67 Guia de Economia
Comportamental e Experimental
primeira geração e, a de 1992, de segunda.
Em parte, os desenvolvimentos na Teoria dos Prospectos têm sido baseado em evidências: isto é,
conforme aumentavam as evidências experimentais, as pessoas passaram a pensar melhor sobre como
adaptar a teoria para abarcá-las. A versão original da Teoria dos Prospectos foi, em grande parte, uma
tentativa de moldar a teoria para incluir as evidências. A segunda geração da Teoria dos Prospectos
parece ter tido uma motivação mais pragmática. A teoria original era, sob certos aspectos, diferente
de uma teoria econômica típica e mais próxima do tipo de teoria proposta pelos psicólogos. Era bem
complexa, com várias dimensões, por exemplo, diferentes “etapas” do processo decisório. Portanto,
embora obviamente tenha obtido bastante sucesso em capturar a imaginação dos economistas, não
parecia exatamente o tipo de teoria que eles utilizariam cotidianamente, cedendo lugar para outros
modelos, tais como seu modelo padrão de incerteza. A segunda geração da Teoria dos Prospectos se
voltou na direção de um modelo econômico mais tradicional. Penso que, por conta disso, a teoria se
tornou ainda mais amplamente utilizada pelos economistas. O argumento que defendo aqui é que há
mais de uma força impulsionando o desenvolvimento da teoria nesse campo. Uma parte é movida pelo
desejo de incluir as evidências, e outras considerações mais pragmáticas têm a ver com o desenvolvi-
mento dos tipos de teorias que os economistas sentem que podem utilizar em suas aplicações.
Mas, em todas essas diferentes versões da Teoria dos Prospectos, existem alguns elementos em
comum e dois elementos-chave. O primeiro é que todas as versões apresentam pesos decisórios não
lineares, e direi o eles que representam mais adiante. O segundo elemento-chave, comum a diferen-
tes variantes, é um tipo particular de função de utilidade que possui incorporadas as propriedades
de reference dependence (dependência de referência) e aversão à perda.
Eis mais ou menos o que quero dizer quando me refiro a pesos decisórios. Na TUE, utilidades
subjetivas atreladas a resultados são ponderadas por probabilidades puras. Em contrapartida, em
todas as versões da Teoria dos Prospectos, as probabilidades brutas são substituídas por certo peso
decisório que, de certa forma, depende das probabilidades brutas. O peso decisório pode ser uma
simples transformação das probabilidades. Segue-se um exemplo disso, em que a probabilidade bru-
ta está representada no eixo horizontal, e as medidas do peso decisório (w
i
), no eixo vertical.
V(q) = Σ
i
w
i
.u(x
i
)
w
i
são “pesos decisórios”
que dependem de pi
(Caso especial da UE: w
i
= p
i
)
Ponderação
“S” invertido
Enquadra-se nas anomalias
de
Allais e em outros dados
experimentais ou de campo.
pesp
probabilidade
O paradoxo de
Allais
Pesos decisórios na
Teoria da Prospectos
0
0
£2500
D
0
£2400
£2400
C
£2400
0
2500
B
£2400
£2400
£2400
A
0.66
0.01
0.33
A TUE implica: ou(A,C) ou(B,D)
Wi
p
Adaptado do original*
Adaptado do original*
(Teoria da Perspectiva)
Figura 2
p
eso
68 Guia de Economia Comportamental e Experimental
Podemos pensar a TUE como o caso especial do modelo de decisão ponderada em que os pesos coinci-
dem com a linha de 45 graus. Mas, com base em estudos empíricos que ajustam os modelos da Teoria dos
Prospectos a dados relativos a escolhas, parece que, em geral, o melhor modelo de adequação é aquele
que – em relação à TUE – confere maior peso às probabilidades baixas e menor às probabilidades altas. É
o caso descrito na Figura 2, em que a função de ponderação tem o formato de “S” invertido. Embora al-
guns estudos recentes tenham questionado ser esse um padrão geral, há muitos dados que o confirmam.
É fácil observar como uma Teoria dos Prospectos com esse formato em relação à propriedade de
ponderação poderia fornecer uma dimensão do típico padrão de violação da TUE no exemplo do pa-
radoxo de Allais. Lembremos que isso ocorre quando uma pessoa escolhe a opção A (primeira escolha
A em oposição a B) e D (segunda escolha C em oposição a D) entre as opções apresentadas na figura 1.
Imagine um maximizador da utilidade esperada que se mostra indiferente entre A e B. Agora
ajuste a função de ponderação da probabilidade de forma a se distanciar da linearidade e confira
um peso maior às probabilidades baixas e, menor, às probabilidades altas. Nesse contexto, isso
dará um determinado peso à pequena chance de perder caso se escolhesse B. Portanto, relativa-
mente ao maximizador indiferente da utilidade esperada, o resultado seria uma tendência a A na
primeira escolha. Mas, observe, essa é a única probabilidade realmente pequena no conjunto de
quatro opções apresentadas na figura 1. A opção A é uma certeza, ao passo que as opções C e D
são apostas muito similares sem nenhum extremo (probabilidades muito grandes ou muito peque-
nas). Assim, essa história de “S” invertido oferece uma possível explicação de por quê vemos esse
comportamento de tipo Allais nessa espécie de problema decisório.
Fãs da ponderação decisória – de certa forma me considero um – apontariam para uma gama
de evidências, incluindo dados de laboratório e de campo como suporte para ponderações de-
cisórias não lineares. Eis um exemplo relacionado à percepção de risco que acredito ser muito
conhecido. Imagine que você peça para pessoas darem uma estimativa subjetiva da chance de
morrerem de doenças variadas, de distúrbios comuns a moléstias improváveis. Você descobrirá
que, em média, há uma tendência de as pessoas superestimarem as chances de morrerem de
algo relativamente raro e subestimarem as chances de morrerem de algo comum, como câncer
ou doenças cardíacas. Isso estaria em consonância com a ponderação em forma de “S” invertido,
refletindo um viés na percepção de risco.
Também é possível encontrar constatações similares em aspectos do comportamento de mer-
cado. Então, por exemplo, evidências mostram que, nas apostas do tipo parimutuel em corridas de
cavalo nos EUA, havia uma tendência de o mercado se comportar de forma a sobre-apostar nos
azarões e sub-apostar nos favoritos. Há várias outras evidências que estariam, de forma similar, em
consonância com essa ideia de ponderação com formato de “S” invertido. Sendo assim, eu poderia
considerar esse um exemplo de algo útil e de amplo alcance que aprendemos, primeiro, descobrindo
as anomalias, depois produzindo novas teorias para tentar explicá-las e, então, peneirando essas
teorias e indo para fora do laboratório para tentar aplicar essas observações no mundo.
Acho que você poderia contar uma história parecida sobre a função da utilidade a partir da
Teoria dos Prospectos. Eis um diagrama, creio, copiado do artigo de 1979 da Teoria dos Prospec-
tos, em que foi proposta uma função de utilidade que tem – em relação a como os economistas
normalmente consideravam isso antes – algumas características distintivas (também era possível
encontrar tais ideias na literatura anterior, mas penso que Kahneman e Tversky cristalizaram o con-
junto de ideias nesse artigo).