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segue. Será o efeito de imagem inserido, produzido desde a realização de cada uma dessas
estruturas narratológicas que permitirá visualizar a relação do narrado, do escrito com o
imagético e o pensar a obra sob o ponto de vista de alocação junto a um ou mais imaginários.
A estampa e o conto breve neste romance têm ligação intrínseca com a origem do
próprio Tomás Rivera, nascido em Crystal City, Texas (EUA), no seio de uma família de
raízes mexicanas. Filho de trabalhadores rurais migrantes, Rivera, quando menino, percorreu
e viveu a migração e a exploração do trabalho chicano no sudoeste estadunidense, e as
mazelas e os desvios que com tal percurso vieram na busca por sobreviver e por viver o que
Julio Ramos e Gustavo Buenrostro (2012, p. 49) chamam de “ficção de cidadania”, o sentir-se
cidadão do ou nos Estados Unidos da América do Norte. Assim, aceita já por toda uma crítica
em torno do romance, há a interligação entre o que conta o menino narrador da obra (e as
vozes que este rememora) e o que viveu o próprio autor em sua infância, fato que sugere uma
estrita vinculação entre ficção e memória.
Desse modo – como em um excêntrico memorial de um ano de migração familiar de
um menino que se dividia entre o trabalho rural e o inserir-se em escolas onde o uso da língua
falada com seus pais e a gente com a qual convivia nos bairros chicanos era constantemente
repreendido –, as estampas e os contos da obra se apresentam como fragmentos de memória
dispostos numa aparente desordem linear que, em verdade, quer remeter, quer fazer jus à falta
de linearidade própria da irrupção de memórias no indivíduo, em qualquer indivíduo. No
entanto, para a aparente desordem de suas recordações, de seus recuerdos, o narrador riverano
deixa o conto primeiro e o último capítulo de seu romance, que mesmo se invertidos fecham
em elipse sua narrativa, a qual necessita da volta do leitor aos nexos dispostos nas estampas
que apresentam (ou não, pois nem sempre há uma relação imediata) os contos que as
sucedem.
Tais estampas trazem a relação com histórias contadas ao menino, e com sua ação e
receptividade diante do religioso, do fantasmagórico e mesmo do cotidiano dos bairros ou dos
assentamentos rurais em que vivia. Nesse aspecto, “brincam”, jogam, juegan tais estampas
com o caráter dado a uma das significações possíveis para o todo, para o significante, para o
grande amálgama IMAGEM: o de estampa que representa assunto ou motivo religioso, valor
às vezes subvertido nas estampas de ...y no se lo tragó, representando também a posição de un
niño ante tal religiosidade e a flutuação e maneira de lidar e apreender todo um sincretismo e
cosmogonia que atravessam a interculturalidade de sua gente, entre raízes mexicanas já
pluriculturais, entre o sentimento chicano (mais forte na ruptura do menino, no não “encaixar-
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se” aqui ou ali, como um sentimento de geração ainda sem nome), e entre a imposição do
estadunidense.
Porém, além da pintura, enquanto representativa de estampa em relação com o
cultural, o cotidiano e o religioso de uma coletividade, a estampa e seu laconismo funcionam
também como um instantâneo advindo da memória, “fotografia” rápida de um momento, foto
revelada da memória, instante que se finge captado, apreendido, pela lente da memória,
apoiado na descrição de uma escrita lacônica, que sugere necessitar do receptor dessas
imagens, na busca de um nexo, de um antes e depois da tomada da fotografia, na busca de
sujeitos, na busca de saber e entender quem é agente e quem é paciente nestas, destas fotos,
imagens, instantâneos, estampas lacônicas. Eis daí outra vinculação, pois subsequentes a estes
instantâneos, a estas estampas estão vinculados os contos seguintes, não necessariamente de
modo esquemático, a título de causa e efeito, porque não são todas as estampas que
apresentam, que têm relação estrita com o conto que as sucedem. Mas, tal vinculação é dada à
ordem de seu tamanho. Enquanto a estampa se assemelha a um instantâneo, o conto, o
capítulo que a sucede é maior, é algo mais extenso. Assim, nessa hierarquização de
brevidades, por ainda ser breve sugere a brevidade de uma fotografia mais detida, advinda de
um fragmento de memória mais trabalhado (talvez no tempo maior que teve o narrador para
pensá-las no conto final, conto conclusão “Debajo de la casa”, como veremos melhor no
capítulo dois desta tese).
Entretanto, enquanto as estampas-instantâneos trazem uma ou outra cor a mais,
próprias da e necessárias para a descrição impressa na carga breve de sua narratividade, os
contos-capítulos que as sucedem têm, em seu laconismo, no rumor que deixam suas
(in)conclusões, aproximação maior com outro tipo de fotografia, a que se revela em preto e
branco. Sim, pois na dureza e secura do narrado lacônico que apresentam, as narrativas dos
contos pós-estampas deixam algo por conta do receptor; faltam-lhes “cores”, presas, caladas
dentro do leitor-receptor das palavras que o tragam para dentro da narrativa. Esse algo a mais
pensará o leitor, tornando a ler os contos, suas estampas precedentes e dando a volta inteira,
como sugere o narrador na abertura, com os nexos estabelecidos em relação de troca nos
contos introdução e conclusão. Mas, a remissão a essas fotos em preto e branco não é fruto de
mera abstração descabida ou gratuita. É, antes, fruto do contato evidente da obra de Tomás
Rivera para com a de Juan Rulfo, aspecto que melhor defino no tópico 2.1 desta tese.
Por fim, ressoa importante contributo para a relevância da imagem na literatura e sua
apropriação por imaginários pensar nas imagens de Tomás Rivera como um trato original para
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