade pode levar a uma ecologia 

entre o saber científico e o saber camponês ou indígena. A preocupação da 

luta  contra  a  discriminação  pode  conduzir  a  uma  ecologia  entre  saberes 

produzidos por diferentes movimentos sociais: feministas, antirracistas, de 

orientação sexual, de direitos humanos, indígenas, afrodescendentes, etc., 

etc. A preocupação com a dimensão espiritual da transformação social po-

de  levar  a  ecologias  entre  saberes  religiosos  e  seculares,  entre  ciência  e 

misticismo, entre teologias da libertação (feministas, pós-coloniais) e filoso-

fias  ocidentais,  orientais,  indígenas,  africanas,  etc.  A  preocupação  com  a 

dimensão ética e artística da transformação social pode incluir todos esses 

saberes  e  ainda  as  humanidades,  no  seu  conjunto,  a  literatura  e  as  artes 

(SANTOS, 2008, p. 30). 

 

Pensando nesta ideia, Santos (2008) trabalha com o projeto contra-hegemônico a 



partir  do  desenvolvimento  do  que  o  autor  chama  de  Epistemologias  do  sul.  Se  não 

houvesse epistemologias do norte não seriam necessárias epistemologias do sul. São 

diferenças verticais que surgem como uma proposta epistemológica insurgente, con-

tra um projeto de dominação capitalista mundial, que são o paradigma hegemônico.  

Segundo Nunes (2008, p. 48) “a epistemologia do Sul, enquanto projecto, significa, 

ao mesmo tempo, uma descontinuidade radical com o projeto moderno da epistemo-

logia e uma reconstrução da reflexão sobre  os saberes”. Para tanto,  o  pragmatismo 

epistemológico é uma das bases teorizadas por Boaventura para ratificar seu pensa-

mento. 

O Sul aparece como o projeto de insurgência contra o paradigma hegemônico. A-



lém de uma mera posição geográfica, “está relacionado a uma construção geopolítica, 

que se inicia com a expansão colonial da Europa e que se apresenta hoje sob a roupa-

gem da globalização neoliberal” (TAVARES, 2011, p. 15). No entanto, as relações pro-

duzidas  no  colonialismo  enquanto  relação  política  não  acarretou  seu  fim  enquanto 

relação social. 

É possível fazer uma referência tanto ao pragmatismo quanto à epistemologia para 

utilizá-las de forma associada. A partir desse contexto pode-se nortear o uso das ex-

periências dos oprimidos com modo alternativo além de, ao mesmo tempo, estabele-

cer ligações com a crítica da epistemologia enquanto projeto filosófico e romper com 

os pressupostos e condições dessa crítica. Torna-se possível, assim, uma dupla opera-




Pensamento pós-abissal e pós-colonialismo em Boaventura de Sousa Santos: críticas e avanços epistemológicos 

53 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

ção de “resgate” da epistemologia

5



Os pressupostos históricos, reproduzidos ao longo do tempo, como a imposição de 



uma visão monocultural e linear de tempo, resulta de condições escondidas e supri-

midas, que, por destaque na cultura ocidental acabaram se afirmando como verdades 

inquestionáveis  e  únicas.  Ou  seja,  a  sociedade  moderna  ocidental  estava  assentada 

em  uma  falsa  moralidade.  Filósofos  questionaram  essa  moralidade.  Dentre  eles,  se 

destaca Nietzsche (2013). O filósofo alemão criticava a sociedade moderna através de 

sua crítica à moralidade: 

 

O mais moral é aquele que mais sacrifica aos costumes (...). Em compensa-



ção,  esses  moralistas  que,  semelhantes  aos  sucessores  de  Sócrates,  reco-

mendam ao indivíduo o domínio de si e a sobriedade, como suas vantagens 

mais especificas, como a chave mais pessoal de sua felicidade, esses mora-

listas constituem a exceção – e se vemos as coisas de outro modo é porque 

simplesmente fomos criados sob a influência deles: todos seguem uma vida 

nova que lhes vale a mais severa reprovação dos representantes da morali-

dade dos costumes – eles se excluem da comunidade, uma vez que são imo-

rais, e são, na acepção mais profunda do termo, maus (NIETZSCHE, 2013, p. 

24). 

 

A  cultura  dominante,  eurocêntrica,  etnocêntrica,  que  se  afirmou  historicamente 



como hegemônica, os conhecimentos que ela produziu, os valores que foram impos-

tos, o modelo de racionalidade que configurou conhecimentos, valores morais, estéti-

cos e religiosos, tomou a sua produção como verdade universal e absoluta. 

É possível, desse modo, analisar a extensão dos novos horizontes de pensamento 

abertos pela busca outras lógicas outras racionalidades, particularmente as oprimidas 

e  historicamente  silenciadas,  no  contexto  dos  pensamentos  pós-coloniais  e  pós-

abissais. 

Para isso, é preciso repensar nossas ações, a partir de uma nova lógica de produção 

e apropriação do conhecimento onde sejam respeitadas as diferentes formas de pen-

sar a agir não-ocidentais. Nesse sentido, concorda-se com Santos (2001, p. 23), quan-

do afirma que é preciso “pensar e agir, como pensar o pensar”. Ou seja, refletir sobre 

as condições e desafios que são impostos perante a sociedade e a condição epistêmi-

ca em que se encontra atualmente.  

 

5 PARA ENRIQUECER O DEBATE 



 

Diante da discussão apresentada fica claro que, se faz cada vez mais necessário o 

desenvolvimento das teorias pós-coloniais e o pensamento pós-abissal, pois seu dis-

curso interessa diretamente a América Latina e as ex-colônias que foram vítimas das 

                                                

5

  Nunes  (2008)  usa  o  termo  para  identificar  a  concepção  de  epistemologia  numa  acepção  de  busca  de  seus 



pressupostos,  no  sentido  de  resgatar  as  epistemes  alternativas  que Boaventura  de  Sousa  santos  analisa  em 

seu artigo Sociologia das Ausências e Sociologias das Emergências.

 



54 

 

Amorim

 

 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

distorções, explorações e dominação política, ideológica, econômica e cultural duran-

te séculos dos países “ocidentais”.  

Portanto, a lógica de apropriação do conhecimento tem de ser questionada, revis-

ta e refutada, no que tange às epistemes que foram suprimidas e, ainda, não são con-

sideradas como pertencentes ao domínio cientifico. Os princípios norteadores da dis-

cussão foram colocados em pauta. O inicio de uma proposição inovadora de compre-

ensão teórica e epistemológica se faz latente. Logo, devemos nos propor a fomentar 

e dar ânimo a essa visão de mundo que enxerga uma totalidade mais completa a que 

vinha sendo dita como a universal. 

O saber e o poder andaram juntos nos últimos séculos. Serviram de sustentação e 

justificativa para a dominação dos povos colonizados. Então a reinvenção do saber e 

a reinvenção do poder são práticas que precisam ser postas em xeque. O trabalho de 

discussão cientifica acerca da temática ainda está começando, apesar de ser iniciado 

na  década  de  1970  com  os  trabalhos  de  E.  Said  sobre  o  Orientalismo  tem  ganhado 

força nos últimos anos com as obras de Fernando Coronil, Walter Mignolo, Edgardo 

Lander, Ana Ester Ceceña, Arturo Escobar, Boaventura de Sousa Santos, Partha Chat-

terjee, Homi Bhabha, entre outros, não menos importantes.  

No  Brasil,  a  discussão  pós-colonial  e  pós-abissal  ainda  é  incipiente.  No  entanto, 

Carlos Walter Porto Gonçalves lidera os primeiros debates sobre o tema.  Os estudos 

sobre a construção social e antropológica das populações antes do “descobrimento” 

português,  além  das  consequências  da  lógica  de  apropriação/violência  ocorrida  nos 

primeiros séculos de colonização no Brasil, podem engendrar o entendimento as ori-

gens da desigualdade social e espacial desenvolvida no seio da sociedade brasileira.  

Além  disso,  é  preciso  questionar  e  pesquisar  os  parâmetros  pós-coloniais  na  for-

mação e adoção do idioma português e de sua apropriação na formação da literatura 

após  a  independência  política  e,  especialmente,  no  modernismo  e  nos  anos  que  o 

seguem. Logo, ainda temos muito a pesquisar e desenvolver sobre as consequências 

do colonialismo, nos diversos campos das ciências sociais, na ex-colônia portuguesa. 

A teoria  pós-colonial e  o  pensamento pós-abissal de  Boaventura de Sousa Santos 

estão mais próximos do que se previa. No entanto, se apresentam sob óticas distintas 

de  construção  do  saber,  além  disso,  o  pensamento  pós-abissal  apresenta  possíveis 

saídas  para  a  supressão  sistêmica  do  saber  eurocêntrico,  enquanto  que  o  pós-

colonialismo identifica as raízes dessa submissão do pensamento e norteia as discus-

sões  acerca  daquilo  que  foi  e  continua  sendo  usado  como  discurso  hegemônico  na 

prática de construção social, cultural, histórica e cientifica sobre o papel das socieda-

des  colonizadas  durante  séculos  de  dominação  e  exploração,  que  acarretou  em  su-

pressões,  extinções  e  desuso  de  práticas  socioculturais  que  nos  pertencem  como  i-

dentidade cultural e social. 

 

 

 




Pensamento pós-abissal e pós-colonialismo em Boaventura de Sousa Santos: críticas e avanços epistemológicos 

55 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

REFERÊNCIAS 

 

BONNICI, T. Introdução ao estudo das literaturas pós-coloniais. MimesisBauru, v. 19, 



n. 1, p. 07-23, 1998. 

CASTRO-GÓMEZ, Santiago. Ciências sociais, violência epistêmica e o problema da “in-

venção  do  outro”.  In:  A  colonialidade  do  saber:  eurocentrismo  e  ciências  sociais. 

Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 80-87.  

LANDER,  Edgardo.  Ciências  Sociais:  saberes  coloniais  e  eurocêntricos.  In: 

______(org.).  A  colonialidade  do  saber:  eurocentrismo  e  ciências  sociais.  Perspecti-

vas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. p. 8-23. 

______.  Modernidad,  Colonialidad  e  Postmodernidad.  Revista  Venezolana  de  Eco-



nomia y Ciencias Sociales, n° 4, Caracas, out-dez., 1997. 

MIGNOLO, Walter.  A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizon-

te conceitual da modernidade. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: 

eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLAC-

SO, 2005. p. 33-49. 

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. BRAGA, A. C. (trad.). Aurora. São Paulo: Escala, 2013. 

NUNES, J. Arriscado. O resgate da epistemologia. Revista Crítica de Ciências Sociais

v. 80, p. 45-70, mar. 2008. 

POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix/Edusp, 1975. 

PRIGOGINE,  Ilya.  The  End  Of  Certainty:  Time,  Chaos,  and  The  New  Laws  of  Nature. 

New York: Free Press, 1997. 

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso Sobre as Ciências. Universidade de Co-

imbra, Portugal, p. 1-22. 1986. 

_______. Pela Mão de Alice: O social e o político na pós-modernidade.  Porto: Afron-

tamento. 7° ed. 1999. 

_______.  Para  uma  Concepção  Multicultural  dos  Direitos  Humanos.  Contexto  Inter-



nacional, v. 23, ano 1, p. 7-34. 2001. 

_______. Seis razões para pensar.  Lua Nova, v. 54, p. 13-24. 2001. 

_______. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revis-

ta Crítica de Ciências Sociais, v. 63, p. 237-280. 2002. 

_______. A filosofia à venda, a douta ignorância e a aposta de Pascal. Revista Crítica 



de Ciências Sociais, v. 80, p. 11-43. 2008. 

_______.  Para  além  do  pensamento  abissal:  das  linhas  globais  a  uma  ecologia  dos 

saberes.  In  SANTOS,  B.  S.  &  MENESES,  Maria  Paula  (Orgs.).  Epistemologias  do  Sul. 

Coimbra: Livraria Almedina, 2009, p. 30-65. 

_______. Do pós-moderno ao pós-colonial e para além de um e de outro. Centro de 

Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. s/d. 

SANTOS, Boaventura de Sousa; Gomes, Conceição. Geografia e democracia para uma 

nova justiça.  Julgar, v. 2, p. 109-128. 2007. 

SILVA, P. C. Dutra. De pós a pós, a lugar nenhumuma crítica ao pensamento de Boa-



56 

 

Amorim

 

 

PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP 

https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs

    ISSN 1984-4352    Macapá, v. 9, n. 2, p. 43-56, jul./dez. 2016 

ventura de Sousa Santos. V Encontro Brasileiro De Educação e Marxismo. UFSC, Flo-

rianópolis. Abril, 2011. 

TAVARES, Manuel. Despensar as pedagogias coloniais e os seus pressupostos episte-

mológicos.  VIII  Colóquio  de  Pesquisa  Sobre  Instituições  Escolares  –  Pedagogias  Al-



ternativas. ULHT, Lisboa, 2011. 

 

 



Artigo recebido em 05 de maio de 2015. 

Aprovado em 17 de novembro de 2016. 

 

 



Yüklə 146,71 Kb.

Dostları ilə paylaş:




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©genderi.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

    Ana səhifə