An Bras Dermatol. 2006;81(2):111-26.
Sífilis: Diagnóstico, tratamento e controle
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nas 0,1 a 0,2
μm de espessura. Não possui membrana
celular e é protegido por um envelope externo com
três camadas ricas em moléculas de ácido N-acetil
murâmico e N-acetil glucosamina. Apresenta flagelos
que se iniciam na extremidade distal da bactéria e
encontram-se junto à camada externa ao longo do
eixo longitudinal. Move-se por rotação do corpo em
volta desses filamentos
18-21
(Figura 2).
O
T. pallidum não é cultivável e é patógeno
exclusivo do ser humano, apesar de, quando inocula-
do, causar infecções experimentais em macacos e
ratos. É destruído pelo calor e falta de umidade, não
resistindo muito tempo fora do seu ambiente (26
horas). Divide-se transversalmente a cada 30 horas.
18-21
A pequena diferença de densidade entre o
corpo e a parede do
T. pallidum faz com que seja pre-
judicada sua visualização à luz direta no microscópio.
Cora-se fracamente; daí o nome pálido, do latim
pal-
lidum.
O genoma do
T. pallidum subsp pallidum foi
recentemente seqüenciado. É um cromossoma circu-
lar de 1138006bp (bases de pares) e com 1041ORFs
(fase de leitura aberta/
open reading frame). É limita-
da a capacidade de biossíntese, e por isso, prefere
locais com baixo teor de oxigênio e apresenta poucos
componentes protéicos em sua parede externa.
18
ETIOPATOGENIA
A penetração do treponema é realizada por
pequenas abrasões decorrentes da relação sexual.
Logo após, o treponema atinge o sistema linfático
regional e, por disseminação hematogênica, outras
partes do corpo. A resposta da defesa local resulta em
erosão e exulceração no ponto de inoculação,
enquanto a disseminação sistêmica resulta na produ-
ção de complexos imunes circulantes que podem
depositar-se em qualquer órgão.
Entretanto, a imunidade humoral não tem
capacidade de proteção. A imunidade celular é mais
tardia, permitindo ao
T. pallidum multiplicar e sobre-
viver por longos períodos.
TRANSMISSÃO
A sífilis é doença transmitida pela via sexual
(sífilis adquirida) e verticalmente (sífilis congênita)
pela placenta da mãe para o feto. O contato com as
lesões contagiantes (cancro duro e lesões secundá-
rias) pelos órgãos genitais é responsável por 95% dos
casos de sífilis.
Outras formas de transmissão mais raras e com
menor interesse epidemiológico são por via indireta
(objetos contaminados, tatuagem) e por transfusão
sangüínea.
22
O risco de contágio varia de 10% a 60% confor-
me a maioria dos autores.
5,13,22
CLÍNICA
A história natural da doença mostra evolução
que alterna períodos de atividade com características
clínicas, imunológicas e histopatológicas distintas
(sífilis primária, secundária e terciária) e períodos de
latência (sífilis latente). A sífilis divide-se ainda em sífi-
lis recente, nos casos em que o diagnóstico é feito em
até um ano depois da infecção, e sífilis tardia, quando
o diagnóstico é realizado após um ano.
SÍFILIS PRIMÁRIA
A lesão específica é o cancro duro ou protos-
sifiloma, que surge no local da inoculação em média
três semanas após a infecção. É inicialmente uma
pápula de cor rósea, que evolui para um vermelho
mais intenso e exulceração. Em geral o cancro é
único, indolor, praticamente sem manifestações
inflamatórias perilesionais, bordas induradas, que
descem suavemente até um fundo liso e limpo, reco-
berto por material seroso. Após uma ou duas sema-
nas aparece uma reação ganglionar regional múltipla
e bilateral, não supurativa, de nódulos duros e indo-
lores (Figura 3).
Localiza-se na região genital em 90% a 95% dos
casos. No homem é mais comum no sulco balanopre-
pucial, prepúcio, meato uretral ou mais raramente
intra-uretral. Na mulher é mais freqüente nos peque-
nos lábios, parede vaginal e colo uterino.
Assintomático, muitas vezes não é referido. As locali-
zações extragenitais mais comuns são a região anal,
boca, língua, região mamária e quirodáctilos. O can-
cro regride espontaneamente em período que varia
de quatro a cinco semanas sem deixar cicatriz.
19,20,23
A ausência de lesão primária
geralmente decor-
ria de transfusões com sangue infectado (sífilis deca-
F
IGURA
2:
Treponema pallidum: desenho esquemático.
In: Trabulsi.
Microbiologia
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Avelleira JCR, Bottino G.
An Bras Dermatol. 2006;81(2):111-26.
pitada). O chamado cancro misto de Rollet é o resul-
tado da infecção conjunta com o
Haemophilus ducre-
yi (cancro mole).
19
O Ministerio da Saúde (MS) preconiza, nos
locais em que não haja possibilidades de diagnóstico
laboratorial, uma abordagem sindrômica das lesões
ulceradas com o tratamento simultâneo das possibili-
dades diagnósticas.
16
SÍFILIS SECUNDÁRIA
Após período de latência que pode durar de
seis a oito semanas, a doença entrará novamente em
atividade. O acometimento afetará a pele e os órgãos
internos correspondendo à distribuição do
T. palli-
dum por todo o corpo.
Na pele, as lesões (sifílides) ocorrem por surtos
e de forma simétrica. Podem apresentar-se sob a
forma de máculas de cor eritematosa (roséola sifilíti-
ca) de duração efêmera. Novos surtos ocorrem com
lesões papulosas eritêmato-acobreadas, arredonda-
das, de superfície plana, recobertas por discretas
escamas mais intensas na periferia (colarete de Biett).
O acometimento das regiões palmares e plantares é
bem característico (Figura 4). Algumas vezes a desca-
mação é intensa, atribuindo aspecto psorisiforme às
lesões. Na face, as pápulas tendem a agrupar-se em
volta do nariz e da boca, simulando dermatite sebor-
réica (Figura 5). Nos negros, as lesões faciais fazem
configurações anulares e circinações (sifílides elegan-
tes) (Figura 6). Na região inguinocrural, as pápulas
sujeitas ao atrito e à umidade podem tornar-se vege-
tantes e maceradas, sendo ricas em treponemas e alta-
mente contagiosas(condiloma plano). Na mucosa
oral, lesões vegetantes de cor esbranquiçada sobre
base erosada constituem as placas mucosas, também
contagiosas.
Em alguns pacientes estabelece-se alopecia
difusa, acentuada na região temporoparietal e occipi-
tal (alopecia em clareira). Pode ocorrer ainda perda
dos cílios e porção final das sobrancelhas. Mais rara-
mente nessa fase são descritas lesões pustulosas, foli-
culares e liquenóides.
O secundarismo é acompanhado de poliadeno-
megalia generalizada. A sintomatologia geral é discre-
ta e incaracterística: mal-estar, astenia, anorexia, febre
baixa, cefaléia, meningismo, artralgias, mialgias,
periostite, faringite, rouquidão, hepatoesplenomega-
lia, síndrome nefrótica, glomerulonefrite, neurite do
auditivo, iridociclite.
A presença de lesões pápulo-pustulosas que
evoluem rapidamente para necrose e ulceração, apre-
sentando muitas vezes crostas com aspecto osterifor-
me ou rupióide, acompanhadas de sintomatologia
geral intensa, representa uma variante descrita como
sífilis maligna precoce (Figura 7).
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IGURA
3: Sífilis primária – cancro duro
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IGURA
4: Sífilis secundária - lesões palmares
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IGURA
5: Sífilis secundária
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