Neblina Sobre Mannheim Bernhard Schlink e Walter Popp



Yüklə 0,65 Mb.
səhifə6/20
tarix12.03.2018
ölçüsü0,65 Mb.
#31299
1   2   3   4   5   6   7   8   9   ...   20

deixar e voltou a sair com um grande saco, e entrou no carro. Agora, ia para a piscina. Vestia um colete com a inscrição Greatful Dead, calças de ganga com rasgões,

sandálias à Jesus Cristo, e tinha umas pernas fininhas e pálidas.

O Mischkey teve de dar a volta ao carro, mas a barreira de baixo estava aberta, e por isso tive de me esforçar para conseguir colocar a tempo o Kadett atrás dele,

com um carro de permeio. Conseguia ouvir a música do seu rádio com o volume no máximo. He's a pretender, cantava a Madonna.

Ele entrou na auto-estrada para Mannheim. Passou a oitenta pelo pavilhão ADAC e pelo Tribunal Administrativo, e ao longo da parte de cima do Parque Luisen. Subitamente,

travou a fundo e virou para a esquerda. Quando o trânsito em sentido contrário também me permitiu virar, já não via o seu carro. Continuei a andar lentamente e procurei

o cabriolei verde. Na esquina da Rua Rathenau ouvi música alta, que cessou repentinamente. Continuei devagar. O Mischkey saiu do carro e entrou na casa da esquina.

Não sei o que me veio primeiro à cabeça ou o que me chamou primeiro a atenção, se o endereço ou se o carro da senhora Buchendorff que brilhava, prateado, diante

da Igreja de Cristo.

Baixei o vidro direito e inclinei-me para fora, para lançar um olhar à casa. Olhei através de um gradeamento de ferro forjado e de um jardim inglês para a varanda

no primeiro andar. A senhora Buchendorff e o Mischkey beijavam-se.

Que logo estes dois tivessem um romance! Convinha-me, e não me convinha de todo. Seguir alguém que nos conhece já é suficientemente maçador, mas se formos descobertos

podemos inventar um encontro casual e desse modo safar-nos sofrivelmente. Isso, claro, também funciona com duas pessoas, mas não neste caso. A senhora Buchendorff

apresentar-me-ia como O detective privado Selb, ou o Mischkey como o jornalista free lancer Selk? Se fossem para a piscina, eu teria de ficar lá fora.

Que pena, eu alegrara-me com isso e trouxera de propósito as minhas bermudas. Eles beijavam-se efusivamente. Haveria mais alguma coisa que não me conviesse?

Apostei que iriam os dois no carro do Mischkey. Este ja ali estava com a capota aberta. Avancei um pouco mais na Rua Rathenau e estacionei de modo a ver o portão

do jardim e o Citroen pelo meu espelho retrovisor. Meia hora depois passaram por mim de carro, e eu escondi-me atrás do Súddeutschen Zeitung. Depois segui-os pela

Rua Suezkanal, até às piscinas Stollenwõrth.

Estas situam-se na parte sul da cidade e têm duas piscinas associativas. A senhora Buchendorff e o Mischkey foram para a piscina dos Correios. Fiquei parado à entrada,

dentro do carro. Durante quanto tempo é que os apaixonados de agora ficam na piscina? No meu tempo, no Lago Múggel, podia demorar- horas - provavelmente isto não

se havia modificado de um modo drástico. Embora na Rua Rathenau já tivesse desistido da ida ao banho, a perspectiva de ficar sentado ou debru-çado três horas dentro

do carro obrigou-me a pensar numa outra solução. Será que de uma piscina podia ver-se a outra?

De qualquer maneira, valia a pena tentar.

Fui de carro até à outra piscina e meti no bolso dos calções os meus binóculos Zeiss. Herdara-os do meu pai, que era oficial de carreira, e que com eles perdera

a Primera Guerra Mundial.

Comprei um bilhete de entrada, vesti as bermudas, encolhi a barriga e saí para o sol.

Encontrei um lugar de onde podia ver a outra piscina. A relva estava pejada de famílias, grupos, pares e singles, e algumas das mamãs haviam ousado descobrir o peito.

Quando tirei os meus binóculos do bolso, fui trespassado pelos primeiros olhares repreensivos. Dirigi-os para as árvores, para umas gaivotas que pairavam, e para

um pato de plástico na água. Se me tivesse lembrado de trazer o Atlas Ornitológico, pensei, poderia tentar umas manobras para criar confiança. Pouco depois tinha

a outra piscina na mira; quanto à distância, teria podido seguir os dois muito bem com os meus binóculos. Mas não me deixaram.

- Tenha vergonha! - disse um pai de família, cuja barriga se derramava sobre os calções de banho e o peito sobre a barriga. Ele e a mulher eram a última coisa que

eu quereria espreitar, com ou sem binóculos.

- Se não parar com isso agora mesmo, seu voyeur, seu... esmigalho-lhe essa coisa.

A situação era absurda. Os homens em meu redor não sabiam para onde deviam olhar, fosse para verem tudo ou para nada verem, e é óbvio que não é demasiado antiquado

partir do princípio de que as mulheres sabiam o que eles estavam a fazer. E ali estava eu, a quem nada daquilo interessava - não que não pudesse vir a interessar-me,

mas agora não me interessava realmente nada, agora só tinha a minha missão na cabeça. E era logo de mim que suspeitavam de luxúria, que acusavam, que consideravam

culpado e que condenavam.

Só se consegue combater este tipo de pessoas com as mesmas armas.

- Tenha vergonha! - disse eu - Com essa triste figura devia vestir a parte de cima de um biquini.

E meti os binóculos no bolso. Além disso, levantei-me e era mais alto do que ele uma cabeça. Ele deu-se por satisfeito, limitando-se a uns trejeitos de desprezo.

Saltei para dentro da água e nadei até ao outro lado. Ali, não cheguei a sair para terra; a senhora Buchendorff e o Mis-chkey haviam-se deitado perto da água, em

pleno sol. o Mis-chkey estava nesse momento a abrir uma garrafa de vinho tinto. Isso dá-me pelo menos, pensei, uma hora. Nadei de volta. O meu antagonista vestira

uma camisa havaiana, resolvia palavras cruzadas com a mulher e deixou-me em paz. Fui buscar uma Bockwurst com muita mostarda e batatas fritas e li o meu Súddeutschen

Zeitung.


Uma hora mais tarde, estava novamente à espera dentro do meu carro diante da outra piscina. Mas só às seis horas da tarde é que os dois passaram pelo torniquete.

As perninhas finas de Mischkey estavam vermelhas, a senhora Buchendorff trazia o cabelo solto pelos ombros e sublinhava o bronzeado com um vestido de seda azul.

Depois foram para casa dela na Rua Rathenau. Quando voltaram a sair, ela vestia umas ousadas calças à pirata, aos quadrados, e sobre elas uma camisola de tricô e

couro preta; ele vestia um fato de linho claro. Fizeram a pé a curta distância até ao hotel Steigenberg, no Centro Augusta e, lá dentro, até ao bar. Eu vagueei pelo

átrio do hotel até os ver sair do bar para o restaurante, com os copos na mão. Então clingi-me ao bar e pedi um Aviateur. O barman fez um ar muito admirado, eu expliquei-lhe

a mistura, e ele assentiu com ar aprovador. Começámos a conversar.

- Tivemos uma sorte doida - disse ele. - Agora mesmo entrou um casal no bar e queria ir jantar ao restaurante. Nesse momento, escorregou um cartão de visita da carteira

do homem e caiu sobre o balcão, ao pé de mim. Ele escondeu-o logo, mas eu vi bem o que lá estava: Inspecteur de bonne table, e o símbolo do homem da Michelin. Era

um deles, sabe, dos que fazem o guia. Somos um bom restaurante, mas apesar disso fui logo dizer o que se passava ao maitre de service, e agora os dois vão ter um

serviço e uma refeição que nunca mais irão esquecer.

- E assim vão receber finalmente a vossa estrela ou, pelo menos, os três garfinhos cruzados e a colherzinha.

- Esperemos que sim.

Inspector de bonne table... - e diabrete também. Não acredito que existam identificações desse tipo e fiquei fascinado com a imaginação do Mischkey, mas ao mesmo

tempo não me sentia bem perante aquela pequena aldrabice. Também fiquei preocupado com o estado da gastronomia alemã. Ter-se-ia de lançar mão deste tipo de meios

para se ser bem servido?

Podia terminar o meu trabalho por hoje, consolado. Os dois iriam, depois de um último Calvados, para casa da senhora Buchendorff ou até casa do Mischkey, em Heidelberg.

Com um passeio domingueiro de manhã cedo até à Igreja de Cristo, poderia verificar rapidamente se os dois carros, nenhum carro, ou só o da senhora Buchendorff, estavam

parados na Rua Rathenau, diante da casa.

Fui para casa, alimentei o gato com comida de lata, a mim com ravioli, e fui para a cama. Li ainda um pouco do Grúnen Heinrich e desejei, antes de adormecer, estar

no lago de Zurique.

18

A insalubridade do mundo



No domingo de manhã, levei chá e biscoitos para a cama e fiquei a pensar. Tinha a certeza: ele era o meu homem. O Mischkey correspondia, em tudo, à ideia que eu

fizera do autor dos crimes: era excêntrico, jogador e brincalhão, e a tirada de intrujão arredondara convictamente a imagem do criminoso. Como trabalhador do CRI,

tinha a possibilidade de penetrar nos sistemas das empresas ligadas a ele; como namorado da senhora Buchendorff, tinha motivo para o fazer exactamente nas IQR. O

aumento de ordenado das secretárias-chefe havia sido uma amabilidade anónima para com a namorada. Em tribunal, apenas estes indícios não bastariam, se quisesse fazer

as coisas bem feitas. Não obstante, eram suficientemente convincentes para mim, justificando que deixasse de me preocupar a hipótese de ser ele o culpado, e me ocupasse

mais da maneira de provar a sua culpabilidade.

Confrontá-lo diante de testemunhas, de modo a que ele cedesse sob o peso da sua culpa - ridículo. Armar-lhe uma cilada, juntamente com o Oelmúller e o Thomas, desta

vez mais bem preparada e tendo-o a ele como alvo? Por um lado, não sabia se isso iria ter algum êxito; por outro, queria entrar sozinho no duelo com o Mischkcy,

e Com os meus próprios meios.

Não havia dúvida, este caso era daqueles que me envolviam Pessoalmente. Talvez o desafio fosse até demasiado pessoal. Sentia uma mistura pouco limpa de ambição profissional,

de respeito pelo adversário, de ciúme a germinar, da rivalidade clássica entre o caçador e a presa, de inveja da juventude do Mischkey. Bem sei que isto é a insalubridade

do mundo, a que só os santos se escapam e a que os fanáticos pensam poder escapar. Não obstante, por vezes ela incomoda-me. Porque tão poucos a confessam a si mesmos,

penso que apenas eu sofro por causa dela. Na Universidade, em Berlim, o meu professor Cari Schmitt defendera perante nós, alunos, uma teoria que diferenciava completamente

o inimigo político do inimigo pessoal, e todos ficaram convencidos e sentiram-se justificados no seu anti-semitismo. Já nesse tempo eu me preocupara em saber se

os outros não conseguiam aguentar a insalubridade dos seus sentimentos e tinham de os mascarar, ou se a minha capacidade para traçar intuitivamente uma fronteira

clara entre o que é pessoal e o que é objectivo seria um sinal de subdesenvolvimento.

Fiz mais um chá. Poderia provar a sua culpa utilizando a senhora Buchendorf? Conseguiria, através da senhora Buchendorff, levar o Mischkey a atacar novamente o sistema

das IQR, desta vez de uma maneira identificável? Ou poder-me-ia servir de Gremlich e do seu evidente desejo de lhe pregar uma partida? Não me lembrava de nada de

convincente. Teria de confiar no meu talento para a improvisação.

Podia poupar-me a continuar a segui-lo. Mas quando me dirigi ao Kleinen Rosengarten, onde por vezes vou aos domingos almoçar com amigos, não fui pelo habitual caminho

da torre do depósito de água e da Circular, mas passei pela Igreja de Cristo. O Citroen do Mischkey desaparecera e a senhora Bu-chendorff trabalhava no jardim. Mudei

para o passeio oposto, para não ter de a cumprimentar.

19

Deus seja louvado, na Terra como no Céu



Bom dia, senhora Buchendorff. Como é que foi o seu fim-de-semana? Às oito e meia da manhã ainda estava sentada à frente do jornal, tinha aberta a página do desporto

e lia as últimas notícias sobre o nosso jovem menino-prodígio do ténis, Leimener. Já tinha pronta para mim, dentro de uma capa verde de plástico, a lista das cerca

de sessenta empresas que estavam ligadas ao sistema de alarme de smog. Pedi-lhe para cancelar a minha reunião com o Oelmúller e o Thomas. Só queria voltar a ver

aqueles dois depois da resolução do caso ou, de preferência, nunca mais.

- Também está entusiasmada com o nosso menino-prodígio do ténis, senhora Buchendorff?

- O que quer dizer com "também"? Como o senhor, ou como milhões de outras alemãs?

- Eu também o acho fascinante.

- O senhor joga ténis?

- Vai rir-se, mas tenho dificuldade em encontrar adversários que não varra logo do court. Só os jogadores mais jovens conseguem vencer-me de vez em quando, apenas

porque têm uma condição física melhor. Mais nos pares, com um parceiro decente, sou quase imbatível. Também joga?

- Para ser tão fanfarra como O senhor, senhor Selb, jogo tão bem que os homens ficam complexados - levantou-se. - permita que me apresente: campeã de juniores do

Sudoeste da Alemanha, 1968.

- Uma garrafa de champanhe contra os complexos de inferioridade - propus.

- O que quer dizer com isso?

- Quero dizer que vou derrotá-la como manda a lei, mas que lhe trarei, para consolo, uma garrafa de champanhe. Contudo, como disse, de preferência em pares mistos.

Tem algum parceiro?

- Sim, tenho alguém - disse ela belicosamente. - Quando?

- Gostaria que fosse já hoje à tarde, às cinco, depois do trabalho. Assim isto não fica entre nós durante mais tempo. Mas talvez seja difícil arranjar um lugar?

- O meu amigo consegue isso facilmente. Parece que conhece alguém da reserva de lugares.

- Onde vamos jogar?

- No court das IQR. E em Oggersheim, posso indicar-lhe no mapa. Fui ao Centro de Informática e pedi ao senhor Tausend-inilch, "mas isto tem que ficar entre nós",

a impressão da situação actual da reserva de lugares nos courts de ténis.

- Ainda cá está às cinco horas da tarde? - perguntei-lhe.

Ele terminava o trabalho às quatro e meia, mas era jovem e prontificou-se a fazer uma nova impressão às cinco em ponto.

- É com prazer que vou chamar a atenção do senhor director Firner para o seu espírito de sacrifício.

Ficou radiante.

Quando me dirigia ao portão principal, encontrei o Schmalz.

- O bolo caiu-lhe bem? - quis ele saber.

Oxalá o motorista do táxi o tivesse comido.

- Transmita por favor os meus maiores agradecimentos a sua rnulher. Estava muito bom. Como está o seu Richard?

- Obrigado. Muito bem.

Pobre Richard. Nunca, aos olhos do teu pai, poderias estar muito bem.

Dentro do carro, estudei a folha impressa com a reserva dos lugares no court de ténis, embora já tivesse a certeza de não ir encontrar a reserva que procurava: a

do Mischkey ou da senhora Buchendorff. Depois fiquei simplesmente algum tempo dentro do carro, a fumar. Na verdade, nem sequer teríamos de jogar ténis, hoje à tarde;

se o Mischkey tivesse reservado um lugar para nós, às cinco horas da tarde, tê-lo-ia desmascarado. Apesar disso, fui até à Escola Herzogenried cobrar o favor que

a Babs ainda me devia, ou seja, cravá-la para o par misto. Estavam no intervalo maior, e a Babs tinha razão: em todos os cantos se namoriscava. Muitos alunos tinham

o walkman posto, estivessem sozinhos ou em grupos, jogassem ou namoriscassem. Não lhes bastava o que captavam do mundo exterior, ou ser-lhes-ia isso demasiado insuportável?

Encontrei a Babs na sala dos professores, onde discutia Bergengruen com dois estagiários.

- Sim, devíamos voltar a lê-lo no liceu - dizia um deles.

- o Grande Tirano e o Tribunal. A nossa juventude precisa da maneira como aí é desenvolvido o tema da política, para além do nosso quotidiano sufocante.

O outro apoiou-o:

- Hoje em dia há novamente tanto medo no mundo, e a mensagem de Bergengruen é: Não tenham medo!

A Babs estava um pouco perplexa.

- O Bergengruen não está já totalmente ultrapassado, para além de qualquer esperança?

- Mas, senhora directora - disseram em uníssono -, já ninguém quer saber nada sobre o Bôll e o Frisch e o Handke! De que outra maneira será possível fazer a aproximação

da juventude ao Modernismo?

- Deus seja louvado, na Terra como no Céu - interrompi eu, e puxei a Babs de lado. - Desculpa-me, por favor, mas hoje à tarde tens de jogar ténis comigo. Preciso

de ti, urgentemente.

Ela abraçou-me, controladamente, como convém numa sala de professores.

- Sim, que óptima oportunidade! Não me tinhas prometido um passeio até Dilsberg nesta Primavera? E só voltas a aparecer quando queres alguma coisa. Ainda bem que

vieste, mas estou muito zangada contigo.

Era realmente assim que parecia, ao mesmo tempo contente e amuada. A Babs era uma mulher muito viva e generosa, pequena e robusta, com movimentos desembaraçados.

Não conheço muitas mulheres de cinquenta anos que se vistam e que se comportem tão ligeiramente, sem sacrificar o charme da sua idade a uma juventude artificial.

Tinha um rosto largo, uma ruga funda na base do nariz, uma boca cheia, decidida e por vezes severa, olhos castanhos sob pálpebras carnudas, e cabelos grisalhos cortados

curtos. Vive com os seus dois filhos crescidos, a Rõschen e o Georg, que se sentem demasiado bem em casa dela para conseguirem dar o salto para a independência.

- Não me digas que te esqueceste mesmo do nosso passeio do Dia do Pai, a Edenkoben? Se é assim, então eu é que devo estar zangado contigo.

- Ui! Ui! Quando e onde tenho de jogar ténis? E posso saber porquê?

- Vou buscar-te a casa às quatro e um quarto, está bem?

- E levas-me às sete até Liedertafel: temos ensaio hoje à noite.

- Com prazer. Jogamos das cinco às seis no court de ténis das IQR, em Oggersheim, pares mistos, contra uma secretária-chefe e o namorado, que é o suspeito principal

do meu caso.

- Que excitante - disse a Babs.

Por vezes, tenho a sensação de que ela não leva a sério a minha profissão.

- Se quiseres saber mais, posso contar-te durante o caminho. E, se não, também não importa, de qualquer modo tens de parecer natural e despreocupada.

A campainha soou. Era exactamente o mesmo som que nos meus tempos de aluno. A Babs e eu saímos para o corredor, e vi os alunos fluírem em torrente para as salas

de aula. Não eram apenas outras roupas e outros cabelos, mas sobretudo outros rostos, diferentes dos de então. Pareciam-me mais atormentados, mais sabedores e descontentes

com esse saber. Os jovens tinham uma maneira provocadora, violenta e, ao mesmo tempo, insegura de se moverem. O ar vibrava com os seus gritos e o ruído que faziam.

Quase me senti ameaçado, e isso deprimia-me.

- Como é que suportas isto, Babs?

Ela não me compreendeu. Talvez por causa do barulho. Olhou-me com um ar interrogativo.

- Então, até hoje à tarde.

Dei-lhe um beijo. Uns alunos assobiaram.

Desfrutei a paz dentro do meu carro, fui até ao parque de estacionamento da Horten, comprei champanhe, meias de ténis e cem folhas de papel de máquina, para o relatório

que teria de escrever naquela noite.

20

Um lindo par



A Babs e eu chegámos pouco antes da cinco da tarde. Nenhum dos cabrioleis, nem o verde nem o prateado, lá estavam. Fiquei contente por sermos os primeiros a chegar.

Já vestira o equipamento de ténis em casa e mandei pôr o champanhe a refrescar. A Babs e eu sentámo-nos no degrau de cima da escadaria que conduzia do terraço bem

cuidado do edifício da Associação aos courts de ténis. Dali, víamos o parque de estacionamento.

- Estás nervoso? - perguntou-me ela.

Durante o caminho, ela não tinha querido saber mais nada. E agora só perguntava por simpatia.

- Sim. Talvez deva parar de trabalhar. Os casos afectam-me mais do que antigamente. Neste caso, o facto de achar simpático o principal suspeito, torna as coisas

mais difíceis. Vais já conhecê-lo. Penso que vais gostar do Mischkey.

- E da secretária-chefe?

Pressentiria ela que a senhora Buchendorff era mais do que uma figurante no caso?

- Também a acho simpática.

Não estávamos lá muito bem, ali sentados. Quem jogara dirigia-se agora para o terraço, e os jogadores seguintes saíam dos vestiários e desciam as escadas, empurrando-se.

- O teu suspeito tem um cabriolei verde?

Quando voltei a ter o campo de visão livre, vi que o Mis-chkey e a senhora Buchendorff tinham acabado de chegar. Ele saltou do carro, contornou-o a correr e abriu

a porta do lado dela com uma profunda vénia. Ela saiu do carro a rir e deu-lhe um beijo. Um lindo par, cheio de energia, feliz.

A senhora Buchendorff viu-nos quando chegaram ao começo das escadas. Acenou com a mão direita e deu com a esquerda um safanão ao Peter, para lhe chamar a atenção.

Este também levantou o braço para nos saudar. Nesse momento reconheceu-me, o seu movimento ficou parado no ar e o seu rosto inteiriçado. Durante um momento, o mundo

parou de girar, as bolas de ténis ficaram suspensas no ar, e tudo ficou muito silencioso.

Depois, o filme começou de novo a rodar, e os dois chegaram perto de nós; cumprimentámo-nos, e ouvi a senhora Buchendorff dizer:

- O meu namorado, o Peter Mischkey, e este é o senhor Selb, de quem já te falei.

Pronunciei as necessárias fórmulas de apresentação.

O Mischkey cumprimentou-me como se nos víssemos pela primeira vez. Fazia o seu papel serena e talentosamente, com os gestos apropriados e os sorrisos certos. Mas

era o papel errado, e eu quase tinha pena que ele jogasse com aquela temeridade. Em vez disso, teria preferido que ele tivesse dito, como teria sido apropriado:

"Senhor Selb? Senhor Selk? Um homem com muitos rostos?".

Dirigimo-nos ao homem que distribuía os lugares. O court número oito estava reservado em nome de Buchendorff; o homem mandou-nos para lá, com poucas palavras e mal-humorado,

envolvido numa discussão com um casal mais velho que continuava a insistir ter reservado um lugar.

- Faça o favor de ver, os courts estão todos ocupados e o seu nome não consta da lista.

Ele fez rodar o terminal de maneira a que o casal pudesse ver o que estava no monitor.

- Não admito que façam isto comigo - disse o homem.

- Eu fiz a reserva de um court há mais de uma semana.

A mulher já desistira.

- Ora, deixa lá, Kurt. Talvez te tenhas enganado, como é hábito.

O Mischkey e eu trocámos um breve olhar. Ele fez uma expressão desinteressada, mas os seus olhos diziam-me que ele sabia que tinha sido desmascarado.

A partida a que nos entregámos foi um dos jogos que nunca esquecerei. Foi como se o Mischkey e eu quiséssemos recuperar o que antes faltara em combate franco. Joguei

acima das minhas forças, mas a Babs e eu perdemos como manda a lei.

A senhora Buchendorff estava feliz.

- Tenho um prémio de consolação para si, senhor Selb. Que tal uma garrafa de champanhe no terraço?

Ela fora a única que saboreara o jogo despreocupadamente, e não dissimulou a sua admiração pelo parceiro e pelos adversários.

- Não te reconheci, Peter. Estás em óptima forma hoje, não é verdade?

O Mischkey tentou parecer alegre. Tanto ele como eu não falámos muito enquanto bebíamos o champanhe. As duas mulheres encarregaram-se da conversa. A Babs disse:

- Na verdade, isto não era bem um par. Se eu não fosse assim tão velha, teria esperança de que os dois homens tivessem jogado por mim. Mas assim, foi a senhora a

cortejada, senhora Buchendorff.

E depois as duas mulheres falaram de idades e de juventude, de homens e de amantes, e sempre que a senhora Buchendorff fazia um comentário frívolo, dava logo um

beijo ao Mischkey, que continuava calado.

No vestiário, fiquei sozinho com o Mischkey.


Yüklə 0,65 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   2   3   4   5   6   7   8   9   ...   20




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©genderi.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

    Ana səhifə