Neblina Sobre Mannheim Bernhard Schlink e Walter Popp



Yüklə 0,65 Mb.
səhifə9/20
tarix12.03.2018
ölçüsü0,65 Mb.
#31299
1   ...   5   6   7   8   9   10   11   12   ...   20

o nome, a morada e o número de telefone. Uma delas vinha de São Francisco.

Não constava do dossier a informação de que ele tivesse feito alguma coisa com os contactos. O dossier não continha nenhuma observação do Mischkey, nenhuma pista

explicando por que tinha ele reunido aqueles documentos e o que tencionava fazer com eles. Encontrei o artigo do número comemorativo fotocopiado pela senhora Buchendorff,

e ainda um pequeno folheto de um grupo de base químico, "100 anos de IQR- 100 anos bastam", com artigos sobre acidentes de trabalho, repressões de greves, lucros

de guerra, interdependências do Capital e da Política, trabalhos forçados, perseguição dos sindicatos e financiamentos de partidos políticos. Até havia um artigo

sobre as IQR e as Igrejas com a fotografia de Múller, o Bispo do Reich, diante de um grande balão de Erlenmeyer. Lembrei-me de que conhecera, durante o meu tempo

de estudante em Berlim, uma rapariga de apelido Erlenmeyer. Era muito rica, e o Korten pensava que ela era descendente da família do pai do referido balão. Eu acreditara

nele, era impossível não reparar na semelhança. O que seria feito do bispo Múller?

Os artigos de jornal do dossier iam até 1947. Eram todos sobre as IQR, de resto pareciam ter sido juntos ao acaso. As fotografias, por vezes mal se vendo nas cópias,

mostravam o Korten, primeiro como simples director, depois como director-geral; mostravam os seus antecessores, o director-geral Weismúller, que se reformara pouco

tempo depois de 1945, e o director-geral Tyberg, que o Korten substituíra em 1967. Do aniversário dos cem anos, o fotógrafo fixara o momento em que o Korten recebia

os parabéns do Kohl, ao lado do qual parecia pequeno, frágil e distinto. Nos artigos, falava-se de balanços, de carreiras e de produtos e novamente de acidentes

e avarias.

O Giovanni levantou o meu prato e serviu-me uma Sambuca sem dizer palavra. Pedi um café. Na mesa ao lado estava sentada uma mulher com cerca de quarenta anos que

lia a Brigitte. Reparei que o título era "Esterilização - e agora?". Cobrei ânimo.

- Sim, então e agora?

- Desculpe?

Olhou-me irritada e pediu um Amaretto. Perguntei-lhe se costumava ir ali.

- Sim - respondeu -, depois de sair do trabalho costumo vir sempre aqui comer.

- Esterilizou-se?

- Imagine o senhor que sim, esterilizei-me. E depois disso tive uma criança, um miúdo muito querido.

Pousou a Brigitte.

- Fantástico - disse eu. - E a Brigitte fala desses casos?

- Este caso não aparece lá. Trata muito mais de mulheres e homens infelizes, que descobrem o seu desejo de terem filhos depois de se terem esterilizado.

Bebeu um golinho do Amaretto. Eu mastiguei um grão de café.

- O seu filho não gosta de comida italiana? O que faz ele à noite?

- Importar-se-ia que eu me sentasse à sua mesa, em vez de gritar a resposta ao restaurante todo?

Levantei-me, afastei a cadeira convidativamente para ela se sentar e disse que gostaria muito se ela... - ora bem, tudo aquilo que se costuma dizer nestas ocasiões.

Ela trouxe o copo e acendeu um cigarro. Observei-a com mais atenção, os olhos um pouco cansados, o traço obstinado em redor da boca, as muitas pequenas rugas, o

baço cabelo louro claro, um brinco numa das orelhas, um adesivo na outra. Se não tivesse cuidado, daqui a três horas estaria com a mulher na cama. E eu queria ter

cuidado?


- Para responder à sua pergunta: o meu filho está no Rio, a viver com o pai.

- O que faz ele lá?

- O Manuel tem agora oito anos e anda numa escola no Rio. o pai estudou em Mannheim. Quase casei com ele por causa da autorização de residência. Quando a criança

apareceu, ele teve de voltar para o Brasil e concordámos em que ele a levaria consigo.

Lancei-lhe um olhar desconcertado.

- Agora o senhor está a pensar que eu sou uma mãe-cuco. Mas foi por alguma razão que me esterilizei.

Ela tinha razão. Eu achava que ela era uma mãe-cuco, de qualquer maneira era uma estranha vontade de continuar o flirt. Quando fiquei calado durante um longo momento,

ela perguntou-me

- Por que razão ficou Interessado no assunto da esterilização?

- Foi uma associação que fiz a partir do título de destaque da Brigitte. Depois interessou-me a maneira racional como a senhora abordou a questão. Agora, é-me demasiado

racional o modo como fala do seu filho. Talvez eu seja demasiado antiquado para esse tipo de racionalidade.

- A racionalidade não é partilhável. É pena que os preconceitos se confirmem sempre.

Pegou no copo e fez menção de se ir embora.

- Diga-me só o que lhe ocorre quando se fala nas IQR.

Ela olhou-me friamente.

- Compreendo que a pergunta lhe pareça estranha. Mas neste momento as IQR ocupam-me durante o dia inteiro e, por serem tantas as árvores, não consigo ver a floresta.

Ela respondeu com sinceridade.

- Ocorrem-me muitas coisas. Também lhas vou contar porque algo me agradou em si. Para mim, as IQR significam Indústrias Químicas do Reno, pílulas contraceptivas,

ar envenenado e água envenenada, poder, Korten...

- Como assim, Korten?

- Fiz-lhe massagens. É que eu sou masseurin.

- Masseurin? Pensei que se dissesse masseuse.

- As masseuses são as nossas pouco castas irmãs. O Korten Bio consultar-me durante seis meses por causa de um problema nas costas, e durante a massagem falava um

pouco dele e do seu trabalho. Por vezes tínhamos discussões. Uma vez, ele afirmou: "Não é condenável usarmos as pessoas; é apenas pouco delicado deixar que elas

se apercebam disso". Isso deu-me que pensar durante muito tempo.

- O Korten era meu amigo.

- Porquê "era"? Ele ainda é vivo.

Sim, porquê "era"? Teria eu entretanto enterrado a nossa amizade? "Selb, o nosso coraçãozinho de manteiga" - esta frase voltara-me constantemente à memória no Egeu

e escorregara-me pelas costas abaixo num arrepio gelado. Recordações enterradas tinham voltado a surgir e haviam-se misturado com fantasias, penetrado como sonhos

no sono. Acordara de um sonho com um grito e banhado em suor: o Korten e eu dávamos um passeio pela Floresta Negra - eu tinha a certeza de que era a Floresta Negra,

apesar dos grandes penhascos e dos precipícios fundos. Éramos três: um colega de turma, o Kimski ou o Podei, também estava connosco. O céu era azul profundo, o ar

pesado e ao mesmo tempo de uma transparência irreal. De repente, umas pedras soltaram-se e ricochetearam sem ruído encosta abaixo, e nós ficámos pendurados numa

corda que estava a romper-se. Acima de nós estava o Korten, e olhava-me, e eu sabia o que ele esperava de mim. Caíram ainda mais rochedos para o vale, silenciosamente;

eu tentei agarrar-me com as unhas, firmar a corda e puxar o terceiro para cima. Não o consegui, vieram-me aos olhos lágrimas de impotência e de desespero. Tirei

o canivete e comecei a cortar a corda abaixo de mim. "Tenho de o fazer, tenho de o fazer", pensei, e cortei-a. O Kimski ou o Podei precipitou-se para as profundezas.

Eu consegui ver tudo ao mesmo tempo, os braços a esbracejar, cada vez mais pequenos e mais longe, a indulgência e a troça nos olhos do Korten, como se tudo não passasse

de uma brincadeira. Agora ele já conseguia içar-me e, quando me tinha puxado quase até si, soluçante e arranhado, voltou a dizer: "Selb, o nosso coraçãozinho de

manteiga", e a corda partiu-se e...

- O que é que se passa consigo? A propósito, como é que se chama? O meu nome é Brigitte Lauterbach.

- Gerhard Selb. Se não tem carro... Permite-me que a leve a casa, depois desta noite acidentada, no meu acidentado Opel?

- Claro, com prazer. Senão teria de ir de táxi.

A Brigitte vivia na Rua Maxjoseph. O beijo de despedida em ambas as bochechas transformou-se num longo abraço.

- Não queres mesmo subir, meu tolinho? Com uma mãe-cuco esterilizada?

8

Um sangue comezinho



Enquanto ela ia buscar o vinho ao frigorífico, fiquei de pé na sala, com o acanhamento da primeira vez. Nessas situações somos sensíveis àquilo que não bate certo:

os periquitos na gaiola, o poster dos Peanuts na parede, Fromm e Simmel na estante, Roger Whittaker no gira-discos. A Brigitte não tinha culpa nenhuma; contudo,

a sensibilidade estava ali - no final de contas, não está ela presente no fundo de cada um de nós, aconteça o que acontecer?

- Posso fazer um telefonema? - gritei para dentro da cozinha.

- Claro. O telefone está na gaveta de cima da cómoda.

Abri a gaveta e marquei o número do Philipp. Tive de esperar que tocasse oito vezes até ele atender.

- Estou? - a sua voz soava algo pastosa.

- Philipp? E o Gerd. Espero estar a incomodar-te.

- Exactamente, meu grande e bizarro bisbilhoteiro. Sim, era sangue, do grupo O, factor Rhesus negativo, um sangue comezinho, por assim dizer, idade da amostra entre

duas a três semanas. Queres mais alguma coisa? Desculpa-me, mas estão a exigir o máximo de mim. Tu viste-a, ontem, a pequena indonésia no elevador. Ela trouxe uma

amiga. Toda a acção está aqui e agora!

A Brigitte entrara na sala com uma garrafa e dois copos, enchera-os e dera-me um. Eu dera-lhe o outro auscultador do telefone, e a Brigitte olhou-me divertida quando

o Philipp disse as últimas frases.

- Conheces alguém na morgue de Heidelberg, Philipp?

- Não, ela não trabalha com o médico-legista. Trabalha no McDonald's. Porquê?

- Eu não quero saber o grupo sanguíneo do BigMac, mas sim o do Peter Mischkey, que foi autopsiado pelo médico-legista de Heidelberg. E queria saber se tu consegues

saber qual é. Essa é a razão.

- Isso não tem de ser agora, pois não? Vem antes até cá, e amanhã ao pequeno-almoço falamos disso. Mas traz uma contigo. Eu não me ando para aqui a esforçar, para

tu depois chegares e colheres os louros.

- Tem de ser asiática?

A Brigitte riu-se. Pus o braço ao redor dela. Ela encostou-se a mim timidamente.

- Não, em minha casa é como no bordel de Mombaça:

todas as raças, todas as classes, todas as cores, todos os mesteres. E, se quiseres mesmo vir, traz algo para beber.

Desligou o telefone. Eu pus o outro braço em redor da Brigitte. Ela deitou-se para trás nos meus braços e olhou-me.

- E agora?

- Agora vamos levar a garrafa e os copos e os cigarros e a música connosco para o quarto e deitamo-nos na cama.

Ela deu-me um beijo ao de leve e disse com voz envergonhada:

- Vai andando, eu já lá vou ter.

Foi para a casa de banho. Encontrei, no meio dos discos, um do George Winston, pu-lo no gira-discos, deixei a porta do quarto aberta, acendi a luzinha do candeeiro

da mesa-de-cabeceira, despi-me e deitei-me na cama dela. Senti-me um pouco embaraçado. A cama era larga e cheirava a lavado. Se não dormíssemos bem naquela noite,

seria apenas por nossa culpa.

A Brigitte entrou no quarto, nua, só com o brinco na orelha direita e o adesivo no lóbulo da esquerda. Estava a assobiar ao som da música do George Winston. Era

um pouco larga de mais nas ancas, tinha seios que, com a melhor boa vontade, não conseguiam deixar de se inclinar suavemente para baixo pelo seu tamanho, ombros

largos e clavículas salientes que lhe conferiam algo de vulnerável. Enfiou-se debaixo da coberta e na dobra do meu braço.

- O que é que tens na orelha? - perguntei-lhe.

- Oh - riu-se ela, nervosamente -, quando estava a pentear-me, penteei o brinco da orelha, por assim dizer. Não me doeu, mas quase me esvaí em sangue. Depois de

amanhã tenho uma consulta no cirurgião. Vai cortar a ferida de maneira a pô-la como deve ser.

- Importas-te que eu te tire o outro brinco? Senão fico com medo de o arrancar sem querer.

- És assim tão impetuoso? - e tirou ela mesma o brinco. - Anda, Gerhard, deixa que te tire a pulseira do relógio.

Foi bom sentir como ela se inclinava sobre mim e tocava no meu braço. Puxei-a para mim. A sua pele era lisa e perfumada.

- Estou cansada - disse com uma voz ensonada. - Contas-me uma história para adormecer?

Sentia-me bem.

- Era uma vez um pequeno cuco. Tinha, como todos os Cucos, uma mãe.

Ela deu-me um beliscão.

- A mãe era castanha e bonita. Era tão castanha que todos os outros cucos eram amarelos ao lado dela, e era tão bonita que todos os outros eram feios ao lado dela.

Ela própria não o sabia. O filho dela, o pequeno cuco, via-o e sabia-o bem. Sabia ainda muito mais: que castanho e bonito é melhor do que amarelo e feio, que os

pais-cuco são tão bons ou tão maus como as mães-cuco, que se pode estar errado no lugar certo e estar certo no lugar errado. Um dia, depois da escola, o pequeno

cuco perdeu-se. Disse para si próprio que nada poderia acontecer-lhe: voando numa direcção, teria de encontrar o pai e na outra, a mãe. Contudo, tinha medo. Via

debaixo de si uma terra muito grande com aldeias pequeninas e enormes lagos a brilhar. Eram engraçados de ver, mas assustadoramente desconhecidos. Ele voou e voou

e voou...

A respiração da Brigitte tornara-se regular. Aninhou-se melhor no meu braço e começou a ressonar baixinho com a boca ligeiramente aberta. Tirei cuidadosamente o

braço de debaixo da sua cabeça e apaguei a luz. Ela deitou-se de lado. Eu também, e ficámos deitados como colherzinhas na gaveta dos talheres.

Quando acordei, passava pouco das sete, e ela ainda dormia. Esgueirei-me do quarto, fechei a porta atrás de mim, procurei e encontrei a máquina do café, pu-la a

funcionar, vesti a camisa e as calças, tirei de dentro da cómoda o molho de chaves da Brigitte e fui comprar croissants à Rua Ròtter. Cheguei com o tabuleiro e o

café e os croissants à cama antes de ela acordar.

Foi um bom pequeno-almoço. E também foi bom metermo-nos os dois outra vez debaixo dos lençóis. Depois, ela teve de ir ocupar-se dos seus doentes de sábado de manhã.

Eu queria deixá-la no consultório, no Centro Collini, mas ela preferiu ir a pé. Não combinámos nada. Mas, quando nos abraçámos diante da porta de casa, quase não

conseguimos largar-nos.

9

Indeciso, sem saber o que fazer



Há muito tempo que eu não passava a noite em casa de uma mulher. A seguir, o regresso a casa é como o regresso à cidade onde vivemos, depois das férias. Um curto

lapso em que nos sentimos pairar, antes de voltarmos a ser possuídos pelo quotidiano.

Fiz um chá contra o reumatismo, apenas por prevenção, e voltei a imergir no dossier do Mischkey. Comecei pela fotocópia do artigo de jornal que estava em cima da

secretária do Mischkey e que eu enfiara no dossier. Li o artigo correspondente à publicação comemorativa com o título "Os doze anos negros". Tratava muito resumidamente

dos trabalhos forçados de químicos judeus. Sim, eles tinham existido, mas as IQR tinham sofrido tanto como os químicos judeus por causa daquela situação imposta.

De maneira diferente das outras grandes empresas alemãs, logo que a guerra acabou, os trabalhadores forçados haviam sido generosamente compensados. O autor apresentava

como referência a África do Sul, onde qualquer tipo de trabalho forçado é estranho à natureza das empresas industriais modernas. De resto, fora possível diminuir

o seu sofrimento nos campos de concentração através do trabalho na fábrica; era possível provar que a taxa de sobrevivência dos trabalhadores forçados nas IQR era

mais elevada do que a taxa de sobrevivência média da população dos campos de concentração. O autor tratava longamente a participação das IQR na Resistência, recordava

os trabalhadores comunistas condenados e descrevia pormenorizadamente o processo contra o futuro director-geral Tyberg e o seu então colaborador Dohmke.

O processo voltou-me à memória. Naquele tempo, eu conduzira a investigação; a acusação fora representada pelo meu chefe, o Promotor da Justiça Sòdelknecht. Os dois

químicos das IQR foram condenados à morte por sabotagem e por uma qualquer violação das Leis da Raça de que já não me recordo. O Tyberg conseguiu fugir, o Dohmke

foi executado. Tudo isto deve ter-se passado no final de 1943, princípio de 1944. No início dos anos cinquenta, o Tyberg regressou dos Estados Unidos da América,

depois de ter tido um rápido êxito com uma empresa química que entretanto criara, e voltou aos quadros das IQR, ascendendo pouco depois a director-geral.

Uma grande parte dos artigos de jornal tratava do incêndio de Março de 1978. A imprensa fixara os prejuízos em quarenta milhões de marcos, não referira mortos nem

feridos, e repetira as declarações das IQR segundo as quais o veneno libertado pela combustão dos pesticidas era absolutamente inofensivo para o organismo humano.

Essas afirmações da Indústria Química fascinam-me: um veneno destrói as baratas que, segundo todas as previsões, sobreviverão ao holocausto atómico, e para nós,

homens, esse mesmo veneno não é mais perigoso do que o fumo de um churrasco. Para além disto, apareceu no Stadts-treicher uma notícia do grupo Die Chlorgrúnen segundo

a qual durante o incêndio teria havido libertação de gases venenosos como o TCDD, hexaclorofeno e tricloroetileno. Muitos trabalhadores acidentados teriam sido evacuados

para a clínica da fábrica, em Luberon, pela calada da noite. Depois havia ainda uma série de fotocópias e de recortes sobre a participação de capitais das IQR e

de uma reclamação do Bundeskartellamf, sem consequências de maior, respeitante ao papel da fábrica no mercado farmacêutico.

Fiquei durante muito tempo sentado diante das impressões do computador, sem saber o que fazer. Encontrei dados, nomes, números, gráficos e abreviaturas incompreensíveis

para mim, como BAS, BOE e HST. Seriam as impressões das bases de dados que o Mischkey desenvolvera para ele mesmo no CRI? Tinha de falar com o Gremlich.

Às onze, comecei a telefonar para os números que se encontravam nas cartas de resposta ao anúncio do Mischkey. Eu era o professor Selk da Universidade de Hamburgo,

e pretendia retomar os contactos que o meu colega havia recolhido para o projecto de investigação de História Económica e Social. Os meus interlocutores mostraram-se

espantados; o meu colega havia-lhes dito que os seus testemunhos orais não interessavam para o projecto de investigação. Fiquei irritado; telefonema após telefonema,

os mesmos resultados que não conduziam a lado nenhum. Ainda assim, consegui saber por alguns que o Mischkey não dera nenhum valor aos seus testemunhos porque apenas

haviam começado a trabalhar para as IQR depois de 1945. Estavam indignados porque bastaria o meu colega ter posto no anúncio do jornal o ano do fim da guerra, como

limite, para que pudessem ter sido poupados à maçada da resposta. "Falava-se em reembolso das despesas. Vamos receber agora o nosso dinheiro de volta?"

Mal acabara de desligar o telefone, este voltou a tocar.

- És muito difícil de apanhar. Com que mulher é que estiveste a falar durante tanto tempo?

A Babs queria ter a certeza de que eu não esquecera a nossa combinação de irmos ao concerto nessa noite.

- Levo a Rõschen e o Georg comigo. Gostaram tanto da Diva que não querem deixar escapar a oportunidade de verem I Wilhelmenia Fernandez.

Claro que eu já me tinha esquecido do combinado. E uma parte do meu cérebro perdera-se em divagações durante o estudo dos documentos do dossier e considerara a questão

de incluir, ou não, a Brigitte nessa noite. Ainda haveria bilhetes?

- Quando faltar um quarto para as oito, no Rosengarten? Talvez leve alguém comigo.

- Então sempre era uma mulher ao telefone. É bonita?

- Gosto dela.

Foi apenas por uma questão de terminar o que havia começado que escrevi a Vera Múller, para São Francisco. Não havia nada que eu pudesse perguntar-lhe directamente.

Talvez o Mischkey lhe tivesse feito perguntas concretas e era exactamente isso que tentava descobrir na minha carta. Peguei nela e fui à Estação Principal dos Correios,

na Praça Parade. No caminho de regresso, comprei cinco dúzias de caracóis para depois do concerto. Para o Turbo, arranjei fígado fresco; sentia-me culpado por o

ter deixado sozinho na noite anterior.

Novamente em casa, tencionava fazer uma sanduíche com sardinhas, cebola e azeitonas. A senhora Buchendorff impediu-me. Ela tivera de ir ao escritório naquela manhã

para escrever qualquer coisa para o Firner, passara no caminho de regresso pela cervejaria Traber da Rua Zollhof e tinha a certeza absoluta de ter reconhecido um

dos indivíduos que espancara o Mischkey no cemitério Ehren.

- Estou numa cabina telefónica. Acho que ele ainda não saiu dali. Pode vir já? Se ele sair de carro, eu sigo-o. Se eu já cá não estiver, volte para casa novamente,

eu telefono-lhe quando puder. - A sua voz esganiçou-se.

- Meu Deus, rapariga, não faças nenhum disparate. Basta assentar o número da matrícula do carro. Vou já para aí.

10

O Fred faz anos



Nas escadas, quase atropelei a senhora Weiland, e quando arranquei quase levei o senhor Weiland comigo. Passei pela estação dos caminhos-de-ferro e pela ponte Konrad-Adenauer,

por peões empalidecidos e semáforos avermelhados. Cinco minutos depois, ao parar na Rua Zollhof, diante da cervejaria Traber, o carro da senhora Buchendorff ainda

estava estacionado do outro lado da rua, no local onde era proibido parar. Dela, não havia rasto. Saí do carro e entrei na taberna. Um balcão, duas, três mesas,

uma jukeboxe flippers, cerca de dez clientes e a patroa. A senhora Buchendorff tinha uma imperial numa mão e uma bulette na outra. Sentei-me ao seu lado, no balcão.

- Olá, Judith. Também estás por cá hoje?

- Olá, Gerhard. Bebes uma imperial connosco?

Pedi duas bulettes para acompanhar a imperial. O tipo ao lado dela disse:

- As bolas de carne são feitas pela mãe da patroa.

A Judith apresentou-mo.

- Este é o Fred. Um vienense de gema. Diz que tem algo para festejar. Fred, este é o Gerhard.

Ele já tinha festejado valentemente. Com a ligeireza prejudicada do bêbado, deslocou-se até kjukebox, apoiou-se nela durante a escolha dos discos como se não houvesse

nenhum que lhe interessasse e, quando regressou, postou-se entre a Judith e eu.

- A patroa, a nossa Silvia, também é austríaca. Por isso é que eu prefiro festejar os meus anos no estaminé dela. E vejam só, aqui está o meu presente de anos.

Fez uma festa no rabo da Judith com a mão bem aberta.

- O que fazes profissionalmente, Fred?

- Mármore e vinho tinto, import-export. E tu?

- Trabalho no ramo da segurança, segurança de pessoas e bens, guardas, guarda-costas, cães de guarda, etc. Poderíamos ter precisão de um tipo com o teu cabedal.

Só terias de ir mais devagar com o álcool.

- Ora, ora, segurança - pousou o copo. - Não há nada mais seguro do que um cu firme. Não é verdade, queridinha?

Lançou também a outra mão ao rabo da Judith.

Ela voltou-se, bateu com toda a força nos dedos do Fred, olhando-o com um ar traquinas. Aquilo doeu-lhe, ele tirou as mãos, mas não lhe levou a mal.

- E o que estás a fazer aqui, para a segurança?

- Procuro pessoas para um trabalho. Está uma pipa de massa em jogo: para mim, para as pessoas que encontrar, e para o empregador para o qual estou a procurar as

pessoas.


O rosto do Fred deixou transparecer interesse. Talvez porque naquele momento as suas mãos não pudessem ter nada que fazer no rabo da Judith, batia com o grosso dedo

indicador no meu peito.

- Isso não é demasiado big para ti, avôzinho?


Yüklə 0,65 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   5   6   7   8   9   10   11   12   ...   20




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©genderi.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

    Ana səhifə