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tais aspectos, destaco, pela ligação que têm entre si, as noções de forma (em contraste com a
noção de fundo), literariedade, estranhamento e a de construção.
É justamente a noção de forma (aquela cujo significante é aproveitado pelos que
buscaram nominar, e (de)limitar a amplitude dos trabalhos dos formalistas) talvez a teorização
de mais difícil tangência, dada a porosidade do tema. Discutir uma suposta correlação entre
forma e fundo era ponto pacífico entre os que fizeram parte da OPOIAZ, isso porque seus
integrantes coincidiam no entendimento de que a noção de forma devia distanciar-se da
concepção desta como uma espécie de invólucro, como uma espécie de recipiente em que se
deposita o líquido (o conteúdo), um (seu) fundo.
Para os formalistas, “os fatos artísticos testemunhavam que a differentia specifica da
arte não se exprimia através dos elementos que constituem a obra, mas através da utilização
particular que se faz deles” (EIKHENBAUM, [1925] 1973, p.13). Dessa maneira, apontavam
esses estudiosos para a compreensão de que a forma não precisava ater-se a nenhuma noção
que a ‘complementasse’, não necessitando, portanto, de nenhuma correlação externa; como
conseguinte, tem-se que a noção de forma adquire então, segundo os pressupostos formalistas,
novo sentido, “não é mais um invólucro, mas uma integridade dinâmica” (EIKHENBAUM,
[1925] 1973, p.13). Tal dinamismo permitiria à forma seu próprio desenvolvimento, através
do qual se evidenciam elementos ligados não por um sinal de adição ou igualdade, mas, antes,
por um sentido, um sinal, um movimento dinâmico de correlação (não uma correlação externa
e, sim, interna) e integração.
Ainda que tais argumentos apenas iniciem uma discussão verdadeiramente profusa,
essas linhas iniciais sobre o assunto encontrarão eco na abordagem crítica do corpus que
compõem a presente pesquisa científica, principalmente no que tange ao uso particular de
“elementos outros” que não capítulos na composição, na formação de dois romances em que a
utilização do “elemento conto” não prejudica a assunção, a preservação da forma romance,
algo que, a meu ver, reitera, torna a encontrar respaldo na questão apresentada há pouco: o
dinamismo da forma.
Como coloquei no princípio desse tópico, existe muito de arenoso na questão da noção
de forma, e os formalistas não se furtaram em buscar aprofundar a dialética que iniciavam
com suas ponderações. No entanto, sua insistência em discutir a questão da forma na obra
literária era antes um intento de chamar a atenção para a estimação excessiva desta noção
usada como contrapartida, contraposição ao seu fundo, seu conteúdo. Pondo-a em discussão,
os formalistas propunham, antes de simplificar e elucidar o problema levantado, uma
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ressignificação da forma, através da qual fosse possível analisar a forma compreendida como
o seu próprio fundo/conteúdo e, não, como uma noção associada a este.
Para tanto, havia-se que passar pela sensação da forma, quer dizer, havia-se que senti-
la, experimentá-la, percebê-la enquanto arte, enquanto “palavra” artística, porquanto a
impossibilidade dessas ações sem a transformação, sem a transposição da palavra habitual,
quotidiana em forma artística. Para além de antepor interpretação mais detida, cabe o adendo
de que tal operação é passível de ser notada em ambos os romances aqui estudados, nos quais
transparece, por exemplo, ademais de procedimentos outros que importarão para a pesquisa, a
busca da representação de uma pretensa oralidade (talvez algo da palavra quotidiana de que
falavam nossos formalistas) por intermédio dos artifícios e procedimentos que permite a obra
artística, o gênero/a forma romance quando da utilização, por exemplo, do recurso da
repetição persistente de termos e expressões de suposto cunho mais popular, nas falas e em
diálogos de personagens que buscam caracterizar, mimetizar, metonimizar características,
traços das gentes mais simples captadas do real que se quer apreendido pela lente de seus
caracterizadores, em nosso caso, os escritores Carlos Fuentes e Tomás Rivera.
Para buscar deixar mais claro, procuremos pensar que, no caso mencionado, a arte é
necessária para o afastamento do comum, do cotidiano, o qual, retomado pelo viés da escrita
literária e seus atributos e artifícios próprios, passa a ser passível de percepção, nova
apreensão e, portanto, provável reinterpretação, ressignificação. Ou seja, através de
procedimentos artísticos, experimentar o que antes talvez passasse sem a devida detenção (a
detenção para a qual querem chamar a atenção os autores) aos olhos (e ouvidos).
Com o anterior exposto, sobressai, evidencia-se que o intento formalista não era a
simplificação da noção de forma, mas o afastamento do caráter abstrato que lhe era atribuído
até então, muito devido ao fato da justaposição para com a também confusa utilização do
termo fundo, ambos usados como “correlatos” quase que estanques. A procura era pela
concretização da forma, sua aproximação com o fato literário, algo a dar conta de que seus
principais esforços se direcionavam menos para a procura obsessiva de um método particular
do que para, em verdade sua real intenção, o estabelecimento da tese segundo a qual nos
estudos de literatura deve ser privilegiada a abordagem dos aspectos específicos da obra
literária (Cf. EIKHENBAUM, [1925] 1973, p.15). Com isso, podemos inferir que
intimamente ligada à noção de forma se encontra a noção de literariedade, aquela que trata do
que há de especificidade na obra literária, ou seja, o que lhe confere contornos próprios,
distintos dos de outras áreas do saber.
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