Quarta-feira, 7 de novembro de 2012



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Os anos difíceis

Em 1971, após três anos de existência, a FEAP estava em crise. As causas mais importantes baseiam-se em dificuldades de gestão na área de saúde, como já foi dito, uma área muito pouco desenvolvida em Minas Gerais até então. Na ocasião, a maioria dos membros da equipe do HGV, da década de 1960, já havia deixado o hospital. Muitos lançaram-se em novos projetos, alguns individualmente, outros em equipes, para atuação em diferentes instituições, onde havia a perspectiva de melhores oportunidades profissionais. Tal foi o caso da equipe do HGV que organizou o atendimento clínico do Hospital Espírita André Luiz, recém-inaugurado. Dela participaram: Marco Aurélio Baggio, César Rodrigues Campos, Francisco Paes Barreto e Arlindo Carlos Pimenta. Quanto à “turma do Galba”, ocorreu uma dispersão em massa, comparável a uma verdadeira diáspora.



Muitos deixaram o estado em busca de novas oportunidades. A maioria aqui permaneceu, formando pequenos grupos de atuação em equipes de distintos hospitais, clínicas particulares e nos consultórios. Dentre essas novas iniciativas, incluía-se, pela primeira vez no estado, o trabalho em uma clínica cujo enfoque era a teoria psiquiátrica pavloviana, a reflexologia, e dentro dos princípios da escola comportamental em psicologia. Seus membros eram: prof. Paulo Saraiva, José de Assis Corrêa, Delcir Antônio da Costa, Vicente Santos Dias e Antônio Carlos Corrêa. Em 1971, a residência de psiquiatria foi transferida para o Instituto Raul Soares (IRS), também da rede FHEMIG. 
Em novembro de 1970 foi fundada a Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), oriunda do antigo Departamento de Psiquiatria da Associação Médica de Minas Gerais. Dois meses após, em janeiro de 1971, ocorreu a primeira eleição para sua diretoria. A disputa foi acirrada.  No páreo estava César Rodrigues Campos, apoiado por boa parte da “turma do Galba” e, como adversário político, o prof. Paulo Saraiva, apoiado maciçamente pelos psiquiatras dos diversos hospitais e clínicas de Minas Gerais. Já havia uma disputa política pelo poder na entidade psiquiátrica máxima mineira, em função de seus diferentes enfoques teóricos e práticos. Nos hospitais e clínicas muitos não adotavam a psicanálise como sua prática profissional. Venceu, por ampla margem de votos, o prof. Paulo Saraiva. Iniciava-se aí o “racha” na psiquiatria mineira, aumentando as distâncias entre diferentes orientações teóricas e práticas. Tal cisma persiste, mais atenuado, até os tempos atuais.
Em fins de 1971, Jorge Paprocki deixou a direção da FEAP, num rompimento com Fernando Megre Velloso, até hoje não bem esclarecido. No ano seguinte, em 1972, Paprocki, já desligado de suas atividades médicas no serviço público, associou-se à Luís Bustamante e fundou o Grupo de Estudos de Psicofarmacologia Clínica, de longo e profícuo trabalho.
Pode-se identificar, no início de 1971, a grande divisão entre os psiquiatras mineiros. De um lado estavam aqueles que se mantinham dentro de uma linha clínica, em que a tônica dos tratamentos era a psicofarmacologia, as terapias biológicas, sem excluir as diversas técnicas psicoterápicas, que muito variava de profissional paraprofissional. Esse grupo mantinha-se atento ao que surgia de mais atualizado no contexto internacional das pesquisas clínicas e farmacológicas em psiquiatria. Do outro lado, capitaneados por Francisco Paes Barreto, César Rodrigues Campos, Ronaldo Simões Coelho, Antônio Simone e outras lideranças psiquiátricas, jovens residentes, estudantes, psicólogos e profissionais das mais diversas áreas afins à psiquiatria, congregavam-se em torno das teorias antipsiquiátricas de Thomas Szasz, David Cooper, Ronald Laing, Silvano Arieti e Franco Basaglia. Esses movimentos se iniciaram nos Estados Unidos no fim da década de 1950, quando passaram a criticar abertamente a psiquiatria tradicional, com seus métodos de diagnóstico, tratamentos ambulatoriais e em hospitalização. A psiquiatria era comparada aos métodos medievais de tortura e coerção. O diagnóstico era considerado um rótulo artificial pespegado no paciente a fim de segregá-lo da sociedade, já que, na verdade, ele não era um doente mental, mas sim um dissidente, pessoa portadora de um pensamento, uma voz e um comportamento dissonantes, que não estava em conformidade com as normas sociais. O psiquiatra não passava de um herdeiro moderno dos velhos inquisidores dos tempos medievais. Nesta amálgama de teorias acrescentou-se a prática psicanalítica baseada nas teorias de Jacques Lacan. Tudo isso originou um misto de teorias sociais, psicológicas, psicanalíticas, antimanicomiais, antipsiquiátricas, com forte tempero ideológico e político-partidário.

Durante oito anos houve um relativo silêncio da psiquiatria mineira no intervalo entre o segundo e o terceiro congressos. Poucos foram os eventos aqui sediados, mas se manteve a quantidade e a qualidade das publicações científicas mineiras, em particular o elevado número de trabalhos publicados por Paprocki. Dos poucos eventos ocorridos em Minas no período, destaca-se o II Congresso Brasileiro de Psiquiatria, patrocinado pela ABP e presidido por Fernando Megre Velloso, ocorrido em Belo Horizonte, em 1972. Velloso foi presidente da ABP no período 1971-1973. Também foi presidente da Associação Médica Brasileira logo após deixar a ABP.


Entretanto, as dissenções entre os psiquiatras mineiros foram evoluindo e chegaram a um ponto decisivo quando, em 1979, ocorreu o III Congresso Mineiro de Psiquiatria. A residência de psiquiatria da antiga FEAP, agora FHEMIG, completara dez anos. Os preceptores, cuja formação ocorrera no HGV dos anos 60 e outros, oriundos de variadas instituições e com visões diferentes da psiquiatria, foram deixando a residência, descontentes com os rumos que a mesma vinha tomando. O congresso, preparado com bastante antecedência, esteve ancorado numa ampla campanha midiática contra os hospitais psiquiátricos e os métodos tradicionais da clínica psiquiátrica. Havia denúncias de todo tipo: a ECT foi escolhida como mote para a denúncia dos “bárbaros métodos medievais de tortura” de pacientes psiquiátricos. A psicofarmacoterapia estaria a serviço do grande capital estrangeiro, imposto pelas potências imperialistas hegemônicas a um país de Terceiro Mundo, como o Brasil, com o fito exclusivo do lucro exorbitante e o embrutecimento mental daqueles dissidentes sociais que faziam uso desses fármacos. O objetivo da psiquiatria tradicional seria a criação de autômatos que permitissem, mais facilmente, o domínio capitalista sobre os dissidentes. Propunham uma “psiquiatria democrática”. O congresso foi programado não somente para a participação de profissionais e estudantes da área de saúde, mas também para aqueles de áreas não médicas e ainda ao público em geral. Seria isso também uma forma de “democratizar o saber psiquiátrico”. Uma série de reportagens intitulada “Nos Porões da Loucura”, do jornalista Hiran Firmino, no diário “O Estado de Minas”, e um filme do cineasta Helvécio Ratton, intitulado “Em Nome da Razão”, contribuíram enormemente para preparar o terreno ideológico do congresso. Este teve a participação de duas das maiores estrelas de primeira grandeza do movimento antipsiquiátrico internacional, o italiano Franco Basaglia, e o francês Robert Castel, que deram grande notoriedade ao evento. Numa grande tirada de marketing, Basaglia foi filmado nos corredores do IRS, apontando para as portas de ferro de uma das enfermarias, e denunciando o local como sendo um grande centro de torturas, de desumanização, de encarceramento. O impacto junto ao grande público, como não poderia deixar de ser, foi enorme, dando origem a forte rejeição por parte da população à psiquiatria tradicional. Começava aí, também, a Luta Antimanicomial, movimento feroz de desospitalização, eivado de doutrinação político-partidária e ideológica.
Embalado pelos ventos soprados da década de 1960, e após esses acontecimentos, o governo do estado, através da Secretaria de Saúde e da direção geral da FHEMIG, iniciou um Projeto de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Pública. Começou no IRS, estendeu-se ao HGV, ao Centro Psicopedagógico (antigo Hospital de Neuropsiquiatria Infantil) e ao Hospital Colônia de Barbacena (HCB), que se tornaria Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB). Tais medidas, sem dúvida alguma, contribuíram para a humanização do atendimento aos pacientes, ao adotar uma política mais restrita de hospitalizações, menor tempo de permanência, o redirecionamento do modelo assistencial, melhora na abordagem e na assistência ao paciente. Quem conheceu o antigo HCB sabe das terríveis condições de vida a que eram submetidos os pacientes. Muitas vezes nus, mal alimentados, andando a esmo pelos pátios, sem receber medicamentos adequados e sem qualquer outra forma de assistência psiquiátrica, marcava a todos, indelevelmente, com sua imagem dantesca. Qualquer semelhança com um campo de concentração nazista ou comunista não é mera coincidência. Contudo, é importante se ressaltar que, muito antes do surgimento dos movimentos antimanicomiais e das lutas da antipsiquiatria, já havia uma tendência mundial progressiva no sentido de reduzir os internamentos hospitalares, dada à revolução nos tratamentos psiquiátricos com o progresso da psicofarmacologia, dos métodos psicoterápicos, socioterápicos e das neurociências que engatinhavam. Com a introdução da clorpromazina no tratamento de distúrbios mentais, em 1952, houve uma verdadeira revolução na medicina. O movimento de humanização da psiquiatria mineira, no sentido de acabar com os antigos manicômios e transforma-los em hospitais, fazendo com que o tratamento dos pacientes ocorresse em bases médicas e humanitárias, já ocorria desde a década de 1960 e se acelerou após os eventos de 1979. As estatísticas da Organização Mundial de Saúde apontavam para uma progressiva queda nas hospitalizações, queda esta que continua até os dias atuais, com a utilização de medicamentos de última geração. Assim, se a luta antimanicomial representou papel positivo nessa humanização do atendimento ao paciente psiquiátrico, deve-se reconhecer o decisivo papel representado pelos avanços sociais e da ciência.
A redução do número de leitos hospitalares psiquiátricos se, por um lado, revelou a faceta positiva do avanço da medicina e das intervenções psicossociais, também revelou seu lado negativo ao expor uma profunda lacuna no atendimento à população, quando não foi mais disponibilizado aos pacientes locais adequados para o tratamento com mais segurança e eficácia. A redução dos leitos e a humanização psiquiátrica foram conquistas que poderiam ter sido realizadas sem o alarde antipsiquiátrico, com motivação claramente político-partidária, que caracterizou o fim da década de 1970 e toda a década de 1980, o que prejudicou visivelmente o trabalho sério de muitos profissionais e equipes multidisciplinares.
Apesar dos percalços, houve grandes manifestações científicas e culturais entre nós, algumas de vulto. Para suprir a carência na promoção de eventos com temática mais científica e atualizada, os diversos hospitais psiquiátricos, através de seus Centros de Estudos, promoviam periodicamente palestras, conferências, mesas redondas, painéis e debates sobre os mais variados temas das áreas da psiquiatria, neurologia, psicologia e afins. É de se ressaltar a atuação do Centro de Estudos Cícero Ferreira, da Casa de Saúde Santa Clara, um dos mais importantes e atuantes do período. Os eventos foram inúmeros e estiveram à frente de tais atividades científico-culturais Hélio Tavares Filho e Sylvio Magalhães Velloso. Havia ali um caldeirão de cultura em ebulição.
Não ficava atrás também o Centro de Estudos Austregésilo de Mendonça, da Casa de Saúde Santa Maria, onde, da mesma forma, os eventos científico-culturais eram quase quinzenais. Aí pontificavam os prof. Clóvis de Faria Alvim e Paulo Saraiva, figuras honoráveis da psiquiatria mineira. O prof. Austregésilo de Mendonça reunia em torno de si personalidades ilustres, que faziam apresentações sempre relevantes. A ciência não permaneceu morta nesses anos difíceis entre nós.
Merece uma referência especial o Departamento de Neurologia e Psiquiatria da FMUFMG. Fundada em 1911, a Faculdade de Medicina teve, durante toda a primeira metade do século XX, uma destacada atuação no mundo científico psiquiátrico de Minas Gerais e participou ativamente na elaboração de suas políticas públicas de saúde mental. Era um centro de referência no ensino e pesquisa da neuropsiquiatria clássica (organicista) de orientação franco-germânica. Não focarei neste período que foge ao escopo deste nosso trabalho. A partir de 1963, seu coordenador era o prof. Hélio Durães Alkmin, que deixara a direção do Hospital Galba Velloso para assumir este cargo na Faculdade de Medicina. Ele completara sua especialização em neurologia e psiquiatria na Northwestern University, em Chicago, EUA, entre 1953 e 1958. Foi íntimo colaborador de Helena Antipoff, na Fazenda do Rosário, Ibirité, onde se destacou pelas suas excepcionais habilidades de educador e médico voltado para as questões psicológicas e sociais das crianças excepcionais. Trabalhara também na 3ª. enfermaria do Instituto Raul Soares. Participou, em 1959, da fundação da Clínica Nossa Senhora de Lourdes, quando ofereceu atendimento psiquiátrico “opendoor”, antecipando-se a Jorge Paprocki, no Hospital Galba Velloso, em 4 anos. Conheci o prof. Hélio Alkmin, em 1964, quando, ainda calouro na Faculdade de Medicina, eu e alguns colegas de turma já havíamos nos decidido pela psiquiatria como especialidade médica. Assistíamos às aulas do 5º. ano como “intrusos”, no 7º. Andar do Hospital das Clínicas. Uma dessas aulas tornou-se memorável, entrando para os anais do HC-UFMG, quando ele surpreendeu a todos, inclusive seus colegas de magistério, que de nada sabiam, com a encenação de um verdadeiro psicodrama, ao convidar o prof. Jairo Bernardes, recém-chegado de uma pós-graduação nos Estados Unidos, para ministrar uma aula sobre ansiedade no tempo predeterminado de 10 minutos. Não é preciso imaginar muito para se perceber que, em 10 minutos, é impossível alguém dar uma aula minimamente razoável sobre ansiedade. A emoção ansiosa gerada em todos pelos atropelos verbais do professor, falando português com sotaque norte-americano, vestindo-se à americana, cabelo à escovinha segundo a moda americana, obrigado a falar numa rapidez tal e usando de uma síntese constrangedora, que a temperatura subiu na plateia, gerando discussões acaloradas ao seu término. Alkmin havia combinado, antes da aula, com um determinado grupo de alunos, não importa o que o professor Jairo dissesse, que o grupo iria criticá-lo de forma incisiva. Com outro grupo de alunos ele fez o mesmo, só que esse grupo iria defender as ideias e a aula do professor, custe o que custasse. Nenhum grupo sabia da existência do outro. Havia um terceiro grupo, o da turma pacificadora. No auge da ebulição das discussões entre os diversos grupos, com debates que quase deslizavam para o embate físico, estando o nível de adrenalina elevadíssimo (as freiras que administravam o HC saíram da sala neste momento, pois não aguentaram o nível do estresse criado) é que o prof. Alkmin tomou da palavra. Relatou, então, uma experiência real e ao vivo do que é a ansiedade, experimentada por todos e aprendida na prática. Explicou também que a ansiedade fora aprendida por todos sob a forma de psicodrama. Foi um alívio geral e, entre risos e aplausos, tudo acabou bem. Hélio Alkmin, além de certa mística pessoal que o acompanhava, cercava-se de excelentes professores-assistentes, dentre os quais posso assinalar o já citado Jairo Bernardes, falecido precocemente de acidente automobilístico poucos anos depois, Sebastião Abrão Salim, Evandro Negrão de Lima e José Carlos Câmara. A tônica da disciplina de psiquiatria da FMUFMG era uma psiquiatria dinâmica, baseada em conceitos da escola culturalista norte-americana, predominante nas décadas de 1950/60, com forte influência da psicanálise, particularmente de Harry Stack Sulivan, Karen Horney, Erich Fromm, Clara Thompson, Frieda Fromm-Reichman e ainda da antropologia cultural de Margaret Mead, Ruth Benedict e do renomado neuropsiquiatria Willian Allanson White. Parte dessa equipe permaneceu no departamento até meados da década de 1980.

 Além de mencionar a atuação de entidades e hospitais mineiros, cumpre destacar a atuação de alguns profissionais durante este período. Dentre eles, cito o trabalho ingente e profícuo do prof. José Raimundo da Silva Lippi, desde a década de 1970 até a os dias de hoje. Ao lado de José Carlos Pires Amarante, falecido precocemente em 1970, de acidente automobilístico, Lippi foi um dos fundadores da psiquiatria infantil em Minas Gerais. Destacou-se tanto em nosso estado como em todo o Brasil. Foi um dos organizadores e um dos primeiros presidentes da Associação Brasileira de Neuropsiquiatria Infantil (ABENEPI). Foi diretor do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil e contribuiu na formação e organização de diversas entidades e instituições psiquiátricas voltadas para o atendimento da infância e adolescência. Até o presente momento, tem Lippi formado sucessivas gerações de psiquiatras da infância e adolescência, todos de grande competência profissional e ilibada conduta ética. Dentre eles, deve-se ressaltar os seguintes: Lélio Marcio Dias, José Carlos Luz Martins, Marcia Veiga Lima, Maria Goretti Penna Lamounier, Walter Camargos, Marcio Candiani e outros. Lippi é merecedor de toda a consideração e o respeito de seus pares.


A partir do final da década de 1970, observou-se uma tendência, entre os profissionais mais experientes e talentosos, a adoção de uma prática clínica e psicoterápica mais eclética, não subserviente aos parâmetros rígidos das escolas e teorias, onde a personalidade, a boa formação teórica e prática do terapeuta, sua experiência e bom senso, lhes permitiam realizar um trabalho proficiente e respeitado.
Um desses nomes foi indiscutivelmente o de Nasser Zacharias Alves. Graduado em medicina pela FMUFMG, em 1963, possuidor de vasta cultura médica e geral, falando fluentemente o alemão, Nasser manteve contatos na Alemanha, para onde logo se mudou. Doutorou-se em medicina na Universidade de Heidelberg e também em neurociências e comportamento nas Universidades de Lausanne e Basiléia, na Suíça. Tornou-se amigo de Kurt Schneider, com quem mantinha permanente correspondência, quando voltou ao Brasil. Em Belo Horizonte manteve, durante anos, seu consultório particular bastante concorrido, por sinal. Profundo conhecedor das obras da fenomenologia alemã de Kurt Schneider e Karl Jaspers, do suíço Jacob Wyrsch e do espanhol Juan José López Ibor, ele era também psicoterapeuta eclético, quando utilizava técnicas e teorias que julgava úteis para cada paciente. Não era seguidor de nenhuma escola em particular, mas se baseava nos conceitos médicos até então conhecidos, aliados aos seus conhecimentos das distintas técnicas psicoterápicas então utilizadas. Como fosse profundamente católico, tinha também laços intelectuais e espirituais com o filósofo, teólogo e padre ítalo-germânico Romano Guardini (1885-1968), de grande influência nos meios cristãos e intelectuais de então. Nasser Zacharias Alves influenciou um grande número de psiquiatras mineiros, até hoje atuantes em clínicas e instituições de nosso estado. Faleceu ele, precocemente, aos 47 anos, em 1986, em Campinas, para onde se mudara, após mais uma estada na Alemanha.
Teve grande notoriedade na psiquiatria de Belo Horizonte, no final da década de 1960 e na de 1970, o prof. Santiago Americano Freire, professor titular de farmacologia e terapêutica experimental na FMUFMG. Muito interessado pelo estudo da mente, Santiago teve consultório particular com vasta clientela em Belo Horizonte. Muito interessado por artes, e também um estudioso no tema, escreveu um livro sobre a filosofia matemática nas pinturas de Leonardo da Vinci, obra de rara beleza estética. Publicou também alguns livros na área psiquiátrica se ressaltando uma técnica própria de enfoque à psicoterapia, intitulado Neurosanálise, impresso em 1977.

Outra experiência marcante do período foi a da Clínica Boa Esperança, em Belo Horizonte, dirigida por Armando Leite Naves e voltada para a “psiquiatria alternativa”. Além dos tratamentos psiquiátricos tradicionais, a clínica utilizava, com frequência, de métodos de hipnose e dos “sensitivos”, isto é, de pessoas com poderes ditos paranormais e extrassensoriais, para o alívio dos sintomas dos pacientes. Entre os profissionais que ali trabalharam estão: Neide Garcia de Lima, Luiz Augusto Ribeiro e Paulo de Lima Garcia.



Galeno Procópio Alvarenga, professor de Psicologia Médica na FMUFMG, também foi um profissional de grande respeito e cultura. Polemista, gostava de encarar uma boa discussão sobre temas psiquiátricos, médicos, psicológicos e de áreas afins.

Psiquiatria e psicanálise
Não se pode descrever a história da psiquiatria em Minas Gerais sem um levantamento histórico da relação entre a psiquiatria e a psicanálise entre nós. Um dos pioneiros da psicanálise em Minas é Sebastião Abrão Salim. Logo após se graduar em medicina pela UFMG, em 1963, e se tornar professor no Departamento de Psiquiatria e Neurologia da FMUFMG, no ano seguinte Salim interessou-se em fazer sua análise pessoal, segundo o modelo da IPA (Internacional Psychoanalytical Society), de orientação freudiana e herdeira da sociedade fundada por Freud e vários de seus discípulos, em 1910. Não encontrando em Minas Gerais profissionais qualificados para a prática deste modelo psicanalítico, Salim submeteu-se a análise com psicanalistas do Rio de Janeiro e São Paulo durante anos, ao mesmo tempo em que ministrava aulas de psicoterapia analítica no Departamento de Neurologia e Psiquiatria da FMUFMG. Completou sua formação como psicanalista, pela Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, em 1989, quando se tornou membro associado da mesma. Trabalhou muito para criar em Minas um núcleo de estudos psicanalíticos, já que não havia suficientes profissionais para a criação de uma sociedade psicanalítica. Após trinta anos de trabalho ingente, Salim e um grupo de psicanalistas, dentre os quais se destacam os psiquiatras Sergio Khedy e Flávio José de Lima Neves, conseguiram oficializar o Núcleo Psicanalítico de Belo Horizonte, sob a coordenação da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, filiada à IPA, em 1993. Alguns anos mais tarde, em 2008, o grupo foi admitido como “Study Group” da IPA, com a denominação de Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais (GEPMG), com a supervisão direta da entidade internacional. Este dinâmico grupo permanece atuante e se mantem publicando trabalhos sobre psicanálise e envolvido na formação de novos membros.
   Outra importante vertente da psicanálise, com profundas ramificações na psiquiatria, originou-se, em 1963, com a vinda para Belo Horizonte de Malomar Lund Edelweiss, sacerdote e profundo interessado por psicanálise. Este viera de Pelotas, onde havia sido diretor da Faculdade de Filosofia, quando fundou o Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP), em 1956. Malomar havia se submetido a análise com Igor Caruso, em Viena, na primeira metade da década de 1950. Igor Caruso era um italiano que emigrara para a Rússia e, depois, para Viena, Áustria, antes da II Guerra Mundial, onde havia se submetido a análise com August Aichhorn, em 1943. Este era um discípulo e próximo de Freud. Malomar, no período de 1944/45, também havia se submetido a análise com Viktor von Gebsattel, importante nome da psiquiatria e psicanálise alemãs, expoente da fenomenologia genético-estrutural. Gebsattel, por sua vez, havia sido analisado por Paul Federn, da primeira geração de psicanalistas surgida com Freud. A convite de Malomar, Igor Caruso veio diversas vezes ao Brasil, contribuindo para a expansão de sua orientação teórica em nosso País.
Igor Caruso, além de prolífico escritor, desenvolveu um conceito teórico eclético no qual procurava conciliar a psicanálise com outras correntes do pensamento e com a religião cristã. Fundou uma sociedade psicanalítica em Viena, dissidente da IPA, que abrigava pessoas de variadas orientações como a psicologia analítica e existencial, psicologia genética, etologia, antropologia, filosofia e outras áreas, que compunham um todo eclético variado. Mais tarde, aproximou-se das teorias de autores da Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer, Fromm, Marcuse, Ernest Bloch, Norman Brown, Sartre). Também fez uma ponte entre Sigmund Freud e as ideias de Marx, Engels, Lukács, Reich, Gabel, Gorz e outros marxistas, aproximando-se, assim, do materialismo dialético e se distanciando da religião cristã. A sociedade criada por ele em Viena recebeu o nome de Círculo Vienense de Psicologia Profunda. Quando Malomar fundou sua primeira sociedade psicanalítica no Brasil, em Belo Horizonte, ela recebeu o nome de Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda de Minas Gerais, com a colaboração de seus analisandos. Posteriormente, este grupo se filiou à Sociedade Brasileira de Psicologia Profunda. Em 1966, foi criada a Federação Internacional de Círculos de Psicologia Profunda. Em 1970, o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda passou a se chamar Círculo Brasileiro de Psicanálise, com filiadas em diversos estados, incluindo o Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.
Inicialmente, os psiquiatras mineiros opuseram grande resistência ao trabalho de Malomar Lund Edelweiss em Belo Horizonte. Isso em decorrência do fato de não ser o Círculo de Psicologia Profunda filiado à IPA. Esta sempre fora uma entidade extremamente rígida, que mantinha suas orientações freudianas dentro de princípios rigorosos. Com o passar do tempo, diversos psiquiatras e médicos de outras especialidades se interessaram em submeter-se à análise pessoal e, mais tarde, fazer formação em psicanálise. O primeiro grupo em formação era composto por: Djalma Teixeira de Oliveira, Jarbas Moacir Portela, Elba Duque, Eunice Rangel, Célio Garcia, Antônio Ribeiro, Elias Hadad e Jorge Paprocki. O Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda, posteriormente Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, teve uma atividade paralela com a do Hospital Galba Velloso. Jorge Paprocki, sendo um dos analisandos em formação com Malomar, foi um dos que mais incentivava o grupo do hospital a fazer sua formação psicanalítica. Em sucessivos períodos, novas turmas de analisandos foram se incorporando à instituição, englobando algumas gerações de psicanalistas mineiros. Em seus 51 anos de vida, conta o Círculo hoje com um enorme grupo de afiliados que torna a instituição uma das mais tradicionais e respeitadas no Estado.
Entretanto, no início da década de 1970, a estrutura burocrática do Círculo foi se aproximando daquela do IPA, na qual somente os analistas didatas poderiam se candidatar ao cargo de presidente e submeter candidatos às sessões de análises formais. Os sócios estavam insatisfeitos com a concentração de poderes nas mãos de Malomar e do grupo próximo de analistas didatas, todos pertencentes ao primeiro grupo formado, já citado acima. A esta altura o Círculo já contava com um considerável número de profissionais afiliados, psiquiatras e psicólogos. Havia uma clara demanda por democratização das decisões e mudança das normas para que temas não diretamente ligados à teoria freudiana pudessem ser apresentados e debatidos, e para que as eleições para cargos da diretoria incluíssem não-didatas. Essas reivindicações somente foram concretizadas na década de 1980, quando o poder de Malomar e dos membros didatas foi distribuído de forma mais democrática. Coincidia esse período com a redemocratização do País, que encerrava gradativamente um longo período de ditadura militar e ausência de liberdades democráticas nas instituições brasileiras. Desde essa época, o Círculo não exige mais das pessoas interessadas em se submeter a sua análise pessoal, e ter sua formação psicanalítica, que sejam psiquiatras ou psicólogos. Diversos profissionais da área de saúde, humanas ou outras, puderam, assim, ser admitidos para análise e, caso cumprissem as metas exigidas, assumir o título de psicanalistas.
Mais ou menos por essa época, outra dissidência surgiu no seio do Círculo, desta vez em decorrência das ideias de Jacques Lacan que passaram a contar com um número considerável de adeptos. Houve uma releitura das teses freudianas segundo o diapasão da linguística de Saussure, de Jakobson e Benveniste, da antropologia estrutural, de Lévi-Strauss. Ocorreu um verdadeiro cataclisma nas hostes psicanalíticas e psiquiátricas em Minas Gerais. Seu mentor, inicialmente, foi Célio Garcia, psicólogo, professor da UFMG, que havia tido contato antes com Lacan, em Paris. Logo foi seguido pelos psiquiatras Francisco Paes Barreto, Celso Rennó de Lima, Antônio Aureo Benetti e muitos outros. O espaço teórico do Círculo era pequeno para agrupar a todos. O rompimento foi inevitável. Surgiram grupos como Escola do Campo Freudiano, Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais, Aleph, Campo Lacaniano e outros. Todos permanecem atuantes, notadamente com a promoção de fóruns de debates, cursos e atividades de ensino.

    


Uma vertente importante da psicanálise em Minas Gerais é a da escola de Carl Gustav Jung. Discípulo da primeira geração de Freud, Jung tem deixado traço marcante na psiquiatria mineira. Um dos expoentes seguidores desta escola, há mais de 40 anos, é o psiquiatra José James de Castro Barros. Sua dedicação à prática da análise junguiana e formação de terapeutas da psicologia analítica é bem conhecida por todos. É membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica e membro da Internacional Society for Analytical Psychology. Na década de 1970, o psiquiatra Carlos Alberto Corrêa Salles morou por vários anos na Suíça onde fez sua análise pessoal e formação analítica no Carl Gustav Jung-Institut Zurich. Ao retornar ao Brasil, na década de 1980, já como analista didata, foi o fundador do Instituto C.G. Jung de Minas Gerais, tendo sido também um dos fundadores da Associação Junguiana do Brasil, reconhecida pela Associação Internacional. É autor de diversos livros de importância na área e coautor de outros tantos. O psiquiatra Alberto André Delpino de Mendonça é também analista didata junguiana bastante atuante em Belo Horizonte.

Finalmente, uma das importantes vertentes da psicanálise em Minas Gerais foi introduzida por Marcio Vasconcelos Pinheiro, em 1974. Ele fazia clínica médica em Baltimore, Maryland, Estados Unidos, onde residia desde 1959, quando decidiu abraçar a especialidade da psiquiatria. Recebeu supervisão do prof. Eugene Brody durante seu período de residência no Instituto de Psiquiatria da Universidade de Maryland. Na ocasião, defrontou-se com uma psiquiatria fortemente influenciada pela psicanálise de orientação culturalista, dentro da linha de Harry Stack Sulivan e Frieda-Fromm Reichman, como visto anteriormente. Trabalhou por 13 anos em hospitais psiquiátricos, clínicas particulares e consultório, atendendo a todos os tipos de pacientes psiquiátricos. Os pacientes, incluindo os psicóticos, recebiam atendimento psicanalítico clássico, submetendo-se a várias sessões de análise por semana, dentro de um ambiente de comunidade terapêutica, além de técnicas de socioterapia, ambientoterapia, grupoterapia, como de praxe na época. A psicofarmacologia era praticamente ignorada e considerada uma “evidência de psicoterapia não bem-feita”. Nas palavras do próprio Marcio Pinheiro, “acreditava-se que, para fazer psicoterapia com esquizofrênicos, por exemplo, os melhores terapeutas eram os que estavam próximos à desordem, com uma sensibilidade especial, de preferência uma esquizoidia criativa”. Essa orientação perdurou por vários anos, quando, em determinada ocasião, após tratar uma paciente esquizofrênica por quase um ano, sem resultados, ele repassou o caso para um colega que imediatamente prescreveu Stelazine. A melhora da paciente foi rápida e surpreendente. Marcio Pinheiro percebeu, na ocasião, que a psiquiatria americana passava por fortes mudanças. Da influência psicodinâmica ela abraçava abertamente uma psiquiatria cada vez mais biológica, com um aumento considerável na prescrição de psicofármacos. Quando voltou para Belo Horizonte, em 1974, Marcio Pinheiro, associado a alguns colegas, fundaram o Centro Psicoterapêutico, no bairro do Carmo, instituição modelada pela psiquiatria psicodinâmica norte-americana. Havia uma unidade de internamento e um hospital-dia. O sucesso de seu trabalho foi imediato e uma leva de sucessivos estagiários por lá passou, recebendo sua influência teórica e prática. Ao mesmo tempo, ele observava que em Minas Gerais ocorria o contrário dos Estados Unidos: enquanto lá a psicanálise reduzia, cada vez mais, sua influência sobre a psiquiatria, aqui ocorria justamente o contrário.  Observou que a velha neuropsiquiatria, de base marcadamente biológica, que ele conhecera antes de se mudar para a América do Norte, sofrera um forte refluxo dando amplo espaço para a influência psicanalítica. Só muito mais tarde, constatou ele, a psiquiatria em Minas Gerais começou uma lenta e progressiva marcha em uma direção mais biológica, já influenciada pelas neurociências. Marcio de Vasconcelos Pinheiro marcou época em nossa psiquiatria deixando um exemplo de trabalho que foi seguido por vários de seus discípulos, entre eles Zuleide Abijaodi e Hélio Lauar de Barros que, mais tarde, fundaram a Central Psíquica, uma unidade de atendimento nos moldes que ele trouxera dos Estados Unidos.
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