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observadas, os frutos de sua observação e registro através da escrita alfabética, até mesmo
para que sobrevivessem, conservadas fossem, diante da aceitação de derrota e consequente
submissão, os traços de suas memórias, suas identidades, suas marcas.
Com esse aparte, entretanto, quero tocar, antes, no choque dos conceitos e da relação
para com a imagem, no choque da conturbada relação ocidental com o imagético e a imagem
como meio, modo de expressão para os povos originários da América pré-hispânica, pré-
colombiana. Isso implica tocar em uma ocidentalização do imaginário pré-americano. Porém,
é necessário reiterar que, referente às obras literárias em destaque na presente tese, há muito
mais um eco, uma via de acesso à abordagem da imagem desde seu âmbito ocidental de
cismas, imbricações, vaivéns, contradições – razão pela qual privilegiei até o momento um
remissivo olhar voltado para a imagem, digamos, algo mais ocidentalizado.
Nesse aspecto, uma ressalva que, segundo Durand, propiciaria a sobrevivência, a
resistência do imaginário dentro de um longo período de iconoclasmo, tem a ver com a figura
de Platão e a importância de sua concepção de imagem, que acabou dando margem à
resistência a toda uma iconoclastia não somente física (contra quadros, imagens, estátuas,
etc.); mas, também, mental, espiritual (a imagem, a imaginação, o imaginário negados ou,
quando muito, menosprezados e, até mesmo, ridicularizados).
Embora a máxima aristotélica diga ser o filósofo também um “philômito”, um amigo
do mito, “pois o mito é uma reunião de maravilhas” (ARISTÓTELES apud MORAES, 2007,
p. 4), coincido com Gilbert Durand, quando este entende extrair-se de, ler-se, identificar-se
em Platão, apesar, é lógico, de sua herança socrática, uma doutrina mais aberta relativa à
imagem, menos aguda e de tom menos depreciativo do que a de Aristóteles, seu continuador
(Cf. DURAND, [1994] 2011, p. 16). A partir deste raciocínio, abre-se espaço para que
pensemos, ademais, na imagem como e no processo de (re)produção do pensamento filosófico
destes mestres tão importantes para o estabelecimento da figura do homem ocidental
civilizado. Isto porque, se conceituaram sobre a imagem, foi também muito através dela que
se expressaram, natural “contaminação” em seus textos, haja vista que era também a imagem
assunto de seus argumentos. Assim sendo, damos passo e espaço para que tratemos da
imagem também como categoria textual, como peça importante na produção de um texto, algo
que vem ao encontro do tema ora abordado neste trabalho.
Na teorização de Platão sobre a imagem, o “mito”, a figura evocada de Sócrates, traz
conceitos (como, por exemplo, o da Verdade Absoluta como ponto de referência para a
promulgação de leis que discorressem sobre o belo, o justo, o bom) que reverberariam e
respaldariam o Método da Verdade explorado e desenvolvido por Aristóteles. No tracejar da
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linha platônica que divide a ordem do que é inteligível da outra ordem de coisas pertencentes
ao gênero visível, a imagem encontra-se em uma das secções deste segundo gênero, abordada,
comparada sob uma perspectiva binária, em que se relacionam obscuridade (as sombras,
absolutamente ininteligíveis, porque não têm, de maneira alguma, sua razão em si mesmas) e
claridade (as imagens refletidas na água e as que se formam nos corpos compactos, lisos e
brilhantes, que remetem, da mesma forma que as sombras, porém, com um pouco mais de
clareza, àquilo de que são cópias, reflexos).
Ainda para Platão, como a opinião está para o saber, estaria a imagem para o modelo,
este já pertencente ao primeiro segmento, o campo do inteligível. Nesta primeira secção,
estariam o entendimento e a inteligência, ambos pertencentes à órbita, ao âmbito das ideias,
estas mais próximas a um princípio original que as sombras e imagens do segmento do
visível, que não separa as propriedades das coisas, dos modelos de que são cópias.
O entendimento no campo das ideias, do inteligível, subjaz à verdadeira intelecção,
porque faz de hipóteses princípios como se estas fossem claras para todos. Refere-se Platão
em seu texto de remissão socrática à figura dos geômetras e aritméticos, razão pela qual
classifica seu entendimento como o modo de pensar das ciências, que tratam como cópias o
que traçam e cardam, obtendo entendimento pelo sensível, sem ter o alcance, a intelecção de
que tratam de ver, em verdade (ao contrário das sombras e reflexos que geram suas
figurações), as figuras absolutas, o princípio primeiro sobre o qual terminam por não se
debruçarem, deixando de agir pela inteligência da Visão no Pensamento, para quase se
igualarem à visão diretamente relacionada à ordem do sensível.
À frente destas ciências, na primeira secção deste primeiro segmento da linha de
raciocínio trazida à baila por Platão, está a secção da pura intelecção. Nela, a Ciência da
Dialética adianta-se às ciências outras porque, como é próprio dos diálogos, seu movimento é
o de ir, é o de partir de, é o de tomar hipóteses não como princípios, mas como hipóteses de
fato (ao contrário dos geômetras que, mesmo operando suas demonstrações ante um
interlocutor, tomam suas hipóteses como princípios claros a toda gente) para chegar-se, assim,
ao princípio que as fundamenta ou rechaça, “para ir até àquilo que não admite hipóteses, que é
o princípio de tudo, (...) até chegar à conclusão, sem se servir em nada e de qualquer dado
sensível, mas passando das ideias umas às outras, e terminando em ideias” (PLATÃO [Séc.
IV a.C.], (Trad.: Pietro Nassetti) 2000, p. 209).
O raciocínio de Platão realça a relação claro/escuro, em que se parte da gradação mais
escura da sombra (passando pelas nuances reflexo/imagem e ciência, tal qual aplicada desde a
ótica dos geômetras/modelo) para o ápice da luz redentora contida na, e à qual se chega pela
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