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a torna passível de apreensão por imaginários. Configura-se, pois, tal demonstração apenas
como uma das exemplificações possíveis para a equação que trago de minha observação
teórica dedicada à obra, aquela em que sobressai a interação dos componentes do processo de
construção narrativa “metáfora ampla = imagem → metonímia = imaginários”. Há, entretanto,
ainda outros exemplos cabíveis. Vamos a eles.
No conto “Las amigas”, sexto capítulo do romance, a ligação metáfora
ampla/metonímia é também merecedora de destaque. A história conta a difícil convivência
entre uma empregada mexicana e sua patroa estadunidense. A metáfora ampla ali tocada uma
vez mais permite que, inclusive, o conto possa ser abordado a partir de seu final. O fim desse
episódio, assim como o faz Fuentes em “La frontera de cristal” e alguns outros contos
componentes da obra, busca ser comovente, busca conquistar o leitor pelas vias do tocante
que a imagem final a encerrar o capítulo espera provocar no receptor.
É dessa maneira que, nos momentos finais de “Las amigas”, após uma extensa classe
dos mais variados insultos, provocações e humilhações sofridos, a criada mexicana Josefina
parece dar uma lição de amor em Miss Amy, sua velha, amarga e preconceituosa patroa. E é
assim que, nos diálogos que antecedem o desfecho do capítulo, Josefina faz desfilar uma série
de argumentos em que explica seu amor pelo marido preso injustamente em solo
estadunidense, apesar de todos os problemas com os quais sempre tiveram de conviver. Tudo
isso é dito a uma senhora cujo orgulho e atitude de afastar-se de todos terminaram por
impossibilitar que vivesse ao lado do grande amor de sua vida, o pai do sobrinho advogado
que a ajuda em obrigações mais burocráticas de sua vida, havendo sido por ele revelada a ela
a longa espera de seu pai por uma abertura pela qual Miss Amy demonstrasse que era com ele
que desejava casar e, não com o tio do sobrinho, o que de fato acabou por acontecer.
É então que, após as revelações que lhe assomam, uma Miss Amy mais afeita a dar e
receber carinho surpreende Josefina, quem, em sua rotina noturna na casa da patroa:
Le acomodó las almohadas y estaba a punto de retirarse y desearle buenas noches
cuando las dos manos tensas y antiguas de Miss Amelia (…) tomaron las manos
fuertes y carnosas de Josefina. Miss Amy se llevó las manos de la criada a los labios,
las besó y Josefina abrazó el cuerpo casi transparente de Miss Amy, un abrazo que
aunque nunca se repitiese, duraría una eternidad. (FUENTES, [1995] 2007, p. 176)
Tenho insistido no presente trabalho que a repetição de uma imagem é o caminho, o
artifício necessário para que essa possa tornar-se parte, possa ser absorvida, captada por um
imaginário. No trecho acima, perpassam uma vez mais os sentidos em que se baseia a
transferência semântica operada na metáfora ampla, na imagem principal do enredo. Inseridos
termo devido a sua capacidade, verificada na leitura do corpus em destaque, de amarrar-se ao texto, costurando
nele uma determinada ideia totalizadora.
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e repetidos no primeiro capítulo, retomados e logo encaminhados a seu ápice no sétimo
capítulo da obra, os sentidos envolvidos no caminho sinuoso da transferência de sentidos
operada na e pela metáfora principal do enredo se apresentam nesse sexto conto, assim como
em alguns outros, em forma de alusão, uma imagem da imagem. Dessa maneira, veem-se
repetidos a um só tempo no fragmento acima mencionado: a transparência do cristal,
representada no abraço ao corpo quase transparente de Miss Amy; e, em sentido interligado a
essa transparência corpórea, a fragilidade, no frágil das relações de alteridade levantadas,
eclodindo na representação do encontro impossível em “un abrazo que aunque nunca se
repitiese” teria que durar uma eternidade, dada a impossibilidade de que pudesse voltar a
acontecer.
Até mesmo a noção de espelhismo na metáfora do cristal para a fronteira é retomada
páginas antes do desfecho do conto, na utilização provocativa de um “ornamentado espejo de
mano que súbitamente Miss Amy volteó para dejar de reflejarse ella y obligar a Josefina a
mirarse en él” (FUENTES, [1995] 2007, p. 166). A súbita ação de Miss Amy dá início a um
interessante diálogo em que se toca na cor da pele tanto das multi-etnias que compõem o povo
mexicano quanto também das multi-etnias que conformam as gentes estadunidenses, em bela
proposta narrativa para relativizar questões que envolvem preconceitos de cor:
– ¿Te gustaría ser blanca, no es cierto? – dijo abruptamente Miss Amy.
– En México hay muchos güeritos – dijo impasible Josefina, sin bajar la
mirada.
– ¿Muchos qué?
– Gente rubia, señorita. Igual que aquí hay muchos negritos. Todos somos hijos de
Dios (…).
– ¿Sabes por qué estoy convencida de que Jesús me ama? (…).
– Porque es usted muy buena, señorita.
– No, estúpida, porque me hizo blanca, ésa es la prueba de que Dios me quiere.
– Como usted mande, señorita. (FUENTES, [1995] 2007)
É interessante notar que, mesmo na transmissão das imagens reveladas dos tropos que
utiliza, o enredo demonstra preocupação em apresentar uma coesão que amarre de modo
romanesco o imagético do narrado. Dessa forma, as noções de sentido que abraçam o frágil, o
encontro impossível, a transparência e o espelhismo terminam por se juntarem a modos outros
de metaforização da fronteira já utilizados pela própria narrativa. Isso pode ser observado,
inclusive, em mais uma passagem que traz a estratégia de uso literário do que tenho chamado
de “imagem da imagem”, uma imagem alusiva que remete a uma imagem anterior.
Esse é o caso, por exemplo, da citação que trago a seguir. Nela, ao debruçar-se sobre a
imagem em seu sentido de resultado de uma reprodução fotográfica, a narrativa se remete a
uma caracterização anterior de explícito e proposital teor imagético da fronteira como raya
fronteriza, como uma cicatriz histórica que separa e une forçosamente México e Estados
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