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Vários compositores foram rápidos me perceber o modo pelo qual
celulares podem reintroduzir sons diferentes e imprevisíveis no espaço
público. Dos modestos primórdios, tal como o Pavilhão Finlandês na
Exposição de Hannover em 2000, onde celulares ficavam suspensos num
ambiente com formas de árvores e programados com ringtones de cantos
de pássaros, os projetos tem ficado mais complexos. Tocado
primeiramente no Festival Ars Electronica de Linz, em 2001, Dialtones (A
Telesymphony) foi uma composição para 200 telefones móveis. Estes
pertenciam aos membros da platéia, que registraram seus números de
celulares pessoais numa base de dados, receberam novas ringtones e
tiveram seus lugares designados, então se sentava em meio ao som que
se seguia enquanto dois músicos criavam ao vivo combinações de tons
usando um programa customizado.
“Não penso que muitas pessoas prossigam na trilha da Dialtones
Telesymphony”, Levin escreve. “Muita chatice e bastante caro assumir
uma rede móvel como essa. Mas é possível que as pessoas possam
realizar jams sem fio, com seus telefones se comunicando através de
Infrared ou Bluetooth (1) numa base de tempo comum. A música de
câmara do século 21. Isto claramente requer um avanço técnico
estimulado pela visão do que poderia existir. “Definitivamente acredito
que aparelhos de mão sem fio logo terão a capacidade de funcionar como
sistemas musicais’, ele diz. “Não apenas na capacidade de sistemas de
improvisação sem fio do tipo MIDI (2) mas também como completos
estúdios de gravação. Imagino algum tipo de combinação de gravador de
MP3, uma versão de Pro Tools num Palm Top e uma habilidade
‘telefônica’ de passar gravações adiante. Pode ser divertido”.
Tim Cole, desenvolvedor do sistema musical generativo SSEYO Koan,
atualmente enfocando no mecanismo de ringtone polifônico e na
plataforma de software iSS do Tao Group, está convencido de que a
proposição de Levin é uma realidade iminente. “O céu é o limite nesta
área”, ele escreve. “Tudo depende do que o telefone pode fazer em
termos de especificação. Uma coisa parece certa, e é de que
especificações vão continuar a proliferar rapidamente daqui para a frente,
em particular na medida em que a pressão para se diferenciar produz um
mercado intensamente competitivo. Isso significa que a criação de música
móvel vai estar num telefone próximo a você mais cedo do que imagina”.
Cole vê o telefone móvel como um “computador num bastão que por
acaso é simplesmente um aparelho de comunicação”. Com esta mudança
de percepção, podemos ver que o celular pode se tornar onipresente na
música eletrônica exatamente da mesma forma que os computadores
laptop são agora instrumentos normais de apresentação para músicos em
muitos gêneros diferentes. “Uma vez que os computadores tenham
componentes chave adequados”, ele escreve, “por exemplo, conectores e
saídas de áudio, eles se tornam configuráveis para softwares”.
Estas imaginadas capacidades sônicas da tecnologia podem ser
fascinantes, mas para alguns dos artistas usando dispositivos sem fio, seu
potencial atual reside na capacidade de aumentar a interatividade entre
músicos e público, e mais ainda de borrar a distinção entre produtor e
consumidor. Se a história da arte e tecnologia do século 20 é um razoável
guia para o futuro, então a arte sônica sem fio combinará inesperadas
mutações do som produzindo habilidades com abordagens inovadoras do
comportamento, da percepção e do uso social.
A artista e coreógrafa Sheron Wray acredita que celulares podem ampliar
o público para a dança contemporânea. “Na minha visão, isto chegou a
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um limiar em termos de atingir novos públicos”, ela diz. “Texterritory
v2.3”, sua colaboração com a artista digital Fleeta Siegel, usa as
mensagens de texto do telefone móvel como um elemento interativo
dentro da performance. Em determinados momentos, membros da
platéia são convidados a enviar mensagens de texto em resposta a uma
narrativa de múltiplas camadas.”Como formato é inovador”, diz Wary. “A
idéia de pessoas se remexendo na platéia do teatro, menos ainda
trocando idéias com seus colegas vizinhos, não é daquelas que sejam
comumente pensadas como desejáveis. O futuro está pleno de jovens que
tem sensibilidades diferentes e em evolução”.
Este conceito de eventos soltos, centrados na platéia, é compartilhado
por Giles Lane, um dos desenvolvedores do projeto “Urban Tapestries”
(“Tapeçarias Urbanas”), baseado em Londres. “A estrutura do mundo da
arte é um mundo no qual você vai a um lugar para sentir uma
experiência”, diz Lane. No futuro, os artistas ainda serão importantes por
sua inspiração, ele acredita, mas o equilíbrio vai se deslocar de um
modelo “push” (3) para uma relação mais ativa, multi-direcional.
Urban Tapestries é descrito como “uma plataforma experimental sem fio
e baseada em localização (4) que permite aos usuários acessar e criar
conteúdo (texto, áudio, imagens e filme) específico da localidade”. Criado
inicialmente por artistas, o projeto rejeita o padrão dos guias de turismo
em favor da criação pública informada pelo conhecimento local e da
experiência compartilhada. Como isso vai funcionar na prática ainda está
por ser visto, mas há claras ligações com a arte sônica atual,
particularmente no sentido de “anotar e deixar traços efêmeros da
presença dos povos na geografia da cidade”. Artistas que trabalham com
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paisagens sonoras – gravações de som ambiental apresentadas como
documentos em si mesmos ou incorporadas em composições musicais ou
instalações – podem lidar com interesses que vão de conservação,
controle de ruído e planejamento urbano a narrativas históricas
desprezadas, memória pessoal e atmosfera imersiva do lugar.
Talvez as questões altamente explosivas levantadas ao se caminhar
através do som possam se conectar com a promessa da tecnologia sem
fio: liberdade de perambular, uma reação contra o consumo passivo,
animadas descobertas em ambientes habituais. “Talvez tenhamos de
localizar as oportunidades reais de repensar a o próprio sentido de
localidade como uma conseqüência da tecnologia sem fio”, diz Brandon
LaBelle. “Isso pode nos dar a chance de ressituar o ‘lugar’ mais além de
uma nostalgia da experiência “real”, e na direção de uma noção mais
dinâmica de ambiente”.
Notas
1. Infrared e Bluetooth são modos de conexão de redes sem fio (wireless),
seja por rios infravermelhos, no primeiro caso, seja via rádio freqüência
com alcance de 10 metros, caso do Bluetooth. (N. do Trad.)
2. MIDI é a sigla de Musical Instrument Digital Interface, um sistema de
transmissão digital de informações voltado para aplicações musicais
(embora muitas aplicações não-musicais também o utilizem). Em linhas
gerais, funciona ao se tocar uma nota num teclado eletrônico, que
detecta qual a tecla que foi pressionada, codifica essa informação num
pacote de três bytes e os envia pela saída MIDI Out do teclado; se esta
saída estiver conectada à entrada MIDI In de um outro teclado, então este
último poderá tocar a mesma nota musical executada no primeiro. Além
da execução de notas musicais, muitas outras informações podem ser
transmitidas através do cabo MIDI, como o acionamento de pedais, a
troca de timbres, os ajustes de parâmetros no painel, etc. Mais sobre o
padrão MIDI aqui:
http://www.music-center.com.br/midi_20anos.htm
(N.
do Trad.)
3. Atual modelo das comunicações de massa, por exemplo, o push model
é o adotado pelas redes de TV aberta que "empurram" o que querem
para o público e no horário que querem e pelos anunciantes que nos
bombardeiam com suas propagandas. É o contrário do modelo “pull”, que
permite maior participação e escolha dos espectadores. (N. do Trad.)
4. Serviços baseados em localização (location based services – LBS) não
são nada mais que aplicações que usam a localização geográfica atual do
usuário para que este interaja de forma mais vívida num determinado
contexto, que pode ser comercial, de entretenimento, de segurança
pública, entre outros. Podemos imaginar, por exemplo, um serviço que
auxilia o turista a encontrar pontos turísticos próximos ou lugares para
comer e fazer compras. Podemos igualmente imaginar um serviço de
emergência como o 911 norte-americano que registraria a localização do
usuário automaticamente sem que esta precise ser dita pelo mesmo. (N.
do Trad.)
Tradução de Ricardo Rosas
Links: Site de David Toop (
www.davidtoop.com
)
Sonic City (
www.tii.se/reform/projects/pps/soniccity/index.html
)
Site de Golan Levin (
www.flong.com
)
Urban Tapestries (
http://urbantapestries.net/
)
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