Neblina Sobre Mannheim Bernhard Schlink e Walter Popp



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Batia tudo certo, com excepção da psicologia. Ele não era de certeza um brincalhão, nem um jogador - poderia ser ele o chantagista? Depois de tudo o que eu havia

ocasionalmente aprendido sobre criminalidade informática, aquela pessoa teria usado o computador de maneira diferente para atingir os seus fins criminosos. Utilizaria

o sistema, mas não o ridicularizaria.

Na manhã seguinte, antes do pequeno-almoço, procurei uma loja de electrodomésticos. Experimentara novamente a minha aparelhagem e a interferência havia cessado.

Isso ainda me irritou mais. É-me muito difícil suportar que as infra-estruturas se revelem imprevisíveis. O carro pode ainda andar e a máquina de lavar roupa lavar,

mas se a mais insignificante das luzinhas não funcionar com rigor prussiano, não fico sossegado.

Fui parar às mãos de um jovem competente. Este teve compaixão da minha ignorância técnica - na sua condescendência amável, quase me chamara "avô". Claro que eu sei,

naturalmente, que as ondas de rádio não são apenas atraídas pelo rádio, mas que estão sempre presentes. O rádio meramente as torna audíveis, e o jovem explicou-me

que, tanto no receptor como no amplificador, estão presentes quase os mesmos circuitos responsáveis por isso e que, em determinadas condições atmosféricas, o amplificador

funciona como receptor. Não havia nada a fazer, apenas conformarmo-nos com isso.

Comprei o jornal no caminho da Rua Seckenheim para o meu café, nas arcadas da torre do reservatório de água. Na banca de jornais onde costumo ir, o Rhein-Neckar-Zeitung

está sempre ao lado do meu Súddeutsche Zeitung, e por alguma razão isso fez com que a abreviatura RNZ se fixasse na minha cabeça.

Sentado no Café Gmeiner, diante do meu café e enquanto esperava pelos ovos estrelados com toucinho, tive a sensação que costumo ter quando quero dizer uma coisa

a alguém mas não me lembro o quê. Teria alguma coisa a ver com o CRI? Lembrei-me de que não havia lido a entrevista do Tietzke ao Firner. Mas não era disso que eu

estava à procura. Ontem não tinha havido alguém que me falara do CRI? Não, o Oelmúller havia dito que o CRI não se tinha enganado no alarme do smog. Aparentemente,

esse era o organismo responsável pelo alarme do smog e pelo registo dos dados das emissões de poluentes. Mas ainda havia ali qualquer coisa que estava a escapar-me.

Tinha a ver com o amplificador que funcionava como receptor.

Quando os ovos com toucinho chegaram, pedi mais um café. A empregada só o trouxe quando o pedi pela terceira vez.

- Lamento muito, senhor Selb, hoje estou tão longe daqui... Ontem fiquei a tomar conta do menino da minha filha, porque os dois tinham bilhetes para um concerto

e chegaram tarde a casa. O Crepúsculo dos Deuses, de Wagner, demora tanto tempo...

Tão longe daqui... Claro, era isso, a longa ligação até ao CRI. O Herzog falara-me do modelo de registo directo dos dados das emissões de poluentes. Os mesmo dados

das emissões são também recolhidos no sistema IQR, havia dito o Oel-mulher. E o Ostenteich falara da ligação on-line das IQR ao sistema de controlo estatal. Por

isso, de alguma maneira, o centro de informática das IQR tinha de estar ligado ao CRI. Seria possível, através dessa ligação, entrar no sistema IGE a partir do CRI?

E seria de acreditar que as pessoas das IQR se tivessem simplesmente esquecido disso? Recuei no tempo e lembrei-me perfeitamente de que se havia falado dos terminais

em funcionamento e das ligações telefónicas para estes quando considerámos as possíveis portas de entrada no Sistema. Nunca se mencionara uma ligação, da maneira

como eu a estava a imaginar neste momento, entre o CRI e as IQR.

Não era nem uma ligação telefónica, nem uma ligação a um Terminal. Era diferente desta última porque através dela não se comunicava activamente. Antes pelo contrário:

havia um fluxo de dados silencioso que fluía dos odiados sensores para umas quaisquer folhas contínuas de registo. Dados que não interessavam a ninguém da fábrica

e que podiam ficar esquecidos, excepto nos casos em que havia um alarme ou um acidente. Compreendi por que razão a confusão musical na minha aparelhagem me preocupara

durante tanto tempo: a perturbação vinha do interior.

Remexi os ovos com toucinho e as muitas perguntas que me passavam pela cabeça. Precisava, sobretudo, de informações adicionais. Agora não me apetecia falar nem com

o Thomas, nem com o Ostenteich, nem com o Oelmúller. Se eles se haviam esquecido da ligação entre as IQR e o CRI, esse facto iria preocupá-los mais do que a ligação

em si. Tinha de ir até ao CRI e encontrar lá alguém que soubesse explicar-me as ligações do sistema.

Da cabina de telefone ao lado da casa de banho, telefonei ao Tietzke. O CRI é o Centro Regional de Informática, em Heidelberg.

- De certa maneira, é até supra-regional - disse o Tietzke -, porque Baden-Wúrtenberg e Renânia-Palatinado também dependem dele. O que tenciona fazer lá, senhor

Selb?


- Não consegue deixar-se disso, senhor Tietzke? - repliquei, e prometi que lhe dava os direitos das minhas memórias.

15

Bam bam, ba ba?n bam



Fui de carro até Heidelberg, Consegui encontrar um lugar para estacionar diante da Faculdade de Direito. Fui a pé o curto bocado até à Praça Ebert, antigamente chamada

Praça Wrede, e deparei com o Centro Regional de Informática no velho edifício com as duas colunas na entrada, onde outrora funcionara a sede do Deutsche Bank. No

antigo átrio dos guichés sentava-se agora o porteiro.

- Sou Selk, da editora Springer- apresentei-me. - Gostaria de falar com um dos senhores do Controlo das Emissões de Poluentes, a editora já telefonou a avisar.

Ele agarrou no telefone.

- Senhor Mischkey, está aqui um senhor da editora Springer que quer falar consigo e diz que tem uma entrevista marcada. Devo mandá-lo subir?

Eu meti-me.

- Posso falar pessoalmente com o senhor Mischkey?

E como o porteiro estava sentado a uma mesa que não tinha nenhuma protecção de vidro, e porque eu já agarrara o auscultador, o porteiro passou-mo, perplexo.

- Bom dia, senhor Mischkey, fala o Selk, da editora Springer, a do cavalinho, a técnica, o senhor conhece. Queremos incluir no nosso Informatik-spektrum uma notícia

sobre o actual modelo de registo directo de dados de emissões poluentes e, depois de ter falado com a gente da indústria, gostaria agora de saber mais sobre o outro

lado. Pode receber-me?

Ele não dispunha de muito tempo, mas mandou-me subir. A sua sala era no segundo andar, a porta estava aberta e dava-se logo com o sítio. O Mischkey estava sentado

diante do terminal, de costas para a porta, e digitava com dois dedos, concentrado e a grande velocidade. Gritou por cima do ombro:

- Entre, entre, estou quase a acabar.

Olhei em redor. A mesa e as cadeiras estavam cobertas de folhas de computador acabadas de imprimir e de revistas, desde a Computer Magazin até à edição americana

da Penthouse. Na parede estava um quadro, onde se via um "Happy Birthday, Peter" mal apagado, escrito a giz. Ao lado, um Einstein deitava-me a língua de fora; na

outra parede estavam pendurados cartazes de filmes e uma fotografia de uma cena que não consegui situar em nenhum. Aproximei-me para poder ver melhor.

- A Madonna - disse ele, sem levantar os olhos.

- A Madonna?

Nesse momento olhou para cima. Um rosto característico, ossudo, com profundas rugas na testa, um bigode fino, um queixo voluntarioso e, por sobre tudo isto, uma

trunfa revolta, basta e já grisalha. Os seus olhos brilharam de satisfação através de uns óculos de uma fealdade estudada. Estariam aqueles óculos, do tipo que os

médicos da Segurança Social usavam no início dos anos cinquenta, outra vez na moda? Vestia jeans e um pulôver azul-escuro, sem camisa.

- Quer ver a base de dados de filmes que eu fiz? - Chamou-me com um gesto de mão, digitou uns comandos e o monitor do computador encheu-se num ápice. - Sabe como

é, quando tentamos lembrar-nos de uma melodia mas não conseguimos? Um problema de todo o fã de rock e maluco por filmes? Resolvi isso com a minha base de dados.

Gostaria de ouvir a melodia do seu filme preferido?

- Barry Lyndon - disse eu, e, num abrir e fechar de olhos soou pipilante, mas reconhecível, o começo da Sarabanda de Hãndel, bam bam, ba bam bam. - Issoé fantástico

- disse eu.

- O que o traz até nós, senhor Selk? Como vê, de momento estou muito ocupado e não tenho muito tempo. Trata-se dos dados de emissão de poluentes?

- Exactamente, trata-se disso, mais precisamente de uma notícia acerca de si no nosso Informatikspektrum.

Um colega entrou na sala.

- Estás novamente a brincar com as tuas bases de dados? Se o tratamento de dados para as igrejas ficar pendurado em mim... Tenho de te dizer que acho isto completamente

indecente!

- Permite que lhe apresente o meu colega Gremlich? Ele chama-se mesmo assim, mas com "e"s. Jõrg, este é o senhor Selk, do Informatikspektrum. Quer escrever um artigo

sobre o clima empresarial no CRI. Continua, estás a ser mesmo tu.

- Ora, Peter, realmente...

Gremlich encheu as bochechas de ar. Os dois aparentavam trinta e poucos anos, mas um parecia um rapaz de vinte e cinco bem amadurecido e o outro um cinquentão mal

envelhecido. A choraminguice de Gremlich ainda era mais reforçada pelo fato tipo safari e pelo cabelo comprido e ralo. Senti-me feliz por ter o hábito de manter

o meu cabelo, que já perdeu volume, sempre curto. Uma vez mais, voltei a perguntar-me se, na minha idade, o estado do meu cabelo ainda iria modificar-se ou se a

sua queda já terminara, tal como, no caso da mulher, a possibilidade de ter filhos depois da menopausa.

- A propósito, já poderias ter acedido ao relatório a partir do teu terminal há muito tempo. Estou neste momento a fazer o tratamento da estatística do trânsito.

Tem de ficar pronta ainda hoje. Pois é, senhor Selk, e por essa razão nós os dois estamos mal. Ou convida-me para almoçar? No McDonald?

Combinámos ao meio-dia e meia.

Andei a passear pela rua principal, um testemunho impressionante da ânsia de destruição da política municipal dos anos setenta. Não chovia naquele momento. Mas o

tempo ainda não conseguira decidir o que iria oferecer-nos no fim-de-semana. Decidi que perguntaria ao Mischkey pelo gráfico meteorológico. No Centro Comercial Darmstàdter

Hof encontrei uma loja de discos. Por vezes faço uma amostragem do espírito da época e compro o disco mais representativo ou o livro mais representativo, vou ver

Rambo II ou assisto a um debate eleitoral entre o Kohl, o Rau, o Strauss e a Bangemann. Naquele momento, a Madonna estava em promoção. A rapariga da caixa olhou-me

e perguntou se queria que embrulhasse o disco para oferta.

- Não. Pareço-lhe assim tão velho?

Saí do Darmstàdter Hof, vi diante de mim a Praça Bismarck. Teria gostado de visitar o velho senhor no seu pedestal. Mas o trânsito não me deixou. Na tabacaria da

esquina comprei um maço de Sweet Aflon, e então, já eram horas.

16

Como uma corrida ao armamento



Era hora de ponta no McDonald's. O Mischkey avançava com perícia e abria-me caminho. A conselho dele, pedi, para a pouca fome, um Físhmac com maionese, um pacote

pequeno de batatas fritas com ketchup e um café.

O Mischkey, alto e magro, pediu um quarterpoiínd com queijo, um pacote grande de batatas fritas, três embalagens de ketchup, e ainda um hambúrguer pequeno "para

a pouca fome, depois" e uma apple pie, acompanhados por dois batidos e um café

Paguei cerca de 25 marcos pelo tabuleiro cheio.

- Não é caro, pois não? Por um almoço para dois. Obrigado pelo convite.

A princípio, não encontrámos dois lugares livres numa mesa. Quis puxar uma cadeira para junto de um espaço livre, mas estava aparafusada ao chão. Fiquei perplexo;

nunca fora confrontado com o crime de roubo de cadeiras de restauramte, nem como procurador do Ministério Público, nem como detective privado. Finalmente instalámo-nos

numa mesa com dois estudantes de liceu que olhavam de soslaio, com inveja, a refeição do Mischkey.

- Senhor Mischkey, depois do recenseamento populacional, a recolha directa de dados levou-nos à primeira grande controvérsia jurídica em relação à informática, que

também se tornou no primeiro caso que foi levado ao Tribunal Constitucional. O Informatik-spektrum quer que eu faça um artigo jurídico, e o jornalismo jurídico é

a minha especialidade. Mas sinto que preciso de perceber mais da parte técnica, e por isso agradecer-lhe-ia muito se pudesse prestar-me alguns esclarecimentos.

- Mm...

Ele mastigava, satisfeito, o seu quarterpound.



- Pode falar-me dos dados que recolhe e da sua relação com as firmas industriais em relação às quais fiscaliza as emissões de poluentes?

O Mischkey engoliu o que tinha na boca.

- Em relação a isso, posso dizer-lhe muita coisa, desde falar sobre a tecnologia da transmissão de bits, bytes e bauds, do hardware, do software, etc, etc, etc.

Concretamente, o que quer saber?

- Talvez eu, como jurista, não consiga colocar as perguntas com a necessária precisão. Gostaria de saber, por exemplo, como é que se acciona um alarme de smog.

O Mischkey desembrulhava nesse momento o hambúrguer "para a pouca fome", que besuntou generosamente com ket-chup.

- No fundo, isso é muito simples. Há sensores nos locais por onde saem os elementos poluentes relevantes, e esses sensores informam-nos por intermédio de ligações

fixas, vinte e quatro horas por dia, da produção desses elementos. Nós registamos os valores e, ao mesmo tempo, eles são introduzidos no nosso gráfico meteorológico.

O gráfico é o resultado dos dados que recebemos dos Serviços de Meteorologia de todo o país. Quando os valores são demasiado elevados, ou quando o estado do tempo

não permite que os produtos se dissipem, há aqui, no CRI, um toque de alarme, e a engrenagem do alarme de smog é accionada; na semana passada funcionou extraordinariamente

bem.

- Disseram-me que as fábricas recebem os mesmos valores da emissão de poluentes que os senhores. Como é que isso funciona tecnicamente? Eles também estão ligados



aos sensores, como duas lâmpadas ligadas a uma ficha dupla?

O Mischkey riu-se.

- Poder-se-ia dizer isso. Tecnicamente, é um pouco diferente. Como nas fábricas não existe apenas um, mas muitos sensores, é na própria fábrica que se concentram

as ligações. Desse local de concentração, pode chamar-lhe depósito central, os valores são-nos enviados através de uma ligação fixa e permanente. E cada fábrica

vai buscar os valores a esse depósito central, da mesma maneira que nós.

- E esse lugar é seguro? Pensando que a indústria talvez tenha interesse em falsificar os valores.

Isto despertou a atenção do Mischkey, que pousou a apple pie sem lhe dar nenhuma dentada.

- Para quem não é técnico, o senhor coloca umas perguntas muito pertinentes. Também gostaria de dizer algo a esse respeito. Mas penso que, depois desta apple pie

- olhou com ternura para o doentio pastel que espalhava um sintético odor a canela -, não devemos continuar aqui, vamos antes acabar o almoço no café da Rua Akademie.

Agarrei num cigarro e não consegui encontrar o meu isqueiro. O Mischkey, que não era fumador, também não podia ajudar-me.

Fomos para o café por dentro do Centro Comercial Horten. O Mischkey comprou a última Penthouse. Por momentos perdemo-nos de vista na confusão, mas tornámos a encontrar-nos

à saída.


No café, o Mischkey pediu uma torta de cerejas à moda da Floresta Negra, um bolo de frutas e um palmier para. acompanharem a caneca de café. Com natas. Pelos vistos,

não absorvia tudo o que comia. Os magros que conseguem atafulhar-se com tantas camadas de comida fazem-me inveja.

- Então, e que tal, agora, uma resposta pertinente à minha pertinente pergunta? - retomei o fio da conversa. - Teoricamente, existem dois flancos a descoberto. Por

um lado, pode mexer-se nos sensores, mas eles estão tão bem selados por isso não passaria despercebido. O outro ponto fraco é o depósito central e a ligação à fábrica.

Os políticos deixaram-se convencer e assumiram um compromisso que eu acho que é de muito pouca confiança. Porque, na realidade, nunca se pode excluir que a partir

dessa ligação não haja falsificação dos valores ou, pior ainda, que se manipule a própria estrutura do programa do sistema de alarme do smog. Claro que nós implementámos

várias medidas de segurança que estamos sempre a aperfeiçoar, mas o senhor pode comparar isto com uma corrida ao armamento. Cada sistema defensivo pode ser ultrapassado

por um novo sistema ofensivo e vice-versa. Uma espiral infinita, e infinitamente cara.

Eu tinha o cigarro na boca e procurava o meu isqueiro em todos os bolsos. Claro que novamente sem sucesso. Então o Mischkey tirou do bolso direito do seu fino casaco

de napa dois isqueiros não-recarregáveis, fechados num invólucro de cartão e plástico, um cor-de-rosa e outro preto. O Mischkey rasgou a embalagem.

- Pode ser o cor-de-rosa, senhor Selk? Uma atenção da casa Horten.

Piscou-me o olho, empurrou o cor-de-rosa pela mesa fora e deu-me lume com o preto.

"Antigo procurador do Ministério Público recepta isqueiros." Vi esta parangona diante dos meus olhos e brinquei um pouco com o isqueiro antes de o guardar e de lhe

agradecer.

- E em sentido inverso, como é que é? Pode entrar-se nos computadores da fábrica a partir do CRI?

- Se a ligação à fábrica conduzir ao computador e o depósito de concentração de dados não estiver isolado dele, então.. . Mas agora o senhor já consegue responder

a isso, depois de tudo o que eu lhe disse.

- Nesse caso, as duas entidades estão face a face como as duas superpotências, com armas ofensivas e defensivas.

O Mischkey deu uns pequenos puxões ao lóbulo da orelha.

- Tenha cuidado com as suas comparações, senhor Selk. Os americanos, nessa sua imagem, só poderão ser a indústria capitalista. Restar-nos-á, aos do Estado, o papel

dos russos. Como funcionário público - ergueu-se, pôs os ombros para trás e fez uma cara de quem é um digno representante do Estado -, tenho de rejeitar com toda

a acrimónia essa suposição impertinente.

Riu-se, deixou-se cair na cadeira e comeu o palmier.

- Mais uma coisa - disse ele. - Por vezes divirto-me com o pensamento de que a indústria, que conquistou esse compromisso tão pernicioso para nós, se autopuniu por

isso, de uma certa maneira, quando agora, naturalmente, um outro concorrente qualquer tem a possibilidade de manipular o sistema através da nossa rede. Não é engraçado

pensar no CRI como uma placa giratória da espionagem industrial?

Fez a garfada de bolo girar no prato. Quando parou, os dentes apontavam para mim.

Reprimi um suspiro. O divertido "jogo de faz-de-conta" do Mischkey fizera aumentar de forma explosiva o círculo dos suspeitos.

- Uma variante interessante. Senhor Mischkey, ajudou-me muito. Se me lembrar de mais alguma coisa, posso telefonar-lhe? Aqui tem o meu cartão.

Pesquei da minha carteira o cartão de visita com a minha morada e o número de telefone de casa, onde estou identificado como jornalista jree lancer, Gerhard Selk.

Fizemos juntos o caminho até à Praça Ebert.

- O que é que diz o seu gráfico meteorológico sobre o próximo fim-de-semana?

- Vai estar bom tempo, não haverá smognem sequer chuva. Parece um fim-de-semana digno de ser passado numa piscina.

Despedimo-nos.

Fui de carro pelo Rõmerkreisel até à Rua Bergheimer, para meter gasolina. Não consegui ouvir a gasolina a correr pela mangueira sem pensar nas ligações entre as

IQR e o CRI e ainda sabe-se lá quantas mais empresas. Se o meu caso fosse de espionagem industrial, pensei eu na auto-estrada, ainda faltava mais alguma coisa. Os

acontecimentos no sistema IQR de que me lembrava não se ajustavam a um caso de espionagem industrial. A não ser que... E se o espião quisesse baralhar as pistas?

Mas não teria apenas razão para isso quando temesse terem-lhe encontrado o rasto? E por que teria ele de temer isso? Talvez um dos primeiros acidentes o tivesse

exposto? Tinha de voltar a passar os olhos pelos relatórios. E tinha de telefonar ao Firner e pedir-lhe uma lista das fábricas ligadas ao sistema de alarme de smog.

Cheguei a Mannheim. Eram três horas da tarde, as persianas da Seguradora de Mannheim já estavam na posição de "fim do dia de trabalho". Apenas as janelas que tinham

durante a noite o M iluminado ainda estavam a trabalhar. M de Mis-chkey, pensei.

O homem agradava-me. Também me agradava como suspeito. Ali estava o jogador, o excêntrico e o brincalhão que eu procurava desde o começo. Possuía a imaginação necessária,

a competência necessária e estava no lugar certo. Mas isto não era mais do que um palpite. E se fosse pedir-lhe contas baseado apenas nisto, ele mandar-me-ia passear

com toda a razão. Segui-lo-ia durante o fim-de-semana. Ainda não tinha mais do que um pressentimento de que ele era a pessoa, e não via saída senão seguir-lhe o

rastro. Talvez fizesse qualquer coisa que me desse uma ideia nova. Se fosse Inverno, ter-me-ia abastecido de livros sobre criminalidade informática, na livraria,

para ler durante o fim-de-semana. Seguir alguém durante o Inverno é um trabalho frio e duro. Mas durante o Verão faz-se, e o Mischkey queria ir à piscina.

17

Tenha vergonha!



Que o Mischkey vivia actualmente em Heidelberg, no nº 9 do Burgweg, que guiava um Citroen DS cabriolei com a matrícula HD-CZ 985, que era solteiro e que não tinha

filhos, que ganhava como técnico superior de segunda classe cerca de 55 000 marcos e que contraíra no Bank fúr Gemeinwirtschaft um empréstimo pessoal no valor de

30 000 marcos que pagava regularmente, disse-mo ainda na sexta-feira o meu colega Hemmelskopf do Serviço de Informação do Crédito. No sábado, eu estava no Burgweg

às sete da manhã.

O Burgweg é um pequeno troço de estrada fechado ao trânsito e, na sua parte superior, torna-se num caminho pedonal que conduz ao castelo. Os habitantes das cerca

de cinco casas da parte inferior podem estacionar ali os seus carros e têm a chave da barreira que separa o Burgweg do Unteren Faulen Pelz. Fiquei contente por ver

o carro do Mischkey ali estacionado. Era uma beleza, verde-garrafa com cromados fascinantes e capota de cor creme. Tinha sido, então, para ali que fluíra o empréstimo

pessoal. Estacionei o meu carro na curva fechada da Rua Neue SchloB, de onde parte, para baixo para o Burgweg, uma escadaria íngreme e direita. O carro do Mischkey

tinha o focinho voltado para a subida; quando partisse, eu teria tempo suficiente para chegar ao mesmo tempo que ele ao Unteren Faulen Pelz. Pus-me de tal maneira

que conseguia ver a entrada sem ser visto da casa.

Às oito e meia abriu-se, à altura dos meus olhos, uma janela na casa que eu pensara ser a do vizinho do lado, e o Mischkey espreguiçou-se, nu, no ar já morno da

manhã. Consegui esconder-me no último momento atrás de um cilindro publicitário. Espreitei cautelosamente, ele bocejou, fez umas flexões, e não me viu.

Saiu de casa às nove horas, foi ao mercado diante da Igreja do Espírito Santo, comeu lá dois pãezinhos com salmão, bebeu um café na drogaria da Travessa Ketten,

fez olhinhos à beldade exótica atrás do balcão, telefonou, leu o Frankfurter Rundschau, jogou xadrez contra-relógio, fez mais algumas compras, foi a casa para as


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