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Seguiram alguns trabalhos escritos, plásticas de barro, solidão e
recolhimento.
Em soma, recomendamos este tipo de pesquisa autodidata "in loco"
àqueles tateando num trabalho não subvencionado, orientados por um
sentimento de aprofundamento no conhecimento, podendo assim terem
um vislumbre da Sabedoria e do Amor existindo na Eternidade da
Existência dos universos, cujo retrato são os instrumentos, num mundo
de miniaturas das nossas artes humanizadas. MICROCOSMO. Conhecer
esse único instrumento que é o HOMEM. Conscientizar a palavra música
no seu sentido inverso: Ak-Is-Um, ou seja: Akasha (éter sonoro e luz), Isis
= a bela luz, Um: a Unidade que abrange os três em Um. É necessário
voltar do concretismo para o abstraismo do amorfo, para o caos
homogêneo e indiferenciado, e de lá buscar o ainda não existente
materialmente, e ter a capacidade de dissolver as descobertas
imediatamente, porque atrás ainda vem muita gente. Raças nascidas do
lixo atômico.
Vale notar o exemplo do genial artista Mário Cravo, no monumento
(momento da consciência), onde ultrapassa o sentido de homenagem
política, na quadratura do círculo erguida em 1982 na Avenida Garibaldi.
Um instrumento de cimento armado contendo uma silenciosa e poderosa
palavra aclamando os céus.
Após 15 anos de labor, conseguimos uma quantidade razoável de timbres
novos, houve um relaxamento de maneira tão inesperada que esta
experiência total dos instrumentos voltou-se para o violoncelo, quando
um dia, numa improvisação, uma síntese de todas as experiências
adquiridas no trabalho anterior, nasceram duas peças denominadas
"Facho de Luz". Era o final do disco "Interregno" que por um descuido,
não foi incluido naquele disco, ficando assim anônimo para o público.
Daí adiante, as forças criativas cessaram, surgindo apenas mais um novo
problema: será que tocar significa viver com intensidade artísticamente,
ou é uma falsa projeção entre o não ser das artes e a vida? Esta pergunta
não me foi respondida até hoje. Senti uma força desconhecida chegar
com tanta veemência, não era eu, virei público ouvindo alguém. A música
era um ser bem superior a mim, entretanto tomou conta de mim
integralmente, como se fosse eu mesmo. Mas ao terminar, voltei a ser um
homem comum como qualquer outro, sem poder me manter neste alto
nível anterior. Tive a nítida noção de que era necessário fazer aquilo,
pouco importando quem servia de instrumento. Viví daí adiante como
espectado, observando as emoções, vibrando as vezes, ouvindo música
como se fosse minha. Soube finalmente apreciar tudo que era nobre e
raro, e senti de fato um gênio dirigindo as coisas belas que acontecem no
palco da vida. Embora me sentindo um miserável mortal, senti a
celebração da imortalidade.
Fechei o expediente, não há mais ninguém com quem me comunicar, e
por força maior, dei por terminada a pesquisa, embora houvesse ainda
necessidade de certa codificação. Ví com toda clareza que nada de novo
tinha sido criado, apenas redescoberto por iniciativa própria, com a única
pretensão de conquistar e descobrir sozinho os novos continentes,
tateando do conhecido para o desconhecido. Este caminho traz muitas
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felicidades, muitas angústias também, porque, como foi dito
anteriormente, a realidade não corresponde ao potencial, mas o Som,
também invertido em Luz, pode levar o homem a ter um vislumbre da
Existência.
Recomendamos esse tipo de trabalho, incluido num currículum
universitário, para ser prosseguido por outra pessoa corajosa, disposta a
um supremo sacrifício.
Possívelmente a pesquisa pode encontrar-se, em pouco tempo,
contemplando o "NADA". Isto é: ficar sem tempo, sem espaço e sem
condições e quando soar esta hora, virá a crise total, de dentro para fora,
encontrando esta vastidão de camadas culturais que o homem adquiriu
durante séculos e séculos, e ele terá de se confrontar com o NADA,
inerente ao TODO. Forçosamente o homem terá que voltar ao interior, e
lá permanecer, lá onde reside o Nada, aquele Nada porém, que nunca
nasceu e daí não pode morrer. Só assim o trabalho poderá recomeçar,
destruindo as citadas camadas culturais, apodrecidas e gastas. Eis a
diferença entre o criado e o Criador.
Disco Voador
Uma crise desta envoltura, com certeza se empenhará em trazer um
outro estado de consciência, um novo tipo humano, uma palavra nova e
um SOM diferente. Creio que, deste momento em diante, a Pesquisa
pode começar, uma vez cortados os laços com a velha cultura em estado
delirante.
Salvador, 27 de julho de 1983
(Fotos de Instrumentos-esculturas de Smetak)
Fonte: Home-Page de Gilberto Gil (
www.gilbertogil.com.br
).
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ESCULTURAS SONORAS
Counterforce
Quando me propus a escrever este artigo sobre o estilo denominado
Ambient, tinha bem consciência da grande tarefa que me tinha acabado
de atribuir. O problema começa por definir o que é o Ambient, visto que
este estilo (ou sub-estilo) tem sido particularmente suscetível de grande
hifenização, como o demonstram designações como Ambient-
Dub, Ambient-Trance, Ambient-Techno, etc. "Ambient" deriva do latim
"ambo" que significa "uma combinação dos dois" (tal como em
ambidestro). Ambient é então a consolidação de muitos em um só, da
harmonização do que é diferente. Existem muitas e variadas definições,
umas um pouco mais pragmáticas, outras revestidas de um
caráter conceitual e até filosófico.
Em relação a estas últimas convém notar aquela que deriva das idéias,
conceitos e música de Erik Satie, filósofo e compositor contemporâneo.
Com "Trois Gymnopedies", três peças clássicas para piano, Satie foi o
autor do conceito "Música para mobília", cujo principal objetivo era não
ser ouvida, pelo menos de um modo ativo mas sim passivo.
"Há uma necessidade de criar música para mobília, quer dizer, musica que
seja uma parte dos ruídos circundantes e que tenha esses ruídos em
conta, tal como mascarando o tilintar de facas e garfos sem afogar o
som por completo, sem se impor. Tomaria o lugar dos estranhos silêncios
que ocasionalmente caem sobre os convidados. Poupá-los-ia as
banalidades habituais. Mais, neutralizaria os ruídos da rua que
indiscretamente se impõem num quadro."
Erik Satie
Satie elaborou esta idéia numa nota dirigida a Jean Cocteau:
"Musica para mobília para escritórios de advocacia, bancos, etc. Não
haverá cerimônia de casamento sem música para mobília..Não entrar
numa casa que não tenha música para mobília."
Erik Satie
Aliás, são conhecidos episódios de frustração de Satie aquando da
apresentação da sua música, em que insistia de uma forma veemente em
que a sua "audiência" não prestasse atenção à sua obra, mas sim que
falassem entre si ou fizessem qualquer coisa de modo a não terem
como objetivo principal ouvir a sua música. Mas não: eles ouviam-na
mesmo.
"A música... deseja fazer uma contribuição para a vida do mesmo modo
que uma conversa privada, um quadro... ou uma cadeira na qual se pode
ou não estar sentado"
Erik Satie
Então, deste ponto de vista, o Ambient estará no próprio ouvinte e na
forma como este toma contato com a música. Imaginemos que podemos
ouvir um CD ou um disco de Mozart durante um jantar apenas para criar
uma atmosfera específica. Esta audição será então passiva. Tal não seria
possível na altura de Mozart pois não existiam meios para efetuar um
registo sonoro. Seriam então necessárias condições que tornariam a
mesma audição dessa música no centro de tudo, isto é, uma audição
ativa. Esta corrente defende então o Ambient na forma como a música é
ouvida, não de acordo com determinados parâmetros musicais. Claro que
não chega ao ponto de afirmar que todo tipo de música pode ser
considerado Ambient, mas é muito generalista.
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