24
Link: Digital Hardcore (
www.digitalhardcore.com
).
Fonte: Mondo Bizarre (
www.mondobizarre.com
).
AS RÁDIOS LIVRES EM DIREÇÃO A UMA ERA PÓS-MÍDIA
Felix Guattari
O fenômeno das rádios livres só toma seu
sentido verdadeiro se o recolocamos no
contexto das lutas de emancipação materiais e
subjetivas. Na Itália e na França, ele foi um dos
últimos florões das revoluções moleculares que
se sucederam aos movimentos de contestação
dos anos 60. Nos últimos anos, a situação
européia foi submetida a um congelamento
social, político e cultural, para não dizer a uma
onda de glaciação. Isso tem a ver com o esforço desse continente em
manter seu lugar entre as grandes potências econômicas e militares que
dele se distanciam cada vez mais. As diferentes categorias sociais que o
compõem se apertam friorentamente umas nas outras, agarrando-se às
suas 'conquistas' e às suas ilusões. Só uma minoria de marginais consegue
se manter fora do consenso reacionário. Nessas condições, a maior parte
dos grandes movimentos de emancipação se encontram abatidos ou
jogados para escanteio.
A situação é muito diferente no continente latino-americano e em
particular no Brasil, onde centenas de milhões de pessoas se encontram
marginalizadas em relação à economia dominante. E como nada autoriza
esperar que elas possam vir a se integrar docemente em uma sociedade
do tipo norte-americano, europeu ou japonês, é possível supor que elas
só poderão afirmar seu direito à existência através da reinvenção de
25
novas formas de luta e de expressão. Novas: porque, manifestamente,
não se pode mais dar credibilidade aos métodos políticos obtusos e
corporativos dos velhos partidos e sindicatos de esquerda. Sem dúvida, as
lutas clássicas no campo do trabalho e na arena política tradicional
continuarão a desempenhar um papel importante para o estabelecimento
de relações de força globais com as classes conservadoras, mas elas não
poderão mais dar um conteúdo verdadeiramente emancipador a essas
lutas se as diferentes composições da esquerda permanecerem
impregnadas de valores conservadores. A intervenção de uma inteligência
alternativa, de práticas sociais inovadoras, como é o caso das Rádios
Livres, parece portanto indispensável à saúde de centenas de milhões de
explorados desse continente. Essa recusa parcial das práticas da esquerda
tradicional não impede de maneira nenhuma que se estabeleça com ela
alianças - por exemplo, nessa questão das rádios livres. Não implica,
portanto, um fechamento sectário sobre os grupúsculos de extrema
esquerda que, de maneira mais velada, são também incapazes, na maioria
das vezes, de entender as profundas mutações que se operam na
sociedade contemporânea. Novas e mais amplas alianças podem ser
criadas para reinventar novas formas de vida - talvez de sobrevivência - e
de luta. Por exemplo, em certos setores da Igreja ligados à teologia da
libertação.
As primeiras rádios livres do Brasil foram acolhidas com uma certa
reserva. Alguns recearam que sua aparição pudesse servir de pretexto
para uma repressão violenta; outros só conseguiriam ver nelas um replay
dos movimentos dos anos 60. É bom que esteja claro, antes de mais nada,
que o movimento das rádios livres pertence justamente àqueles que o
promovem, isto é, potencialmente, a todos aqueles - e eles são uma
legião - que sabem que não poderão jamais se exprimir de maneira
convincente nas mídias oficiais. Não se trata, portanto, de um movimento
esquerdista, mesmo se são os esquerdistas os primeiros a se engajar
corajosamente nessa perspectiva. Isso quer dizer que os seus atuais
representantes deveriam evitar todo sectarismo e toda rigidez. Parece
evidente que em uma etapa ou outra do processo atual deverão ser
estabelecidas negociações com as autoridades. Parece absurdo e
irresponsável proclamar que as negociações sobre as condições de
exercício das novas mídias serão recusadas por princípio. A questão toda
está em fazer essas negociações das melhores relações de força possíveis
para os movimentos de emancipação dos jovens, das mulheres, dos
negros, dos trabalhadores, das minorias sexuais, dos ecologistas, dos
pacifistas, etc.
As rádios livres não nasceram de um fantasma da belle époque dos meia-
oitos, como escreveu um jornalista da Folha de São Paulo. Trata-se, pelo
contrário, de um movimento que se instaurou, nos anos 70, como reação
a uma certa utopia abstrata dos anos 60. As rádio livres representam,
antes de qualquer outra coisa, uma utopia concreta, suscetível de ajudas
aos movimentos de emancipação desses países a se reinventarem. Trata-
se de um instrumento de experimentação de novas modalidades de
democracia, uma democracia que seja capaz não apenas de tolerar a
expressão das singularidades sociais e individuais, mas também de
encorajar sua expressão, de lhes dar, a devida importância no campo
social global. Isso quer dizer que as rádios livres não são nada em si
mesmas. Elas só tomam seu sentido como componentes de
26
agenciamentos coletivos de expressão de amplitude mais ou menos
grande. Elas deverão se contentar em cobrir pequenos territórios;
poderão igualmente pretender entrar em concorrência, através de redes,
com as grandes mídias: a questão fica aberta. O que a resolverá é a
evolução das novas tecnologias. As rádios livres, e amanhã as televisões
livres, são apenas uma pequena parte do iceberg das revoluções
midiáticas que as novas tecnologias da informática nos preparam.
Amanhã, os bancos de dados e a cibernética colocarão em nossas mãos
meios de expressão e de concentração, por enquanto inimagináveis.
Basta que esses meios não sejam sistematicamente recuperados pelos
produtores de subjetividade capitalista, ou seja, as mídias 'globais', os
manipuladores de opinião, os detentores do star system político. Trata-se,
em suma, de preparar a entrada dos movimentos de emancipação numa
era pós-mídia, que acelerará a reapropriação coletiva não apenas dos
meios de trabalho mas também dos meios de produção subjetivos.
Fonte: Machado, Arlindo; Magri, Caio; Masagão, Marcelo; eds. Rádios
livres - A reforma agrária no ar. Editora Brasiliense, São Paulo, 1997.
Prefácio, pags. 9-13.
AUTECHRE: MÁQUINAS DESEJANTES
Franco Ingrassia
1.
É possível que um dos pontos inevitáveis de toda tentativa de análise de
um grupo de música eletrônica contemporânea seja estudar que relação
ele estabelece com o Kraftwerk, a banda alemã que desempenha um
papel fundacional na música eletrônica dentro do contexto cultural do
rock no começo dos anos 1970. E no caso do Autechre, os contrastes que
mantém em relação a esta referência fundamental são reveladores. Onde
o Kraftwerk constrói um descritivismo urbano que remete a certo ideal de
transparência comunicativa e representacional, Autechre parece se
centrar na obstrução, na distorção, no ruído inerente a toda comunicação.
2.
Dostları ilə paylaş: |