Neblina Sobre Mannheim Bernhard Schlink e Walter Popp



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Em casa de Aristóteles, de Schwarz, de Mendeleiev e de Kekulé



Com a minha identificação especial, foi-me fácil encontrar dentro do recinto da fábrica um lugar para estacionar o meu Kadett. Um jovem segurança conduziu-me ao

seu chefe.

O Danckelmann tinha escrito na testa que, se já sofria por não ser um polícia a sério, sofria muito mais por não ser um verdadeiro funcionário da polícia secreta.

Passa-se o mesmo com todos os seguranças das empresas. Antes de eu ter podido fazer-lhe as minhas perguntas, já ele me tinha contado que só saíra da tropa porque

esta era demasiado tíbia.

- O seu relatório impressionou-me muito - disse eu. - Sugere problemas com comunistas e com ecologistas?

- Só com dificuldade se consegue compreender essas pessoas. Mas quem sabe somar um mais um, sabe de que lado é que o vento sopra. Tenho de lhe confessar que não

consigo perceber bem por que razão recorreram a uma pessoa de fora. Poderíamos ter resolvido tudo isto internamente.

O seu assistente entrou na sala. O Thomas, foi assim que mo apresentaram, tinha um ar competente, inteligente e eficiente.

Compreendi a razão pela qual o Danckelmann conseguia afirmar-se como chefe do Serviço de Segurança da fábrica.

- Tem mais alguma coisa a acrescentar ao relatório, Thomas?

- O senhor deve saber que não iremos simplesmente passar-lhe o testemunho. Ninguém está mais habilitado do que nós para encontrar o autor do crime.

- E como pensam fazê-lo?

- Senhor Selb, não penso dizer-lho.

- Mas deve e tem de o fazer. Não me obrigue a invocar os pormenores da minha tarefa e dos meus plenos poderes.

Temos de ser muito formais com este tipo de pessoas. O Thomas teria mantido a sua obstinação. Mas o Danckelmann interrompeu:

- Tem a sua razão, Heinz. O Firner telefonou-me hoje de manhã cedo e obrigou-nos a um trabalho de colaboração sem reservas.

O Thomas controlou-se.

- Pensámos em colocar um engodo e em construir uma armadilha com a ajuda do Centro de Informática. Comunicaremos então a todos os utilizadores do sistema a criação

de uma nova base de dados, altamente confidencial e, este é que é O ponto crucial, absolutamente segura. Esta base de dados, para registo de informações especialmente

secretas, corre vazia, na verdade não existe, porque as informações correspondentes não aparecerão. Ficaria muito surpreendido se o anúncio da segurança absoluta

não levasse o criminoso a comprovar a sua capacidade e a arranjar maneira de aceder à base de dados. Logo que isto seja tentado, o computador central registará as

características do utilizador, e, com isto, o caso deverá ficar resolvido.

Parecia simples.

- Por que razão é que só agora vão fazer isso?

- Há uma ou duas semanas atrás, toda esta coisa ainda não Interessava a ninguém. E além disso - enrugou a testa -, nós, os da Segurança da fábrica, nunca somos os

primeiros a ser informados. Sabe, ainda pensam que os seguranças são uma cambada de polícias reformados ou, pior ainda, despedidos, que estão aptos a açular o pastor

alemão contra quem tente pular a cerca da fábrica, mas que não têm mais nada na cabeça. E, no entanto, hoje em dia somos especialistas em todos os aspectos da segurança

empresarial, desde a protecção de bens à protecção de pessoas e mesmo à protecção de dados. Agora, na Escola Superior de Mannheim, vai ser criado um curso para formar

agentes de segurança licenciados. Os americanos estão, como sempre...

- A nossa frente - acrescentei eu. - Quando é que a armadilha fica pronta?

- Hoje é quinta-feira. O chefe do Centro de Informática quer preparar a coisa pessoalmente durante o fim-de-semana e, na manhã de segunda-feira, os utilizadores

deverão ser informados.

A perspectiva de poder fechar o caso já na segunda-feira era muito tentadora, mesmo não tendo sido eu a solucioná-lo. Mas, de qualquer maneira, não queria meter-me

no mundo dos agentes de segurança licenciados.

Não queria desistir de imediato, e perguntei:

- No meu dossier encontrei uma lista com cerca de cem suspeitos. O Serviço de Segurança da fábrica tem mais algumas informações, em relação a algum deles, que não

apareçam nos relatórios?

- Ainda bem que fala nisso, senhor Selb - disse o Danc-kelmann.

Levantou-se, apoiando-se pesadamente na cadeira da sua secretária e, quando se dirigiu a mim, vi que coxeava. Ele reparou no meu olhar.

- Workuta. Em 1945, com dezoito anos, fui feito prisioneiro pelos russos, e em 1953 voltei. Se não fosse O Velho de Rhóndorf, ainda hoje lá estaria. Mas voltando

à sua pergunta. Na verdade, temos algumas informações sobre alguns suspeitos que não quisemos que constassem do relatório. Há uns poucos de activistas, sobre os

quais somos mantidos informados pela polícia. E uns tantos têm problemas na sua vida privada: mulheres, dívidas, etc.

Nomeou-me onze. Quando falámos sobre cada um deles, depressa me apercebi de que aos chamados activistas só se aplicavam as habituais insignificâncias: os que na

universidade haviam assinado o panfleto errado, que se haviam candidatado pela lista errada, que haviam marchado na manifestação errada.. O que me interessou foi

que a senhora Buchendorff também fazia parte desse grupo. Juntamente com outras mulheres, algemara-se ao gradeamento diante da casa do Ministro da Família.

- Do que é que, então, se tratava? - perguntei ao Danc-kelmann.

- Isso não nos foi comunicado pela polícia. Depois de se ter divorciado do marido, que certamente a arrastava para esse tipo de coisas, nunca mais deu nas vistas.

Mas eu digo sempre que quem uma vez foi activista, poderá de um momento para o outro voltar a sê-lo.

O mais interessante encontrei eu na lista dos "falhados da Vida", como lhes chamava o Danckelmann. Um químico, Franz Schneider, quarentão, várias vezes divorciado

e com o vício do jogo, chamara a atenção porque pedira demasiadas vezes adiantamentos de salário.

- Como é que ele vos saltou à vista? - Perguntei.

- É um procedimento normal. Sempre que alguém pede pela terceira vez um adiantamento de salário, nós investigamo-lo.

- E o que quer isso dizer, exactamente?

- Isso pode ir até segui-lo, como aconteceu neste caso. Se quiser, pode falar com o Schmalz, que na altura foi encarregado disso.

Pedi para comunicarem ao Schmalz que o esperava para o almoço, ao meio-dia, no Casino. Ainda disse que o esperaria à entrada, perto do ácer, mas o Danckelmann, com

um gesto, deu a entender que não.

- Não se preocupe, o Schmalz é um dos nossos melhores homens. Ele encontra-o facilmente.

- A boa colaboração - disse o Thomas. - Não me leva a mal que eu seja um pouco sensível quando nos retiram as competências da segurança, pois não? E o senhor vem

de fora. Mas gostei muito de conversar consigo e - fez um sorriso desar-mante - as informações que temos de si são excelentes.

Quando saí do edifício de tijolo, onde estava sediado o Serviço de Segurança da fábrica, fiquei desorientado. Talvez tivesse saído pelas escadas erradas. Estava

num pátio em que ao longo do lado mais comprido estavam estacionados os carros do Serviço de Segurança, pintados de azul, com o logótipo da firma nas portas, o anel

prateado de benzol e, no meio, as letras IQR. Na fachada, a entrada fora construída como uma portada, com duas colunas e quatro medalhões de arenito, dos quais me

olhavam, enegrecidos e tristes, Aristóteles, Schwarz, Mendeleiev e Kekulé. Aparentemente, estava diante do antigo edifício da Administração. Saí do pátio e entrei

noutro, cujas fachadas se encontravam totalmente cobertas de vinha-virgem. Estava tudo estranhamente quieto, os meus passos na calçada ressoavam demasiado alto.

As casas pareciam abandonadas. Quando fui atingido nas costas por qualquer coisa, virei-me, assustado. A minha frente, saltitava uma bola de cor berrante, e um miúdo

veio a correr para mim. Apanhei a bola e dirigi-me a ele. Agora via no canto do pátio, atrás de uma roseira, a janela com cortinas e a bicicleta ao lado da porta

aberta. O rapaz tirou-me a bola da mão, disse "Obrigado" e correu para dentro de casa. Reconheci o nome "Schmalz" num letreiro na porta. Uma velha olhou-me desconfiada

e fechou-a. Ficou tudo muito quieto, de novo.

6

Ragoút fin guarnecido com salada



Quando entrei no Casino, dirigiu-se a mim um homem pequeno, magro, pálido, de cabelos negros.

- Senhor Selb? - Ceceou ele. - Sou o Schmalz.

Declinou o meu convite para beber um aperitivo.

- Obrigado, não bebo álcool.

- E que tal um sumo de frutas? - eu não queria prescindir do meu Aviateur.

- Retorno ao trabalho à uma hora... queria pedir-lhe, para já... não tenho muito para lhe contar.

A resposta era elíptica, mas sem receios. Teria ele aprendido a evitar as palavras com "s" forte e "c" dental no seu vocabulário falado?

A senhora da recepção tocou a campainha para chamar um empregado, e a rapariga que no outro dia estivera a servir no bar dos directores conduziu-nos à grande sala

no primeiro andar, até a uma mesa perto da janela.

- Já sabe como prefiro começar uma refeição?

- VÒU já tratar disso - sorriu ela.

O Schmalz pediu ao chefe de mesa um "Ragoút fin guarnecido com salada, por favor". A mim apetecia-me carne de porco agridoce à maneira de Sichuan. O Schmalz olhou-me

com inveja. Ambos prescindimos da sopa por razões diferentes.

Ao beber o Aviateur, pedi-lhe que me falasse do resultado das investigações acerca do Schneider. O Schmalz fez-me o relato de uma maneira extremamente precisa e

evitando qualquer caceio. Um homem malfadado, aquele Schneider. O Schmalz seguira-o durante uns dias, depois do grande espalhafato por causa de um pedido de adiantamento.

O Schneider não jogava apenas em Dúrkheim, mas também em salas clandestinas, e por isso estava enredado naquele ambiente. Quando estavam a dar-lhe uma surra, por

iniciativa dos seus fervorosos companheiros de jogo, o Schmalz interpôs-se e levou de volta a casa um Schneider não muito ferido, mas completamente transtornado.

Era o momento ideal para uma conversa entre o Schneider e os seus superiores. Chegaram a um acordo: o Schneider, imprescindível para a investigação farmacêutica,

seria tirado de circulação durante três meses e enviado para um tratamento, e os círculos respectivos foram obrigados a não lhe proporcionarem mais nenhuma oportunidade

de jogo. O Serviço de Segurança das IQR fez valer o braço forte que possui em Man-nheim e em Ludwigshafen.

- Foi há quatro anos e, até hoje, o homem não tornou a chamar a atenção. Porém, em minha opinião, ainda é uma bomba-relógio a fazer tiquetaque.

A refeição estava excelente. O Schmalz comeu muito depressa. Não deixou ficar um único grão de arroz no prato - pedantice de um neurótico do estômago. Perguntei-lhe

o que é que ele achava que iriam fazer ao responsável pela baralhada nos computadores.

- Interrogá-lo fortemente. E vergá-lo verdadeiramente. Nunca deve tornar a poder ameaçar a fábrica. Aparentemente, o homem é um talento. Talvez, para a gente, ainda

tenha algum...

Procurou um sinónimo sem "s" para "préstimo".

Ofereci-lhe um Sweet Afton.

- Não, obrigado - disse, e tirou do bolso uma caixa de plástico com cigarros enrolados com filtro, - É a minha mulher que mos enrola. Oito por dia, no máximo.

Se há algo que odeio são cigarros de tabaco de enrolar. Estão ao mesmo nível que os armários encastrados, as roulottes e os sacos de croché para o rolo de papel

higiénico sobre a lampa do porta-bagagens do carro-que-só-sai-aos-domingos. Ao falar da mulher fez-me vir à memória a casa do porteiro com o letreiro "Schmalz".

- Tem um filho?

Ele olhou-me com desconfiança e devolveu-me a pergunta, com "O que quer dizer...?". Contei-lhe da minha caminhada, perdido entre os edifícios antigos da fábrica,

da atmosfera estranha num pátio cercado de vinha-virgem e do encontro com o miúdo da bola colorida. o Schmalz descontraiu-se e confirmou que o pai vivia na casa

do porteiro.

- Também andou na tropa, tem amizade com o director desde aí. Agora zela para que tudo esteja em ordem na parte Velha da fábrica. De manhã, a gente leva-lhe o miúdo,

a minha mulher também trabalha aqui na fábrica.

Fiquei a saber que antigamente muitas pessoas da segurança da fábrica tinham vivido ali, no recinto industrial, e que o schmalz praticamente fora ali criado. Assistira

à reconstrução da Fábrica e conhecia-lhe todos os recantos. Imaginei como seria opressiva uma vida passada no âmago do romantismo Industrial, no meio de refinarias,

reactores, destiladores, turbinas, silos e carruagens-cistema.

- Nunca quis procurar um trabalho fora das IQR?

- Não podia fazer isso ao meu pai. Ele diz sempre: "Pertencemos aqui; o director também não abandona o barco".

Olhou para o relógio e deu um salto.

- Infelizmente, tenho de ir. À uma hora tenho que fazer de guarda-costas - uma palavra que ele pronunciou quase impecavelmente. - Agradeço-lhe o convite.

A minha tarde na Secção de Pessoal não foi proveitosa. Às quatro horas confessei a mim mesmo que poderia finalmente deixar o estudo dos processos individuais. Passei

pela senhora Buchendorff, de quem entretanto ficara a saber que se chamava Judith, que tinha trinta e três anos, que terminara o curso superior de Germânicas e que

não encontrara colocação como professora. Estava há quatro anos nas IQR, primeiro no arquivo, depois na Secção de Relações Públicas, onde chamara a atenção do Firner.

Vivia na Rua Rathenau.

- Por favor, deixe-se estar - disse-lhe eu.

Ela parou de procurar com os pés os sapatos debaixo da secretária, e perguntou-me se queria café.

- Sim, para podermos beber à boa vizinhança. Li o seu processo individual e agora sei tudo sobre si, com excepção de quantas blusas de seda possui.

Desta vez tinha outra vestida, agora abotoada até ao pescoço.

- Se for no sábado à recepção, verá a terceira. Já tem o seu convite?

Empurrou uma chávena na minha direcção e acendeu um cigarro.

- Que recepção é essa? - Olhei de soslaio para as suas pernas.

- Desde segunda-feira que temos aqui uma delegação da China, e para terminar queremos mostrar-lhe que não apenas as nossas instalações são melhores do que as dos

franceses, mas também os nossos buffets. O Firner pensou que, nessa ocasião, o senhor poderia conhecer de um modo natural algumas pessoas que lhe interessassem para

a investigação.

- Poderei também conhecê-la a si de um modo natural?

Ela riu-se.

- Eu estarei lá por causa dos chineses. Mas estará lá uma chinesa que eu ainda não percebi do que é responsável. Talvez seja a perita em segurança, uma vez que nunca

é apresentada; uma colega sua, portanto. Uma mulher bonita.

- A senhora quer livrar-se de mim, senhora Buchendorff! Vou queixar-me ao Firner.

Mal me tinham saído as palavras da boca, já me arrependia do que dissera. Charme antiquado, de mau gosto.

7

Uma pequena avaria



No dia seguinte, o ar parara por cima de Mannheim e de Ludwigshafen. Havia tanta humidade que, mesmo sem me mover, as roupas se me colavam ao corpo. O percurso de

carro foi feito sempre em pára-arranca, e eu teria gostado de ter três pés para embraiar, travar e acelerar. Na ponte Konrad Adenauer estava tudo parado. Houvera

um acidente, uma batida por trás e logo a seguir uma outra. Fiquei vinte minutos parado na fila, olhando o trânsito em sentido " contrário e os comboios, e fumando

para não sufocar.

O encontro com o Schneider era às nove e meia. No portão número 1, o porteiro explicou-me o caminho.

- Fica a menos de cinco minutos daqui. Vá sempre em frente, e quando chegar ao Reno vire à esquerda e siga cerca de cem metros. Os laboratórios são no edifício claro

com janelas grandes.

Pus-me a caminho. Lá em baixo, no Reno, vi o miúdo que encontrara no dia anterior. Tinha preso um cordel a um pequeno balde de praia e tirava água do rio com ele.

Despejava a água na sarjeta.

- Estou a esvaziar o Reno! - gritou quando me viu e me reconheceu.

- Espero que o consigas.

- O que é que tu fazes aqui?

- Tenho de ir ali adiante, ao laboratório.

- Posso ir contigo?

Despejou o pequeno balde e veio ter comigo. As crianças simpatizam muitas vezes comigo, não sei porquê. Não tenho filhos, e a maioria das crianças enerva-me.

- Vem, então - disse eu, e aproximámo-nos do edifício com janelas grandes.

Estávamos a cerca de cinquenta metros quando umas pessoas vestidas de branco saíram apressadamente pela entrada. Desceram a correr para a margem do Reno. Depois

apareceram mais, não apenas de bata branca, mas também com fatos de trabalho azuis, e as secretárias com blusa e saia. Era pitoresco de ver, e eu não compreendia

como conseguiam correr naquele calor húmido e sufocante.

- Olha, aquele ali está a dizer-nos adeus! - disse o garoto, e, na verdade, um dos de bata branca esbracejava e gritou-nos qualquer coisa que eu não entendi. Mas

também já não era preciso perceber; pelos vistos, tratava-se de fugir dali tão depressa quanto possível.

A primeira explosão despejou na rua uma cascata de cacos de vidro. Agarrei na mão do miúdo, mas este soltou-se com um puxão. Por um instante, fiquei paralisado:

não senti nenhum ferimento, ouvi, apesar dos vidros que continuavam a partir-se, um grande silêncio, vi o rapaz correr, escorregar nos cacos de vidro, equilibrar-se

de novo, finalmente cair depois de duas passadas a derrapar e, levado por diante pelo balanço, dar voltas sobre si mesmo.

Depois aconteceu a segunda explosão, o grito do garoto, a dor no meu braço direito. A seguir ao estrondo, ouvi um assobio violento, perigoso, diabólico. Um barulho

que me fez entrar em pânico.

Agradeço às sirenes que começaram a soar ao longe o ter conseguido agir. Elas acordaram-me os reflexos, muito treinados durante a guerra, os reflexos de fuga, de

auxílio, de procura e de oferta de protecção. Corri para o rapaz, pu-lo de pé, arrastei-o na direcção da qual tínhamos vindo. Os seus pequenos pés não conseguiam

acompanhar os meus passos, mas ele deu <) seu melhor e não me largou a mão.

- Embora, miúdo, corre! Temos de sair daqui, não te vás abaixo das canetas!

Logo que dobrámos a esquina, olhei para trás. Uma nuvem verde subia para o céu cinzento-chumbo no lugar onde havíamos estado.

Acenei sem sucesso às ambulâncias que passavam por nós a alta velocidade. No portão número 1, o porteiro mostrou interesse por nós. Conhecia o miúdo, que se mantinha

aferrado à minha mão, pálido, arranhado e assustado.

- Richard, pelo amor de Deus, o que é que te aconteceu? Vou já telefonar ao teu avô - dirigiu-se ao telefone. - E, para si, é melhor chamar os primeiros socorros.

Isso não tem lá muito bom aspecto.

Um caco de vidro rasgara-me o braço, e o sangue pintava de vermelho a manga clara do casaco. Sentia-me fraco.

- Tem aguardente?

Recordo-me mal da meia-hora seguinte. Vieram buscar o Richard. O avô, um homem grande, largo, pesado, com um cránio raspado atrás e dos lados e com um farfalhudo

bigode branco, pegou sem dificuldade no neto ao colo. A polícia tentou entrar no recinto da fábrica e investigar o acidente, mas foi mandada embora. O porteiro ainda

me deu uma segunda e uma terceira aguardentes. Quando os primeiros socorros chegaram, levaram-me ao médico da fábrica, que me coseu o braço e mo pôs ao peito.

- É melhor ficar ainda algum tempo deitado no quarto aqui ao lado - disse o médico. - De qualquer maneira, agora não pode sair.

- Como assim, não posso sair?

Temos alarme de smog, e todo o trânsito está interrompido

- Como é que posso entender isso? Há alarme de snog e não me é permitido abandonar o centro do smog?

- Não está a compreender. O smog é um fenómeno meteorológico geral e não conhece centro nem periferia.

Achei tudo aquilo uma parvoíce pegada. E que tipo de smog é que existiria? Tinha visto uma nuvem verde que crescia, e crescia aqui, dentro do perímetro da fábrica.

E eu deveria ficar ali? Queria falar com o Firner.

No escritório dele tinha sido instalado um Gabinete de Crise. Pela porta, vi polícias vestidos de verde, bombeiros de azul, químicos de branco e alguns senhores

grisalhos, da gerência.

- O que é que aconteceu, realmente? - perguntei à senhora Buchendorff.

- Tivemos uma pequena avaria, nada de grave. Só que as autoridades fizeram, infelizmente, soar o alarme de smog, e isso provocou uma grande confusão. Mas o que é

que lhe aconteceu?

- A sua pequena avaria provocou-me uns pequenos arranhões.

- O que é que o senhor foi ali... Ah, pois, ia a caminho para falar com o Schneider. A propósito, ele hoje nem sequer cá está.

- Sou o único ferido? Houve mortos?

- Mas o que é que está a pensar, senhor Selb? Só uns casos de primeiros socorros, e foi tudo. Podemos fazer mais alguma coisa por si?

- Pode fazer-me sair daqui.

Não tinha vontade nenhuma de abrir caminho até ao Firner e ouvi-lo cumprimentar-me: "Saúdo-o, senhor Selb!". Do gabinete saiu um polícia com diversos distintivos.

- O senhor vai para Mannheim, não é verdade, senhor Herzog? Talvez pudesse dar boleia ao senhor Selb? Ele tem uns pequenos arranhões e não queremos obrigá-lo a ficar

aqui à espera mais tempo.

O Herzog, um tipo vigoroso, deu-me boleia. À frente do portão estavam alguns carros militares e repórteres.

- Evite, por favor, deixar-se fotografar com a ligadura.

Eu não tinha vontade nenhuma de me deixar fotografar, e quando passámos de carro pelos jornalistas, inclinei-me para baixo, para o isqueiro do tablier.

- O que é que se passou para que o alarme de smog tivesse sido accionado tão rapidamente? - perguntei eu na viagem por Ludwigshafen, que parecia uma cidade-fantasma.

O Herzog mostrou-se bem informado.

- Depois dos muitos alarmes de smog no Outono de 1984, iniciámos um modelo experimental em Baden-Wúrtenberg e na Renânia-Palatinado, com novas tecnologias e novas

bases legais, extensíveis em termos de competências e de estados Federais. A ideia é recolher as emissões directamente, correlacioná-las com o gráfico meteorológico,

e não accionar apenas o alarme de smog quando já for demasiado tarde. Hoje foi o baptismo de fogo do nosso modelo, até agora só tínhamos tido insanos.

- E que tal funciona o trabalho conjunto com a fábrica? Soube que a Polícia foi impedida de entrar.

- Esse é um aspecto delicado. A indústria química luta contra a lei em todos os aspectos. Neste momento está a correr uma queixa legislativa no Tribunal Constitucional.

Legalmente, teríamos podido entrar na fábrica, mas nesta fase não queremos abusar.

O fumo do meu cigarro incomodava o Herzog, e ele abriu a janela.

- Ora bolas - disse, e tornou imediatamente a subir o vidro -, por favor, apague o cigarro.

Um cheiro acre penetrara pela janela aberta, os meus olhos começaram a chorar, fiquei com um sabor cáustico na boca, e tivemos os dois um ataque de tosse.

- Ainda bem que lá fora os colegas têm o equipamento protector vestido.

Na saída para a subida em direcção à ponte Konrad Ade-nauer, passámos por uma rua bloqueada, e os dois polícias que mantinham o trânsito parado tinham postas máscaras

de gás. Na berma, estavam quinze ou vinte veículos parados.

O condutor do primeiro estava nesse momento a falar, gesticulando com os polícias, e, como tinha uma toalha colorida apertada contra o rosto, dava uma imagem pitoresca.


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