Tiragem: um termômetro da evoluçÃo do contrato de leitura – o caso da concorrência “a gazeta” e “a tribuna” de vitória-es (brasil)



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RESUMO

Título: O POSICIONAMENTO DISCURSIVO DE "A GAZETA" E "A TRIBUNA" (VITORIA-ES / BRASIL): UMA EXPLICACAO PARA ENTENDER A EVOLUCAO DE SUAS TIRAGENS

Autor: Giovandro Ferreira / Universidade Federal do Espírito Santo / Brasil

Este trabalho busca explicar a evolução da tiragem dos dois jornais da cidade de Vitória (Brasil) pela análise de discurso, mais especificamente pela noção de contrato de leitura, forjada sobretudo pelo teórico Eliseo Veron. O estudo do contrato de leitura, recorre à teoria da enunciação, faz uma análise comparativa entre suportes de imprensa e se atém às diferenças entre os discursos em questão, fruto de suas "invariantes referenciais". A metodologia proposta é utilizada ao longo dos anos 90 e busca explicar a mutação ocorrida na concorrência entre os dois jornais da cidade de Vitória – “A Gazeta” e “A Tribuna” – onde o primeiro tinha uma tiragem, no início do anos 90, que ultrapassava o triplo do concorrente e os dois jornais chegam no final da décadas com uma tiragem média equivalente.


O POSICIONAMENTO DISCURSIVO DE "A GAZETA" E "A TRIBUNA" (VITORIA-ES / BRASIL): UMA EXPLICACAO PARA ENTENDER A EVOLUCAO DE SUAS TIRAGENS



Giovandro Marcus Ferreira*

O objetivo deste nosso trabalho foi definido a partir da constatação seguinte: Certos veículos de comunicação, no caso específico certos jornais, se encontram numa situação de concorrência que os leva a produzir conteúdos cada vez mais homogêneos para um público cada vez mais idêntico. Portanto, estes mesmo veículos não obtêm os mesmos resultados ao nível de suas vendas.


Tal constatação nos levou a certas questões: Quais são os indicadores que podem nos explicar as escolhas dos leitores? Em quais níveis poderemos almejar uma análise científica capaz de evidenciar as diferenças desses jornais em concorrência?
As indagações acima motivaram, a um trabalho inicial durante alguns anos em busca de uma metodologia apropriada. A metodologia do posicionamento discursivo, baseada na teoria da enunciação foi um bom ponto de partida, que queremos aqui utilizá-la nos desdobramentos da concorrência dos dois jornais “A Gazeta” e “A Tribuna”, que nos serviram como estudo de caso em anos precedentes.1
Levando em consideração o início dos anos 90, quando “A Tribuna” é incluída no informativo do IVC – Instituto Verificador de Circulação – os dois jornais em questão têm tiragens desiguais. De 1990 à 1994, “A Gazeta” tem uma tiragem média durante a semana de 36.555 exemplares, enquanto “A Tribuna” correspondente de 1991 à 1994 de 11.902 exemplares. Neste período o jornal “A Gazeta” tinha uma liderança incontestável com uma tiragem que correspondia mais do triplo do concorrente, ou seja, “A Tribuna” tinha uma tiragem equivalente a 32,3% de “A Gazeta”.
Em 1996, “A Tribuna” realiza uma reengenharia e muda, entre outras coisas, seu projeto gráfico, atingindo vários aspectos de sua proposta discursiva. A partir de tais mudança, presenciamos um aumento na sua tiragem, enquanto que o concorrente “A Gazeta” mantém sua liderança sem, portanto, conquistar novos leitores. O avanço de “A Tribuna” impulsiona, do seu lado, uma investida de “A Gazeta” em busca de um novo posicionamento discursivo. Em 1998, é o jornal “A Gazeta” que propõe também mudanças nas suas páginas e cadernos.
No início do ano 2000, os dois jornais se encontram numa disputa mais acirrada do que nos anos precedentes. “A Gazeta” e “A Tribuna” têm uma tiragem média de 36 e 35 mil exemplares respectivamente. “A Tribuna” mantém uma tiragem ligeiramente maior nas edições de segunda-feira a sábado. Porém, “A Gazeta” “mantém, do seu lado, uma tiragem elevada na edição de domingo, mesmo tendo ela declinado nos últimos anos, o que faz que este jornal conserve sua liderança, também reduzida, na tiragem média semanal. Buscaremos, neste estudo, mostrar algumas razões, pelo viés das estratégias discursivas, que explicam as mutações da tiragem destes dois jornais.

I. O POSICIONAMENTO DISCURSIVO ENQUANTO CONTRATO DE LEITURA
I.1. Enunciação: em busca das estruturas do discurso
Para responder as questões levantadas, buscaremos utilizar a metodologia proposta por Eliseo Veron, que tem como base o posicionamento discursivo, onde ele utiliza, sobretudo, a teoria da enunciação para edificar a noção de contrato de leitura.
Os dispositivos de enunciação colocam em relevo a maneira como o sujeito de insere na organização da língua. Há o que é dito (enunciado), onde é bastante explorado pela análise de conteúdo e também o fato de dizer (enunciação), onde, por seu lado, conduz a análise à estrutura do enunciado, às modalidades do discurso.
"A teoria da enunciação estuda então de qual maneira o ato de enunciação permite de caracterizar como o individual se insere nas estruturas da língua. Para o enunciador, trata-se de utilizar expressões capazes de isolar, de identificar um objeto ou um grupo de objetos à exclusão de outros."2
Nesta perspectiva de análise, o enunciado é apreendido pelas estruturas enunciativas. Ele é visto através de sua modalidade, pelo viés de sua forma. Toda especificidade de um suporte de imprensa se apoia sobretudo no plano enunciativo. Logo, podemos observar que num mesmo enunciado pode-se construir uma diversidade de modalidades enunciativas, ou seja, a relação entre enunciador e destinatário.
A enunciação sendo o impacto do sujeito nas estruturas da língua, logo o funcionamento enunciativo é operado pela forma dada ao discurso. Os sujeitos se apropriam da língua de formas diferentes, deixando marcas ou traços específicos. Nós podemos apreender as marcas ou traços através de patamares construídos no interior do discursos. O funcionamento discursivo esboça uma certa imagem daquele que fala (enunciador), a imagem “edificada” daquele a quem a fala é endereçada (destinatário) e por conseguinte o elo estabelecido entre estes dois sujeitos do discurso.


  • O lugar daquele que fala (enunciador): a imagem que o enunciador atribui a ele mesmo se desenha segundo a relação que ele cria em relação ao destinatário. Aqui é preciso fazer a distinção entre o enunciador e o emissor “real”. O enunciador é uma entidade discursiva, como também o é o destinatário. Esta diferença evidencia que um mesmo emissor pode ter discursos diferentes, logo de enunciadores também diferentes. Isso se torna claro, quando observamos um mesmo grupo de comunicação que produz diferentes tipos de jornal, construindo assim sujeitos discursivos distintos (enunciadores e destinatários).




  • O lugar daquele a quem o discurso é endereçado (destinatário): o produtor do discurso constrói sua própria imagem e também a imagem do destinatário. Pelo seu discurso, ele “edifica” dois lugares. O “seu” lugar propriamente dito e o lugar do outro, ou seja, o lugar que ele “oferece” ao destinatário.




  • A relação entre o enunciador e o destinatário: tal relação é construída no e pelo discurso. Através dos lugares estabelecidos, pode-se caracterizar as modalidades do elo criado nas implicações construídas no interior do discurso. De acordo com o posicionamento dos sujeitos, pode-se detectar um funcionamento discursivo mais ou menos pedagógico, lugares com simetrias diferenciadas...



II.2. Leitura: um contrato construído pela estruturas do discurso
Eliseo Veron, constrói a noção de contrato de leitura a partir da teoria da enunciação como metodologia para analisar os suportes de imprensa. Segundo Veron, o contrato de leitura dá conta de um elo fundamental que se estabelece entre um suporte de imprensa e seus leitores. Cada suporte de imprensa cultiva, ao longo de sua existência, uma relação que se alimenta de uma permanente negociação com seus leitores. O estudo do contrato de leitura se situa entre os suportes de imprensa e seus leitores através da leitura.
A noção de contrato busca o elo entre a produção e o reconhecimento discursivo, muitas vezes trabalhados e apreendidos de maneira isolada. Este elo entre as duas “partes” em questão é feita pela leitura. No que toca ao nosso estudo, a prática social da leitura liga as “partes” do discurso da imprensa. A leitura, enquanto atividade significante e enquanto processo sociocultural de construção de sentido do texto, é consagrada no contrato de um suporte de imprensa com seus leitores.
"A noção de contrato coloca em destaque sobre as condições de construção do elo que une no tempo um média à seus “consumidores”. Como num caso de uma marca comercial, um média deve administrar este elo no tempo, cuidá-lo e fazê-lo evoluir no seio de um mercado de discurso cada vez mais disputado. O objetivo deste contrato de leitura é de construir e de preservar o habitus de consumo."3
O aspecto peculiar da démarche metodológica do contrato de leitura consiste em colocar em evidência a indeterminação relativa ou o desnível entre a produção do discurso e o seu reconhecimento. Para efetuar esta análise, duas abordagens se articulam: de um lado, a análise dos discurso ou semiológica, e de outro, a análise sociológica qualitativa (entrevistas semi-abertas ou grupos de projeção). Enfim, a leitura se situa como objeto de conhecimento na articulação entre a produção e o reconhecimento do discurso da imprensa.
Aqueles que se interessam pelos médias nas nossas sociedades, ditas industriais avançadas, têm a oportunidade de poder trabalhar, por assim dizer, em “tempo real’ sobre a circulação dos discursos... É a articulação entre a produção e a recepção dos discursos a questão fundamental. Compreender esta articulação constitui hoje, no meio entender, o desafio principal, tanto no plano teórico como no plano da pesquisa aplicada.”4

A análise do contrato de leitura é orientada por um critério comparativo e se atém às diferenças entre os discursos em questão, fruto de suas “invariantes referenciais”. Cada discurso carrega seus traços específicos que mudam lentamente ao longo do tempo. A análise do contrato de leitura busca detectar o conjunto do funcionamento discursivo dos suportes de imprensa baseado nestas “invariantes referenciais”. Para observar estas características dos discursos em questão, é preciso levar em conta três imperativos fundamentais: a regularidade das propriedades descritas (as propriedades não podem ser ocasionais); a diferença obtida pela comparação entre os suportes (as diferenças e as semelhanças regulares forjam a ‘identidade’ ou o contrato de leitura); a sistematização das propriedades exibidas por cada suporte (o contrato de leitura se estabelece a partir de um conjunto de “invariantes referenciais”).5


Assim, a análise de discurso proposta por Veron busca identificar como os suportes de imprensa constróem de forma duradoura as suas matérias significantes, que englobam os aspectos lingüísticos do discurso e também não lingüísticos (ilustrações, diagramação...).6 A evolução do contrato de leitura coloca em evidência a dinâmica dos leitores (suas aspirações, suas expectativas, seus interesses, suas motivações...), as mudanças socioculturais (que modificam também o contrato de leitura) e a situação de concorrência (o comportamento dos concorrência é também um fator de mudança).
Todos os princípios que dinamizam o contrato de leitura fazem que um suporte de imprensa seja tomado numa constante negociação com seus leitores: as propriedades de seu discurso vão depender da aceitação das estratégias de apropriação de seus eventuais leitores. Este elo delicado é então dinamizado pela diferença que existe entre a produção e o reconhecimento do discurso.
A relação entre a produção e o reconhecimento de um conjunto discursivo é e será sempre marcada por uma diferença. Esta diferença constitui o essencial dos discursos sociais. Ela é um aspecto fundamental do discurso social que nega toda análise linear na relação produção e reconhecimento de um discurso, como afirmavam certas análises outrora.7 O estudo do contrato de leitura se firma, então, entre os suportes de imprensa e os leitores pelo viés da leitura, isto é, pelas matérias significantes propostas pelo suporte de imprensa, que supõe uma expectativa dos leitores.

2. O POSICIONAMENTO DISCURSIVO DE “A GAZETA” E “A TRIBUNA” DE 90 À 95
Tanto “A Gazeta” quanto “A Tribuna” são fortemente marcados pela imprensa nacional. A presença desta última salta aos olhos, de imediata, pelo número de colunas de jornalistas de renome nacional publicadas todos os dias, mas igualmente, pelas características que definem a diagramação de ambos os jornais. “A Gazeta” que nas décadas precedentes, era marcada pelos traços da diagramação do “Jornal do Brasil” passa, nos anos 90, a ser mais influencido pela “Folha de São Paulo”. Enquanto “A Tribuna” desenha seus contornos gráficos se identificando com os tabloïdes do sul do país, em especial o jornal “Zero Hora”, do Rio Grande do Sul. Certas mudanças, acompanhando os jornais de maior presença no cenário nacional, se faz necessário, como o número de colunas na páginas, em decorrência das dimensões das peças de publicidade que circulam em vários jornais, sendo elas definidas a partir dos jornais de referência em âmbito nacional.
Observa-se também outros aspectos que os dois jornais de Vitória se assemelham no período de 90-95: As rubricas do caderno principal são similares, a evolução das rubricas do caderno de programação cultural segue a mesma lógica. Outros cadernos suplementares apresentam características idênticas: Os cadernos de televisão (“TV Tudo” de “A Tribuna” e “Revista de Tevê” de “A Gazeta”), os cadernos infantis (“A Gazetinha” e “Tribuninha”), os cadernos especiais...
II.1. Traços das estratégias discursivas na primeira página e nas rubricas
Portanto, tais traços de semelhança não apagam as diferenças, as vezes antagônicas, das estratégias discursivas que compõem o impacto desses dois jornais. O formato do jornal já é uma escolha que constrói sentidos diferentes. “A Gazeta” é em formato standard e “A Tribuna” em formato tabloïde. Todos os dois formatos já emanam sentido vistos pelo viés da história da imprensa. 8
A primeira página construída pelos dois jornais de Vitória são significativas no conjunto das opções discursivas realizado por eles. A primeira página de “A Gazeta” obedece a um estilo clássico. A harmonia é construída pela diagramação dominada pelas linhas horizontais e verticais que organizam, disciplinam os eventos expostos neste espaço. “A Gazeta” avança uma primeira leitura do mundo, organizado e sem grandes contrastes. Esta primeira página é uma zona sem mudanças bruscas, demonstrando que o jornal “controla” o impacto dos eventos selecionados e ressaltados por ele.
Há uma estrutura (caso se pode expressar desta maneira) que aparece estar lá antes mesmo do evento apresentado, ou melhor, existe um suposto saber que controla a “violência” do evento. Esse saber é um elemento constitutivo da relação (contrato) entre “A Gazeta” e seus leitores. A tensão existente nesta maneira de construir o sentido se encontra, então, sobretudo no aspecto do controle efetuado na primeira página dos diferentes eventos apresentados. Tal característica da primeira página de “A Gazeta”, ressalta que entre o jornal e seus leitores, existe um elo que passa por um saber ou um real cultural.
Em contra partida, “A Tribuna” constrói sua primeira página sismográfica ou barroca. Ela parece nascer do impacto ou a fúria do evento. Ela busca ter uma relação direta com o fato ocorrido. A tensão é ampliada pelos mudanças significativas na página, evidenciando contrastes no seu perfil. O jornal assume uma espécie de contato com a realidade, como se seu “real” fosse natural. A primeira página é então uma espécie de espaço onde se realiza a irrupção dos eventos pelo suposto contato direto com a realidade.
Assim, as “vitrines” desses dois jornais se encontram em posições discursivas diferentes e coerentes com seus formatos respectivos: standard e tabloïde. “A Gazeta” com sua primeira página considerada “séria”, “racional” e a outra, de “A Tribuna” tida como “sensacionalista", “emotiva”. Tais coerências se traduzem como pontos fortes em relação ao contrato construído junto aos seus leitores. Ressalta-se também que as notícias mais importantes da primeira página de “A Gazeta” estão encoradas nas rubricas “Política”, “Economia”, tidas como rubricas marcadas por notícias tidas como racionais. Já a primeira página de “A Tribuna” explora também as notícias dessa duas rubricas, mas faz com insistência apelo aos eventos das rubricas “Polícia” e “Cidades”, reforçando assim seu elo assentado sobre os aspectos psico-afetivos.
Todavia, as diferenças observadas na primeira página não se resumem à diagramação e aos apelos feitos à diferentes rubricas. Elas se inscrevem igualmente na enunciação dos títulos. Os efeitos de controle do real na primeira página de “A Gazeta” serão acompanhados por títulos baseados no discurso indireto, principalmente construídos pela estratégia do amálgama, isto é, o jornal domina ou controla igualmente o discurso original. Logo, percebe-se assim diversas matérias significantes que constróem um efeito comum: a partilha de um saber que leva ao domínio do real.
Bush ordena o fim da guerra do Golfe” (AG, 28/02/91)

Pape no Espírito Santo pede uma reforma com profundidade” (AG, 19/10/91)


O gênero discurso indireto transforma o “dizer” em “fazer”, ou melhor, o dizer é fazer. Os verbos de comunicação são substituídos por verbos mistos (“dizer” + “fazer”) e o título do jornal se constitui como um comentário avaliativo. O discurso original ou direto (da fonte) se torna obscuro e o jornal o utiliza como “matéria prima” para seu discurso.9
Os verbos mistos (ameaça, pede, exige, promete...) fazem a estratégia do amálgama uma “transição sem margens detectáveis entre a mimese e a substituição”, como enfatiza Mouillaud. O jornal propõe um título (produto final) após uma retomada do estado da “matéria prima”, numa operação que onde ele parte de uma sinfonia polifônica e a organiza sob o “diapasão” da voz do jornal. Assim, o jornal constrói uma referência homogênea a partir de um conjunto de vozes.
A economia discursiva de “A Gazeta” – jornal de referência – se nutre de uma primeira exigência: é preciso saber escutar todas as vozes, ao mesmo tempo sabendo que existe vozes distintas. A cumplicidade do discurso de referência repousa, inicialmente, sobre este saber que investe sobre a ordem dos eventos. Tal saber partilhado funciona como uma “chave de leitura” come um “passaporte” no passeio que o leitor faz nas páginas dos jornais.

O enunciador não busca uma cumplicidade com seu interlocutor – o destinatário – fora deste saber. O encontro se efetua acerca do saber e do controle do real. Assim, a diagramação evoca e constrói tal sentido, que se reforça com a estratégia do amálgama nos títulos, uma estratégia da distância – enunciação da distância entre os sujeitos discursivos, enunciador e destinatário.


A fotografia se encontra também inserida nesse funcionamento discursivo, sobretudo pela função “de ter estado lá”10, mas sem evidenciar um contato direto com o “vivo” do fato. Poder-se-ia, então, dizer, que o real colocado em relevo não é desse mundo apresentado, mas ele se encontra principalmente no saber partilhado.
Do seu lado, “A Tribuna” constrói um outro tipo de funcionamento discursivo. A diagramação sismográfica da primeira página é acompanhada de títulos que exploram o discurso direto e um enunciador à procura de um interlocutor, ou melhor, de um outro tipo de cumplicidade. O discurso direto destaca o contato do enunciador com o “vivo” do fato. O evento é construído como se ele começasse no momento em que o jornal (na pessoa do jornalista) tomasse o contato com ele.
"Eu matei o padre por loucura" (AT, 09/01/90)
É como se o evento se deslanchasse com o aparecimento do enunciador sobre a cena. Poder-se-ia quase dizer que o evento encontra sua razão de ser no impacto do enunciador sobre a cena. As fotografias testemunhais11 - “de ter estado lá” – adquirem um perfil particular. Neste contexto discursivo, pode-se acrescentar as imagens: “eu estava lá e ele (o fato) estava endereçado a minha pessoa”. Não é também por acaso, que o jornal “A Tribuna” utiliza, com frequência, na sua primeira página o gênero de fotografia “pose”, onde o fotografado evidencia uma cumplicidade com o enunciador.
Tal discurso de “A Tribuna” é centrado numa relação quase sempre assimétrica entre os sujeitos discursivos. Os títulos deste jornal utilizam verbos na segunda pessoa, na forma interrogativa, exclamativa... Eles reclamam por um destinatário, mesmo que seja sob a forma de co-enunciador.12 Estas diferentes modalidades discursivas estão a serviço da construção de uma estratégia pedagógica entre o enunciador e o destinatário. O enunciador tem a necessidade de uma aproximação com o “real” e com o destinatário para que o evento se realize.
Pode-se também observar, nesta estratégia discursiva de “A Tribuna”, outra necessidade de detalhar o evento ou a pluralidade do mesmo numa retórica que desdobra o evento em várias ações e/ou momentos. Tal recurso, faz apelo à ampliação da tensão (ou tensão acrescida) do funcionamento discursivo da primeira página de “A Tribuna”, que representa sobretudo uma cumplicidade partilhada ao nível do emocional, onde o sentido é edificado na relação dos título, subtítulo... Em geral, esta estratégia discursiva solicita ou faz apelo ao destinatário, colocando-o numa relação assimétrica, pois o jornal assume o itinerário de interpretação. Segue, abaixo, um conjunto de títulos de uma manchete que exemplifica modalidade discursiva em questão.
Ninguém está seguro no centro
Bandidos descem o morro” (título principal)
A esplanada capixaba é a área mais crítica. Um carro é roubado a cada meia hora. Colares, relógios e óculos devem ser escondidos. Os guardadores de carro exploram os motoristas” (subtítulo)

Observa-se também que esta procura incessante de “A Tribuna” em busca do impacto com o “real vivo” e com os interlocutores se desenvolve sobre um fundo de mudanças bruscas ao longo do período estudado. As metamorfoses constantes da primeira página deste jornal tem conseqüências sobre o elo com o leitor. Não se pode esquecer que um leitor fiel se tornar fiel a partir do momento que ele sabe o que vai encontrar no seu jornal. Logo, a fidelidade se constrói por viés de uma tradição do quadro discursivo.

A partir do que já foi exposto, duas grandes opções discursivas foram estabelecidas. De um lado, “A Gazeta” com suas características de jornal de “referência” e, de outro, “A Tribuna” como jornal “popular”. Portanto, estas grandes categorias são bastante vastas para explicar o insucesso ou o sucesso destes jornais. Porém, avançando nossa análise sobre outros aspectos discursivos de ambos jornais, certas características emergem na configuração de seus contratos de leitura, evidenciando algumas contradições no período estudado, principalmente no que toca ao jornal “A Tribuna”.

Há uma contradição em duas escolhas discursivas de “A Tribuna”. As rubricas mais solicitadas na primeira página (de 90 a 95) não foram as rubricas privilegiadas na hierarquia do caderno principal. As duas rubricas que dominaram, quase com exclusividade, nas manchetes foram “Polícia” e “Esportes”, que se encontram no final do caderno, na penúltima e última posições respectivamente. A rubrique “Política”, que durante o período analisado, ocupou a primeira posição na hierarquia do caderno principal, foi ignorada na primeira página e considerada (pelos responsáveis do jornal, segundo eles, baseado em pesquisa de opinião) como uma rubrica que não incitava à leitura.


Assim, constata-se contradições de “A Tribuna” na configuração de suas estratégias discursivas. Ela constrói seu “leitor ideal” de maneira difusa, no momento que as partes que compõem seu discurso têm prioridades diversas. A primeira página de “A Tribuna” pede uma outra hierarquia de rubricas e vice-versa. As contradições não param nos aspectos até então destacados. As rubricas “Polícia” e “Esportes”, que foram privilegiadas na primeira página, tiveram, no mesmo período, seus espaços ocupados, no interior do caderno principal, estagnado (no caso da rubrica de “polícia”) e diminuído (no caso da rubrica de “Esportes). Esta estagnação e diminuição dos espaços ocupados ocorreram durante o período em que todas outras rubricas tiveram um aumento de suas superfícies no interior do caderno principal. Estas outras rubricas são igualmente privilegiadas por uma presença acentuada de colunas de jornalistas com renome nacional. Enfim, as prioridades expressas na primeira página de “A Tribuna” não são as mesmas encontradas no interior do caderno.
No que toca “ A Gazeta”, observa-se uma maior coerência discursiva que representa um ponto forte na configuração de suas estratégias ou contrato de leitura. As principais rubricas solicitadas na primeira páginas, as manchetes principalmente, são as mesmas encontradas em situação privilegiadas na classificação no interior do caderno principal, como também na superfície ocupada. Ao longo do período analisado, a rubrique “Economia” é bastante presente nas manchetes da primeira página, ao mesmo tempo, em que ela sobe na hierarquia das rubricas (ocupava a terceira posição, passando a ocupar a segunda, logo após a rubrica de “Política”) e vê também sua superfície aumentar.
Se a comparação for vista pelas rubricas e cadernos expostos por estes dois jornais, assim como suas estratégias títulos, fotografias..., pode-se perceber os contornos edificados do leitor “tipo” ou “ideal”. Ambos os jornais, sobretudo “A Gazeta” constrói pelo discurso um leitor do sexo masculino, habitante da aglomeração de vitória (mesmo se eles pretendem ser jornais de todo Estado do Espírito Santo) e de idade média (em torno de 30 a 50). “ A Gazeta” conserva uma opção mais clara junto ao leitor “tipo” de classe média nas suas várias estratégias discursivas. Todavia, o mesmo não ocorre com seu concorrente “A Tribuna”. Certas de suas estratégias constróem um leitor “tipo” de classe média (por exemplo, o caderno de programação cultural – AT2) e outras edificam um outro perfil de leitor, mais popular, como é o caso de sua primeira página. O leitor “tipo” de “A Tribuna” se torna difuso quando leva-se em consideração várias de suas estratégias discursivas.13
Outras contradições podem ainda ser notadas nas estratégias de “A Tribuna”. Este jornal explora sobre a sua primeira página mulheres trajando peças sumárias, com fortes apelos eróticos. Na mesma edição, ele tem a ambição de seduzir as crianças, com seu caderno infantil “Tribuninha” e a família com rubricas como “Curtindo em casa”. Tais estratégias reforçam disparidades entre seus objetivos, fazendo do seu contrato de leitura proposto uma sinfonia em desarmonia, esgarçando assim um suposto leitor “tipo”.


II.2. Estratégias pela proposta dos cadernos

A evolução dos cadernos suplementares oferece também aspectos construídos pelo discurso dos dois jornais. “A Tribuna” não responde aos imperativos da segmentação adotados a partir desses cadernos. O jornal “A Tribuna” tem uma investida deficiente e turbulenta acerca dos cadernos suplementares no início dos anos 90. Durante um período, ele só tem dois cadernos suplementares. Os dois cadernos se concentravam na edição de Domingo “TV Tudo” e “Tribuninha”. Ainda mais esses cadernos tiveram suas edições suspendidas durante um certo tempo, sobretudo o caderno “Tribuninha” suprimido durante vários anos.14


“A Gazeta” adotou uma outra investida nesses mesmos anos. No final dos anos 80, ele havia três cadernos suplementares cotidianos (principal, “Classificados” e “Caderno Dois”) e outros três semanais (“Estado”, “A Gazetinha” e “Revista Tevê”). O caderno “Estado”, que era dedicado aos municípios do interior do Espírito Santo deixou de circular.15 Porém, os outros cadernos nunca foram suprimidos e ao longo dos anos analisados, houve uma investida na criação de novos cadernos (“Veículos”, “Turismo”, “Informática”...). “A Gazeta” vai então construir uma estratégia em torno dos cadernos suplementares em busca da fidelidade de seus leitores ao longo das edições de cada dia da semana. O comportamento de “fidelidade relativa” levou este jornal a diversificar suas edições sem perder de vista seu leitor “tipo”. A variação de tiragem segundo o dia da semana sublinha bem este comportamento dos leitores.
Durante este mesmo período, “A Tribuna” não publicou novos cadernos e um dos seus cadernos cotidianos – classificados – desapareceu durante um ano (entre 90-91). É preciso acrescentar que este caderno não representava uma verdadeira concorrência para o similar de “A Gazeta”, tendo em vista que ele correspondia apenas 10% do número de anúncio do caderno do jornal concorrente, para uma tipo de caderno onde a quantidade de anúncios é um elemento fundamental importância.
Há um aspecto que marca uma diferença na evolução discursiva desses dois jornais de 90 à 95. Nas suas mudanças discursivas, “A Gazeta” e “A Tribuna” são sensíveis à modernização tecnológica, porém no que toca à preocupação de elo que os une ao leitor, “A Tribuna” leva pouco em consideração a importância desta relação. Ele esquece ou não percebe que a fidelidade de um leitor é sobretudo baseada na sua identificação com as superfícies significantes propostas ao longo dos tempos pelo jornal.
“A Gazeta” é mais atenta a este fator importante. Há um processo de introdução e de permanência de cadernos e rubricas, que pode ser trazido como uma persistência necessária no que toca as exigências diacrônicas da relação com o leitor. Observa-se que tal atenção leva “A Gazeta” a colocar em relevo os elos frutíferos desta relação, transformando uma coluna em rubrica ou uma dessas duas em caderno suplementar. Em caso contrário, onde tal relação não tem grandes êxitos, o caderno ou rubrica é raramente suprimido sumariamente, mas amenizado no conjunto das estratégias discursivas.
Se um jornal não leva em conta o elo que ele estabelece com o leitor pelo discurso, ele se torna facilmente voluntário na construção de suas diferentes estratégias. Ele se comporta como se o leitor fosse se declinar às vontades discursivas do jornal. Assim, muitas vezes, na frénésie para identificar-se com os jornais nacionais, os dois jornais de Vitória, principalmente “A Tribuna”, perdeu certos referenciais de seus próprios discursos e por conseguinte, os referenciais que nutriam sua relação com os leitores. A perda de conhecimento de tais referências discursivas provoca inevitavelmente o desgaste do elo que o liga aos leitores.
Enfim, é sempre bom lembrar que “o leitor fiel o é porque ele sabe de antemão qual o tipo de discurso ele vai encontrar”.16 Quando um jornal se torna uma usina de mudanças, como um dos responsáveis de “A Tribuna” definiu as sucessivas modificações no discurso desse jornal17, o leitor desaparece como um ator balizador na formulação das estratégias discursivas propostas. O leitor torna-se um desconhecido na elaboração discursiva e o suporte de imprensa um estranho nas expectativas e hábitos de um conjunto de leitores. Parafraseando um velho ditado brasileiro, pode-se afirmar: :"Um leitor insatisfeito não leva desaforo pra casa, nem tampouco o jornal”.
Esta perspectiva de nutrir o elo com os leitores foi uma preocupação tida mais em conta pelo jornal “A Gazeta”. Assim, seu contrato de leitura se apresenta com mais pontos fortes do que seu concorrente “A Tribuna” ao longo dos anos 90-95. Este comportamento acompanhou “A Gazeta”, quando ele mantinha uma liderança folgada no que toca sua tiragem, porém em 96 o jornal “A Tribuna” muda seu discurso, em busca dos elos perdidos ou difusos de sua história com seus leitores e público almejados.

III. “A TRIBUNA”: EM BUSCA DE UMA MAIOR COERÊNCIA DISCURSIVA
Entre os anos 95/96, mais precisamente a partir de novembro de 95, o jornal “A Tribuna” reaparece, em cores, com nova apresentação e estratégias discursiva. Várias de suas contradições de seu discurso vão ser amenizadas ou suprimidas. Relataremos, a seguir, algumas destas mudanças, principalmente aquelas que estão em sintonia com a exposição que fora acima esboçada.
A primeira página, agora em cores, passa a ter uma persistência não conhecendo mais as constantes metamorfoses do passado, que durante o período de um ano a primeira página conheceu seis diferentes perfis. As cores são contrastantes, as fotografias mais abertas evidenciando a grande manchete do dia e se aproximando a uma diagramação de revista, com fotografias trabalhadas e a dominância de ícones. Sem deixar suas características populares, as cores na capa, sobretudo nas fotografia, ofereceram um maior toque de elegância. A fotografia da manchete passa a ocupar em torno de ¼ da página. Os eventos ligados às rubricas de “Polícia”, “Cidades” e “ Esportes” continuam em voga, além de outros que tocam à rubrica “Economia”, principalmente com temas considerados relevantes da economia popular.
As mudanças são melhores vistas quando a capa é articulada com outros aspectos do discurso deste jornal. A hierarquia das rubricas do caderno principal sofreu mudanças. A primeira rubrica foi criada sob o nome de “reportagem especial”, que corresponde a machete da primeira página e ocupa, em geral, as duas primeiras páginas do interior do jornal (páginas 2 e 3).Percebe-se, de antemão, uma articulação entre estes dois segmentos do discurso de “A Tribuna”.
A ordem de outras rubricas segue da maneira seguinte: “Cidades” (conhecida em outros jornais como “Geral”, “Local”...), “Polícia”, “Economia”, “Política”, “Internacional” e “Esportes”. Nota-se que a hierarquia é também acompanhada pela superfície ocupada por cada uma das rubricas. Logo, uma correspondência desdobrada entre os destaques da primeira página, a hierarquia da rubricas e as superfícies ocupadas por estas rubricas.
Um erro crasso que era cometido por “A Tribuna” foi também suprimido nesta nova etapa. A edição de segunda-feira passou a existir. Até então, depois de 88, quando o jornal voltou às bancas, ele tinha 6 edições semanais, de terça-feira a domingo. Porém, como já fora dito, os eventos ressaltados pelo jornal eram das rubricas “Polícia” e “Esportes”, cujos temas que estão em evidência na segunda-feira, pois o dia precedente – domingo - concentra várias disputas esportistas e existe também o hábito de fazer um balanço dos ato violentos do final de semana (mortes, assaltos, crimes, acidentes...).
Os cadernos suplementares, ao longo desses últimos anos, foram também consolidados pelo jornal “A Tribuna”. Toda edição contém o caderno principal, o AT2 (caderno de programação cultural) e o “Classifácil”18. Além destes 3, a edição de domingo conta com o caderno “Jornal da Família”, “TV Tudo”. Outras edições da semana também foram enriquecidas com novos cadernos, como na edição de segunda-feira com o caderno de “Informática”, de quarta-feira com o caderno “Sobre Rodas”, de sábado com o caderno “Tribuninha”... É bom também ressaltar, que a maioria destes cadernos suplementares, dos dois jornais, servem sobretudo de “âncora” para os classificados, pequenos anúncios. Em geral, o material jornalístico destes cadernos é de baixa qualidade, marcados por um tom promocional, com colorações do discurso publicitário.
Além desses recursos discursivos de “A Tribuna”, é importante dizer que tais mudanças foram acompanhadas por uma forte campanha de brindes. A mais conhecida foi “Tribuna dá de 10”, onde os compradores do jornal concorriam a 10 carros sorteados ao longo dos meses. Estes brindes, também conhecidos como “anabolizantes”, não foram únicos, já que o jornal “A Tribuna” teve uma preocupação em reforçar suas edições com mapas, posters... Neste crescimento da tiragem de “A Tribuna” nem sempre é fácil, como também de outros jornais, saber a diferença entre os compradores e os leitores de jornal. Nem tampouco, de mesurar a consistência de sua tiragem média, caso suas edições não estivessem sendo aquecidas pelos inúmeros brindes.
Porém, o que se assiste, depois de 96, foi um crescimento importante da tiragem de “A Tribuna” onde suas novas estratégias discursivas foram enriquecidas pelos brindes e por uma melhor e mais vasta distribuição. Todas estas investidas levaram seu concorrente “A Gazeta” a também implementar novas mudanças nas suas estratégias discursivas.


IV. “A GAZETA”: A PROCURA DE SUA (TRANQUILA) LIDERANÇA PERDIDA

“A Gazeta” muda o seu projeto gráfico em maio de 99. A verdade é que ele já vinha fazendo modificações menores, até chegar a nova apresentação de maior envergadura, anunciada com antecedência, através de anúncios publicitárias.


A primeira página, como do seu concorrente “ A Tribuna”, passa a ser apresentada com uma maior presença das ilustrações, sobretudo, as fotografias. Conservando suas características descritas anteriormente, de uma primeira página clássica, “A Gazeta” investe na abertura das fotografias e nas cores. Uma leveza maior acompanha a primeira página, como também outras páginas no interior do caderno principal.
O jornal conserva sua hierarquia de rubricas no caderno principal, porém este caderno foi desmembrado da seguinte maneira. Ao longo da semana o caderno principal é subdivido em dois segmentos ou duas “dobras”. No primeiro segmento, após a primeira página, vêm as rubricas “Política”, “Opinião”, “Economia” “Brasil” e “Internacional”. No segundo segmento se têm as rubricas “Grande Vitória”, “Estado”, “Polícia” e “Esporte”. Na edição de domingo, sendo o jornal maior em número de páginas, o caderno principal é subdividido em três segmentos.
Em relação aos outros cadernos, os suplementares, “A Gazeta” continua na sua perspectiva de ter ao longo da semana sempre um caderno diferente acompanhando o caderno principal, o "Caderno Dois” e o "Classificados": “Informática”, “Veículos”, “A Gazetinha”, “Turismo”... Em relação aos cadernos suplementares a “Gazeta” implantou, mais cedo que seu concorrente, a maneira de ter cada edição um novo caderno, preocupado com o comportamento da “fidelidade relativa” dos leitores que compram em bancas.
Porém, com o crescimento da tiragem de “A Tribuna”, o que se percebe é uma mudança de “A Gazeta”, onde este jornal passa a concorrer com o rival, adquirindo algumas de suas características. Um aspecto presente no seu novo comportamento discursivo é uma maior frequência de manchetes de “Polícia” e de “Economia”, sobretudo em relação aos temas de relevância na economia popular (aumento de preços de água, alimentos...), em detrimento de temas ligados à rubrica de “Política”, que outrora eram mais solicitados.
Não só observa-se uma mudança na temática como também nas modalidades enunciativas dos títulos da manchete se aproximam do estilo do jornalismo “popular” em geral, e do estilo de “A Tribuna” em particular. A manchete da edição do dia 18/01/2000 é um exemplo desta nova estratégia discursiva de “A Gazeta”.
AMEAÇAS DE MORTE E ROLETA RUSSA, DEPOIS DE SEQÜESTRO EM CAMBURI
Casal vive 5 horas de terror durante assalto (título principal)
Jeferson estava ensinando a noiva a dirigir, quando ladrões abordaram o casal, levando-o para Serra (subtítulo)
Até, então esta modalidade de títulos era encontrado nas manchetes de “A Tribuna”. “A Gazeta” passa, então, a propôs na sua estratégia discursiva um jogo de interpretação entre os elementos da manchetes, em especial, o que se chama em francês “titraille”, ou seja o conjunto de títulos de um evento.
Esta modalidade de títulos explora o tempo presente que é forte em “tensão”, segundo Weinrich, e ainda, ele avança reforçando e intensificando a relação entre os sujeitos discursivos.19 Um dos recursos é o desdobramento das ações no presente. A “tensão” é colocada em diferentes frentes do evento. Os títulos retratam uma sucessão de ações. Há um efeito de multiplicação da “tensão” ou uma “tensão em cadeia”.
A utilização desses componentes da “titraille” está a serviço de um atitude pedagógica onde o enunciador assume a interpretação do evento. O jornal propõe um “percurso” de interpretação do evento. Os títulos podem ser vistos pela articulação entre eles através de “logo”, “porque”... segundo o sentido da leitura. O leitor tem diante dele um “esquema” de compreensão de leitura proposto pelo jornal. A relação entre os títulos constrói um quadro de expansão “aspectorial”. Um dos títulos dá o impacto da ação, um outro realiza a contextualização e outro detalha as ações. Assim, “A Gazeta” vai também construindo títulos na ótica da pluralidade do mesmo, como fora observado anteriormente, como uma estratégia discursiva de seu concorrente.
Este é um dos aspectos que, no conjunto das estratégia de “A Gazeta”, constata-se contradições provocada pelo impacto do crescimento do concorrente. As manchetes, por conseguinte a primeira página, vão migrando para um estilo ‘popular’ enquanto, no interior do caderno, um outro estilo e prioridades são edificados. A impressão que se tem é que ambos os jornais perde a noção de seus leitores no momento em que o concorrente muda de estratégia e avança na sua tiragem. Tal situação se dava, em relação ao jornal “A Tribuna” quando ele tinha aproximadamente 1/3 da tiragem de “A Gazeta”.
Em ambos os casos, o comportamento do concorrente em uma suposta vantagem desestabiliza a relação do outro jornal com seus leitores. Isso sempre acontece, já que se ressalta o comportamento dos concorrentes como um dos critérios para conhecer o diversos posicionamento discursivo numa zona de disputa. Porém, no caso desses dois jornais suas estratégias discursivas parecem ser norteadas com mais afinco pelos êxitos conquistado do concorrente, e não tanto pelo o que fora cultuvado ao longo dos anos junto aos leitores. Provavelmente, o que está no fundo deste comportamento, é a busca incessante dos recursos do mercado de grandes e pequenos anúncios, cuja uma melhor colocação em relação ao seu rival, é um fator que implica implica em dividendos financeiro. Tal busca em vez de ser complementar a outra cultivada junto ao leitor, as vezes, ela é feita em exclusividade, fragmentando os frágeis elos construídos pelas estratégias discursivas. Uma démarche junto a estes dois públicos, que tem características e exigências próprios, é um desafio para qualquer jornal, em especial na disputa dos dois de Vitória, onde percebe-se que uma posição desfavorável leva o suporte de imprensa a desconhecer as estratégias discursivas construída por ele ao longo dos anos.
Após estas tentativas desarticuladas “A Gazeta” não viu sua tiragem aumentar, mesmo tentando também reforçar suas vendas pelo viés dos brindes, “anabolizantes”. Muitos dos “arquitetos” de tais mudanças foram despedidos e o jornal projeta uma nova fase de sua concorrência com a criação de um novo jornal. Este novo suporte de imprensa teria um estilo popular nas suas estratégias discursivas, no seu preço... Com aparecimento de um novo concorrente, a zona de disputa será reconfigurada e os dois atuais jornais de Vitória buscarão novas estratégias discursivas. Porém, esta nova etapa da concorrência dos jornais de Vitória está ainda em gestação.

BIBLIOGRAFIA

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* Professor Adjunto no Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo e Doutor em Ciências da Informação pelo Instituto Francês da Imprensa e Comunicação – Universidadade Paris II.

1 FERREIRA, Giovandro Marcus, Le contrat de communication des deux quotidiens “A Gazeta” et “A Tribuna” de la ville de Vitória (Espírito Santo-Brésil) de 1988 à 1993, Paris, Université Paris II – Institut Français de Presse et Communication (Tese de Doutorado), março de 1997.


2MAINGUENEAU, D., Approche de l'énonciation en linguistique française, Paris, Hachette Université, 1981, p. 9.


3VERON, E., "Les médias en réception: les enjeux de la complexité", in Médias pouvoirs, n° 21, Paris, Bayard Presse, janvier-février-mars, 1991, p.168.

4VERON, E., "Les médias en réception: les enjeux..op. Cit, p. 167.


5 VERON, E., “L’analyse du ‘contrat de lecture’: pour une nouvelle méthode pour les études de positionnement des supports presse”, in Les médias, expériences, recherches actuelles, applications, Paris, IREP, 1983.


6 Eliseo Veron também chama de ‘matérias lingüísticas’ e ‘matérias não lingüísticas’

7 VERON, E., La semiosis sociale – fragments d’une théorie de la discursivité, Saint-Denis, Presse Universitaires de Vincennes, 1987.


8A análise do contrato de leitura coloca em relevo as significações das diversas escolhas de um jornal no que toca à construção de seu discurso. Isto é, "o jornal que é um intertexto, tem necessidade de referências, que por sua vez, estando incorporado ao seu texto, adquire uma função específica." MOUILLAUD, M., Le journal un texte sous tension, in Textologie du journal, Paris, Minard, 1990, p. 144.

9MOUILLAUD, Maurice et TETU, Jean-François, Le journal quotidien, Lyon, Presses Universitaires de Lyon, 1989.


10 BARTHES, Roland, "Rhétorique de l'image", in Communications, n° 4, Paris, Seuil, 1964, p. 40-51.


11 VERON, Eliséo, De l'mage sémiologique aux discursivités, in revue Hèrmes, N° 13-14, Paris, CNRS Editions, 1994, p. 45-64.


12 "...a construção do co-enunciador introduz uma indeterminação fundamental quanto aos valores de verdade desses enunciados, na medida onde esses valores não podem mais ser considerados como inteiramente “assumidos” por um único enunciador (tanto objetivamente quanto subjetivamente).” VERON, Eliseo e FISHER, Sophie, "Théorie de l'énonciation et discours sociaux", in Etudes de Lettres, Lausanne, octobre-décembre 1986, p. 76.

13As dificuldades em almejar um leitor “tipo” estava também presente nas diversas entrevistas que foram realizadas junto aos responsáveis do jornal “A Tribuna”. Quando tais dirigentes eram questionados sobre o leitor “ideal” que eles buscavam construir se obteve uma variação que ia da classe A a D. Em contra partida, os dirigentes de “A Gazeta” eram unânimes: um homem, de classe média, mais para conservador, interessado no bem comum. O editor chefe da época, resumiu bem tal questão: "nosso leitor é um cidadão de classe média, sério, preocupado com sua família e com sua região... Ele não é estremista na política... Ele está mais para uma posição politicamente correta." Entrevista com o jornalista Paulo Torre, janvier 95.


14 Segundo editores de “A Tribuna”, o caderno “TV Tudo” reapareceu, após alguns meses de supresão, em decorrência de inúmeras reclamações de assinantes.

15 É importante ressaltar que mesmo com o desaparecimento do caderno “Estado”, os dirigentes de “A Gazeta” tiveram a astúcia de não abandonar a temática abordada no caderno em questão. O fim do caderno suscitou a criação da rubrica “Estado” no caderno principal. Mais tarde tal rubrica se transformou numa coluna com o mesmo nome. Mesmo sendo um número reduzido de leitores interessados acerca dos assuntos do interior do Estado, eles foram conservados segundo esta perspectiva de mudanças sem grandes rupturas no proposição discursiva.

16 VERON, Eliseo, “L’analyse du ‘contrat de lecture’: pour une nouvelle méthode pour les études de positionnement des supports presse”, op. cit.

17


 Francisco Borges, responsable de la rubrique «Opinion» de «A Tribuna», février 95.

18 O caderno “Classifácil” é incorporado a um outro caderno durante dias considerados fracos em pequenos anúncios, como por exemplo, na segunda-feira. Ele se torna uma ou duas páginas de um outro caderno.

19 WEINRICH, Harald, Le temps, Paris, Seuil, 1973.





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