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feita por e nos seus próprios termos! É levada pelo desejo, entusiasmo,
procura e conexão na direção de uma subjetividade polifônica! Às vezes,
qualquer coisa é possível. Modos de discurso racional como porcarias do
jornalismo e da escrita que atuam para estabilizar e fazer com que as
coisas ainda durem o bastante para que fiquem sistematizadas, têm
muito pouco sentido, dado que a música sobre a qual eles escrevem é um
combustível que atravessa diferentes regiões, pondo em colisão
elementos de cada uma delas. Dentro desta prática pós-mídia há uma
intensificada redefinição de dualismos tais como individual/coletivo e
sucesso/fracasso. Em relação ao último, pode igualmente acontecer que
num tal espaço pós-mídia, respeito e suporte sejam dados àqueles que
tenham êxito em criar, às próprias custas algo que seja ilegítimo e
discordante. Neste sentido, o julgamento de seu valor, seja ele “bom” ou
“ruim”, torna-se inútil. Mas tais cenas, operando intimamente, não
podem se dar ao luxo de estabelecer divisões: ouvintes se tornam
produtores, compositores, público dançante, escritores. Todas as cenas
constituem seu próprio gênero e, operando num espaço geográfico e
psíquico disperso, não há nenhum sentido numa pessoa, grupo ou cena
estar no controle: é uma prática de adição sem acumulação, uma efusão
grupal de singularidade que dispersa o individualismo. No passado, um
dos principais obstáculos tinha sido que estas práticas afirmativas sentiam
a necessidade de ser delimitadas como regiões onde os protagonistas
deveriam se fazer visíveis uns para os outros. O surgimento da Internet
acabou com isto ao estender nossas expectativas de comunicação,
transpondo o espaço virtual musical para uma existência real de
intimidade (músicas libidinosas) e um potencial sempre presente para a
mudança subjetiva. Nas palavras de Félix Guattari: não é mais o fim que
importa mas o meio, o processo se tornando processual...não se pretende
entrar num programa pré-estabelecido. Tenta-se viver no campo do
possível. (4)
Título adaptado da expressão “Era Pós-Mídia” de Félix Guattari.
Notas
1. John Mowitt: Music In The Era Of Electronic Reproducibility, Cambridge
UP.
2. A & R (Artists and Repertoire) é o departamento das gravadoras que
contrata as bandas e novos talentos.
3. Michel Foucault: Foucault Live, Semiotext(e) 1989, p.-393.
4. Felix Guattari: Guattari Reader (ed G.Genosko) Blackwell 1996, p.-136.
Tradução de Ricardo Rosas
Break/Flow, 89 Vernon Road, London, E15 4DQ
Fonte: Nettime (
www.nettime.org
).
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OS CYBERMANOS E A PERIFERIA GLOBALIZADA
Vladimir Cunha
Apropriar-se da cultura periférica, simplificá-la e revendê-la no menor
espaço de tempo para o maior número de pessoas possível. Durante
quase cem anos, essa foi uma das estratégias de sobrevivência da
indústria do entretenimento. Ainda que não seja visível a olho nu, como
nas embalagens de extrato de tomate, existe um prazo de validade que
determina a duração de seus produtos. A indústria do entretenimento
não é dinâmica. É estática, monocultural e de curta duração. Daí recorrer
à periferia quando lhe faltam idéias, reciclando estéticas e movimentos
espontâneos, transformando-os em divertimento limpo e seguro para as
massas.
O spiritual do final do século XIX resultou no blues. E o blues, ao misturar-
se com o country, deu ao mundo o rock'n'roll, que, bem mais tarde,
permitiu aos Beatles fragmentarem-se em discos, pôsteres, lancheiras,
bottons e desenhos animados, o primeiro produto de massas da música
jovem. A literatura beat forneceu a base teórica/comportamental da
contracultura norte-americana dos anos 60, posteriormente transformada
no movimento hippie e diluída para ser aproveitada pela indústria na
moda, no cinema e na televisão. A morte de Jack Kerouac, a prisão de
Timothy Leary e Abbie Hoffman na clandestinidade são o contraponto ao
desbunde capitalista de Woodstock e a "psicodelia" como tendência de
mercado, um filão lucrativo explorado em forma de pastiche em seriados
como The Banana Splits e filmes como A Fantástica Fábrica de Chocolate
e, mais tarde, de forma ingênua e equivocada pela Jovem Guarda
brasileira.
Não que, vez ou outra, manifestações autênticas de rebeldia e
inconformismo artístico escapem ao controle dos mass media. O "fuck"
dos Sex Pistols na televisão inglesa é um bom exemplo disso. No entanto,
a indústria do entretenimento é, sobretudo, baseada no consenso. Ela
pode até usar, em maior ou menor grau, conceitos gerados por
movimentos periféricos. Ainda assim, tenderá sempre a reduzi-los ao
mínimo denominador comum, aproveitando a novidade apenas como
forma de edulcorar formatos anteriores já testados à exaustão.
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Em conceito, Christina Aguilera é uma atriz de música negra: usa bases de
funk e hip-hop, recorre a inflexões vocais características do R&B e renega
a assepsia visual dos ídolos adolescentes da classe média WASP norte-
americana. Como as cantoras de rap e de R&B, Christina rebola, usa
roupas apertadas e simula ter uma sensualidade que a América branca e
conservadora condenaria em outras circunstâncias. Mas Christina é,
acima de tudo, um produto da indústria do entretenimento, vendida
como passatempo seguro, que desperta em seus fãs tanto fantasias de
transgressão social e sexual quanto estimula o conformismo ao
estabelecer limites para a sua própria "rebeldia". Da cultura negra, ela
utiliza apenas uma estética estilizada e branda, que lhe permite um certo
verniz transgressor mas não compromete sua aceitação por parte do
grande público.
Partido deste princípio, é possível traçar um paralelo entre o método de
apropriação utilizado pela indústria do entretenimento e o
desenvolvimento das culturas alternativas no Brasil. Ao contrário dos
países onde elas se desenvolvem, certas tendências chegam ao nosso país
como um produto destinado ao consumo de uma pequena parcela da
sociedade, justamente aquela que possui melhores condições financeiras.
O conhecimento e o acesso a determinado produto passam a ser não uma
bandeira social e cultural e sim um símbolo de status para ser exibido
entre um número restrito de iniciados.
Tomemos o exemplo da música eletrônica no Brasil e a cultura dos VIPs,
das micro-celebridades, do exclusivismo e dos códigos estéticos.
Erroneamente, parte dos consumidores da música eletrônica no Brasil
associa o estilo à manutenção de um conceito equivocado de
modernidade, fechando-se em grupos e subculturas incipientes. É o que
possibilita o surgimento dos clubes com política de porta e a tentativas, às
vezes bem-sucedidas, de se estabelecer códigos sociais e estéticos.
Porém, o esnobismo exagerado de parte da cultura eletrônica brasileira
acaba por eclipsar a verdadeira modernidade. Em sua essência, a palavra
"moderno" está ligada ao modo de fazer as coisas. Ser moderno não é ter
acesso a fontes de informação antes de todo mundo ou ter a capacidade
de seguir tendências. Ser moderno é criar um fazer diferente, é
confrontar aquilo que está estabelecido através de caminhos alternativos.
Assim, a modernidade não está nas roupas de griffe "feitas para se usar
na rave", nos modismos importados e muito menos no name dropping
(mania elitista de citar rótulos e nomes na tentativa de impressionar
alguém). A modernidade está, por exemplo, na periferia, que numa
tentativa de driblar suas próprias deficiências culturais e financeiras acaba
se tornando a fonte das mais interessantes e originais manifestações
culturais. Do reggae criado em precários estúdios de dois canais nas
favelas de Kingston ao rap saído das festinhas barra-pesada do Bronx, da
zoeira musical dos punks londrinos as belas melodias que Cartola criou
nos morros cariocas.
Isso só reafirma ainda mais a distorção de valores que regem alguns
setores da cena eletrônica brasileira. Aqui é negado às classes mais baixas
o acesso a uma cultura que, em seu país de origem, saiu exatamente das
zonas mais pobres. As raves começaram como festas ilegais nos subúrbios
de Londres, feitas por gente que não tolerava a política dos clubes, e o
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