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bases de dados (para arquivamento), programas (para manipulação) e
redes (para interatividade entre bases de dados, programas e músicos).
Estas novas formas de coletividade intermediada sugerem a confirmação
experiencial de uma nova configuração social, onde a energia desejante é
canalizada na direção (coletiva) da descoberta e da auto-criação, sempre
aberta a novas permutações.
4. Fim das Tendências. Ao passo que novos hábitos de percepção musical
vão surgindo, bem como diferenciadas formas de produção, é natural que
surjam novos circuitos relacionados a estes estilos e, sendo muitas vezes
um som resultante de um desejo em conflito com as premissas, mesmo
estéticas, de um sistema que visa unicamente o lucro, este fica
normalmente confinado a redes de distribuição underground que
escapam às garras do comércio institucional. Assim, no rastro das velozes
tranformações em processo, fica cada vez mais difícil para executivos de
gravadoras, caça-talentos, jornalistas de tendências e formadores de
opinião detectarem novas "tendências" musicais, uma vez que o novo
passa cada vez mais despercebido por uma mídia e marketing cuja
intenção maior é promover o "mais do mesmo", o sucesso do que já está
estabelecido, que não ameaçe o status quo dos padrões de escuta
vigentes. Numa paisagem sonora em que tendências, mais que nunca, são
fabricadas, isto representa um desafio gigantesco. Esqueça o garage ou o
electro, você não encontrará os novos estilos nas páginas das revistas de
moda. Não à toa, a indústria fonográfica se encontra hoje num grande
impasse, seja devido aos fatores acima descritos, seja devido à pirataria e
programas de compartilhamento de arquivos via rede.
Examinados alguns sintomas, entre muitos outros facilmente detectáveis,
como então definir o que é música atualmente? Tarefa talvez impossível,
de forma que não arriscaria aqui dar um veredito, pois este estaria
sempre sujeito às alterações circunstancias da época em que foi feito.
Melhor talvez não definir o "que" mas o "como", e, nesse sentido, nada
mais próximo da música atualmente do que o formato viral. Vírus (ou
Retro-Vírus), como elemento auto-replicante, contaminante, dificilmente
detectável e em constante mutação, pondo em risco todo um sistema de
produção carente de anti-corpos preparados para um autêntico revide.
Resultados dessa epidemia, quiçá benigna, estaremos por ver nos
próximos anos. Por enquanto, fiquemos com o visionário insight de
Jacques Attali, autor do clássico Bruits (As Políticas do Ruído) : "Musica é
profecia: seus estilos e organização econômica estão à frente do resto da
sociedade, por que ela explora, muito mais rápido que pode a realidade
material, toda a extensão de possibilidades de um dado código, tornando
audível o novo mundo que irá gradualmente se tornar visível".
* Texto escrito para o catálogo do FILE 2003 - Festival Internacional de
Linguagem Eletrônica.
Link : FILE (
www.file.org.br
).
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SOM CIRCUNDANTE
Paul D. Miller
“Toda manifestação de vida é acompanhada de ruído. O ruído é, então,
familiar aos nossos ouvidos e tem o poder de evocar a própria vida
imediatamente”. - Luigi Russolo (A Arte dos Ruídos), 1913
“Me dê dois discos e eu crio um universo para você”. - DJ Spooky, the
subliminal kid (o garoto subliminar), 1994
Em 1914, o futurista italiano Luigi Russolo reconstruiu paisagens sonoras
inteiras – sons de guerra, sons de um ambiente urbano denso – para criar
o Despertar de uma Cidade (Risveglio di una Città), uma tentativa de
representar a paisagem urbana a partir dos sons que ela gerava. Um
jornalista escreveu sobre a composição:
“Primeiro um murmúrio discreto e sereno foi ouvido. A grande cidade
dormia...Então um ruído distante rapidamente cresceu até virar um rugido
poderoso. Julguei que devia ser o rugido das enormes máquinas de
impressão dos jornais...Estava certo, pois uns poucos segundos depois
centenas de furgões e vagões motorizados pareciam estar correndo para
a estação, chamados pelo apito estridente das locomotivas. Mais tarde,
escutava-se os trens, acelerando impetuosamente; então uma chuvarada
de água parecia lavar a cidade, crianças gritando e garotas rindo sob a
chuva refrescante. Uma profusão de portas era a seguir ouvida abrindo e
fechando com um estrondo, e uma procissão de passos retraídos
anunciava que o grande exército de ganhadores de pão estava indo
trabalhar. Finalmente, todos os ruídos da rua e da fábrica se fundiram
num gigantesco rugido, e a música cessou. Acordei como se saísse de um
sonho e aplaudi”.(1)
O modelo do ambiente humano que Russolo usou para sua paisagem
virtual virou hoje uma telemetria de projeções tornadas concretas pelos
dispositivos eletrônicos. Contudo, quem vive em Nova York hoje tem a
mesma sensação de estar sendo levado embora pelos sons que a vida
cotidiana – e suas simulações – gera. As ruas, a densidade, a imersão no
fluxo e refluxo das marés da paisagem urbana, são as características
elucidadoras do ambiente de Nova York.
A cena ambient de Nova York é menor e menos experimental que sua
equivalente britânica. As pessoas se congregam em salas de estar, trocam
fitas mixadas, e se reúnem nos pequenos lounges onde a música é tocada.
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