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Quando Eikhenbaum ([1925] 1973, p. 4) afirma não existir uma ciência completa, pois
“a ciência vive enquanto supera os erros, e não enquanto estabelece verdades”, é preciso que
nos atenhamos ao fato de que esse seu artigo, de onde se extrai a frase acima, entra já como
uma quase defesa das distorções a que se viram expostos os integrantes da OPOIAZ no
alcance de seus pensamentos sobre a ciência literária. Assim sendo, a frase visa reafirmar que
o intento desses jovens cientistas literários de 1914 a 1917 não era o estabelecimento de um
método, de uma metodologia formal imutável. Em verdade, a grande preocupação dos jovens
“formalistas” era para com o devido destaque às características intrínsecas de uma obra de
literatura. Tal preocupação perpassa toda a trajetória formalista e é estrategicamente retomada
e reiterada por Eikhenbaum, quem, nesse mesmo texto de 1925, “A teoria do ‘método
formal’”, faz um apanhado das teorizações, por exemplo, de membros como V. Chklovski e
V. Jirmunski para reforçar que o principal objetivo da corrente de estudos da forma na
literatura
não é o formalismo enquanto teoria estética, nem uma metodologia representando
um sistema científico definido, mas o desejo de criar uma ciência literária autônoma
a partir das qualidades intrínsecas do material literário. Nosso único objetivo é a
consciência teórica dos fatos que se destacam na arte literária enquanto tal
(EIKHENBAUM, [1925] 1973, p. 5).
A fixação de suas posições era algo merecedor de relevo, algo que importava ser
demarcado pela repetição. Dessa forma, mais adiante, o teórico reforça seu discurso ao
afirmar: “Estabelecíamos e estabelecemos ainda como afirmação fundamental que o objeto da
ciência literária deve ser o estudo das particularidades específicas dos objetos literários,
distinguindo-os de qualquer outra matéria” (EIKHENBAUM, [1925] 1973, p. 8). Ainda
assim, apresentados e desenvolvidos seus argumentos, o referido autor não se furta de, uma
vez mais, após elencados e devidamente abordados os trabalhos de seus contemporâneos,
reapresentar o cerne da questão “formalista”, de novo a necessidade de detenção daquela que,
apoiada à busca de um novo sentido da noção de forma, talvez fosse a marca maior, quem
sabe a principal bandeira do movimento:
A partir dos estudos citados, é possível darmo-nos conta de que os principais
esforços dos formalistas não se conduziam para o estudo da chamada forma, nem
para a construção de um método particular, mas de que eles visavam estabelecer a
tese segundo a qual devemos estudar os traços específicos da arte literária
(EIKHENBAUM, [1925] 1973, p. 15).
No entanto, de todos os argumentos retomados, talvez o mais expressivo seja o de
outro coetâneo do grupo, Roman Jakobson, pois é dele o termo que daria contornos mais
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significativos à proposta de uma noção que melhor apresentasse, mais bem definisse um
caráter específico, próprio, o das particularidades inerentes à obra literária. Extrai-se de
Jakobson o célebre trecho de sua Noviéichaia rúskaia poesia – nabrossok piérvi (A novíssima
poesia russa – esboço primeiro), de 1919 (obra publicada em 1921), que terminaria servindo
como espécie de manifesto do movimento seu e de seus colegas:
A poesia é linguagem em sua função estética. (...) Deste modo, o objeto do estudo
literário não é a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada
obra uma obra literária (...). Se o estudo da literatura quer tornar-se uma ciência, ele
deve reconhecer o “processo” como seu único “herói” (JAKOBSON, [1919] 1921,
pág. 11).
Pode-se dizer ser o termo cunhado por Jakobson, sua literaturnost (literaturidade,
literariedade), verbete responsável por condensar o que entendia o pensamento formalista
como particularidades intrínsecas do texto literário, da obra artística literária, o que a
diferenciava da vida quotidiana que por vezes buscava representar e, ademais, diferenciava-a
também de outras áreas do saber. Para os formalistas, talvez estivesse na noção de
literariedade a questão sine qua non, primordial, base sobre a qual deveria partir a ciência que
se dispusesse a debruçar-se sobre os estudos de literatura.
Essa literariedade integra algo das estratégias utilizadas pelos autores do corpus
componentes da presente pesquisa até o encontro de suas obras com os imaginários acerca das
conflituosas relações de alteridade sobre as quais se inclinam. Porém, antes de avançar em
direção a seu desenvolvimento nos romances de C. Fuentes e T. Rivera, para melhor
compreendê-la, é preciso desvelar algo mais, destrinchar um pouco mais essa noção de
literariedade. Para tanto, une-se a esta a noção de estranhamento, a noção do efeito de
estranheza, preponderante para a identificação, para a percepção da literaturnost de um texto
de literatura.
Para abarcar o difícil campo da noção do efeito de estranheza, é preciso tocar
primeiramente em um dos pontos de partida das colocações formalistas. A saber: muito do
que postulavam os jovens do Círculo de Moscou e também da OPOIAZ tinha a ver com a
oposição de suas ideias diante da abordagem da imagem, da relevância da imagem para e na
literatura; ou pelo menos no modo como era alçada a um status de importância máxima a
percepção do uso da imagem para o entendimento da literatura, nos estudos que, até então,
apresentavam-se como científicos (e preponderantes) nessa área do saber.
No tocante a essa questão, vale agregar que, ao proporem novas abordagens teóricas
nos estudos da poética (e aqui se mesclam e se confundem os termos poética, arte e literatura)
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