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a afastam da metáfora. Pequenas, porém precisas e importantes para explicitar ainda mais o
intrínseco da relação metáfora/imaginários. E nesta relação, por que esta (a metáfora) e não
aquela (a alegoria)?
Para entender a distinção que faço entre o uso da metáfora ampla e da alegoria em La
frontera de cristal, é importante ressaltar que ambas são resultantes de processos de
metaforização por que passam os contos-capítulos que integram a obra. Ocorre que, quando
desse processo metafórico resulta uma leitura aproximativa de imaginários, isso advém do
fato de que o produto final do conto-capítulo é uma metáfora ampla. Enquanto isso, nos
contos cujo resultado final venha a ser uma alegoria, não há uma possibilidade de
aproximação dessa resultante para com a formação ou perpetuação de imaginários. Para tanto,
é necessário fixar bases de conceituação de um imaginário, tarefa da qual não me furto. Antes,
porém, é necessário revisitar a alegoria e as concepções que envolvem os conceitos
norteadores de sua apreensão.
A alegoria, mesmo tomada como figura de imagem de relevante papel para a
expressão do pensamento na linguagem (respeitando-se uma vez mais a via de mão dupla
possível nessa interação), ganha desde Walter Benjamin (1892-1940) um caráter a mais, o de
conceito crítico contemporâneo, majoritariamente aplicado, atinente à arte. Dessa maneira,
somada a sua origem grega denotativa de usar linguagem pública para dizer algo expressando,
em verdade, outra coisa, e a sua conotação e remissão à expressão voltada para difundir
valores religiosos e políticos pela arte; somado a esses tópicos de historicidade do termo,
Benjamin percebe analogia entre os sentimentos de perda do homem seiscentista barroco e do
oitocentista romântico (este, a partir de Baudelaire, que, ao contrário do Romantismo vigente
à sua época, vê no símbolo uma impossibilidade de expressão diante da submissão da arte
pelo capital). Mesmo assim, enquanto em Benjamin o luto ante um mundo para ele em ruínas
aproxima a melancolia ao grotesco, na linha divisória notada em Baudelaire, desde a cisão
romântica, a ruína e a perda serão tratadas alegoricamente pela arte através da cólera (Cf.
BENJAMIN, 1989, p. 164).
Partindo-se, então, dessa concepção benjaminiana da alegoria, a perda, a ruína, o
silêncio e o luto tornam ao alegorista, são de novo suas instâncias. Quanto à ruína, seu caráter
de fragmento poderia ser pensado como aproximação à fragmentação da fronteira proposta já
na divisão do enredo da obra de Fuentes em epígrafe. Entretanto, a fragmentação de um todo
narrativo em contos não implica a construção de um romance fadado a falar sobre ruínas.
Não. Quando quer ser alegórico, Fuentes o é em alguns contos da obra, os quais contribuem
mais a uma nova rede de interpretações do que para um entendimento total de aceitação de
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perda, consequente luto. E aí está outra importante diferença da alegoria para a metáfora
ampla em La frontera. A variedade interpretativa, a possibilidade de releitura do alegórico em
outros contextos é ponto pacífico da teoria que se debruça sobre a alegoria
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.
Já a metáfora, e mesmo a metáfora ampla em Fuentes, coincide em certa medida com
a obliquidade do caminho que faz do abstrato algo concreto também no alegórico; mas, a
quantidade de significados pertinentes a um determinado significante, por maiores que sejam
as possibilidades, vai ater-se, restringida estará a um campo de significações muito próximas
em seu grau de concretude para o receptor, presa a metáfora a uma mesma constelação
semântica.
Na alegoria, o que hoje pode ser lido de uma maneira; em contextos outros, será
perfeitamente passível de novas interpretações. Por outro lado, nas metáforas de Fuentes, um
homem e uma mulher que se “beijam” separados por uma vitrine de cristal, beijam-se
metaforicamente em uma fronteira onde o encontro, a conciliação é dada como impossível. E
ainda que a esses valores se agreguem o espelho e a fragilidade do cristal, o máximo que
acontecerá será o empréstimo do frágil do cristal para a fronteira mexicano-estadunidense,
que já tem como preestabelecida essa condição enquanto parte de suas significações com grau
maior de concretude do que permite a aparência de abstrato do campo de significações a que
pertence o frágil. Dada toda construção imagética, apoiada, ancorada, calcada na repetição da
metáfora base do conto adjunta a momentos de metonimização, a interpretação mostrada pela
metáfora ampla não é passível de releitura, com a mesma expressividade, em um contexto que
dela excluísse a fronteira México-EUA e a fragilidade das relações nela estabelecidas.
Do exposto acima, extrai-se outra característica que afasta a alegoria de imaginários:
sua provisoriedade. Essa possibilidade de uma leitura de elementos outrora deixados de lado,
passíveis de releitura em outros contextos históricos a afasta do caráter de permanência de um
imaginário. Um imaginário pode até permanecer latente certo tempo; mas, ao ressurgir, o seu
ressurgir indômito não traz em si uma possibilidade de reinterpretação dos caracteres que o
compõem, que forjam sua inteireza. Inteireza forjada a partir da justaposição de elementos
como conceitos, ideias e pré-conceitos a cuja ordem sintética melhor se adaptam e se agregam
a metonímia, a metonimização e a metáfora, que em Fuentes não quer, não traz em si qualquer
intenção de provisoriedade, razão pela qual pode unir-se a um imaginário.
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Para aprofundamento ainda maior a respeito do tema, remeto o leitor para a interessante síntese que traz sobre
a questão e a historicidade da alegoria a filósofa brasileira Zahira Souki, no artigo “Alegoria: A linguagem do
silêncio” (2006), cujos dados completos de publicação constam na bibliografia da presente tese.
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