138
drum’n’bass nasceu nas quebradas de Brixton com influências diretas do
reggae e do rap. E mesmo o DJ-artista, incluindo aí a negação ao star
system da indústria cultural, tem raízes fincadas nos bairros negros
jamaicanos e norte-americanos, especialmente no caso dos primeiros
bailes de rap do final dos anos 70.
No Brasil, ao contrário, essa distorção da cultura eletrônica se estabeleceu
em dois pontos distintos: no gueto-chic e na simplificação da e-music,
exatamente o modelo de apropriação padrão da indústria do
entretenimento. Nos dois casos, o que vemos são atitudes equivocadas. A
primeira por transferir para eletrônica todos os vícios das elites brasileiras
(através de preços altos, política de porta, preconceito e dress code). A
segunda por diluir um estilo musical com propósitos exclusivamente
comerciais (qualquer eletrônica passa a ser "techno", qualquer roupa
extravagante passa a ser "moderna" ou "clubber", toda a festa se
transforma em "rave").
Por outro lado, a descoberta de que a eletrônica, antes de ser um estilo
musical, é uma ferramenta que possibilita um fazer artístico diferente,
permite a periferia recombinar suas referencias sonoras criando assim
música barata e, sobretudo, moderna. Dos subúrbios cariocas sai o funk, o
amálgama bastardo surgido da semente plantada por Afrikaa Bambaataa
e outros mestres da black music e (dizem) de um sonho revelador no qual
o DJ Marlboro aprendeu a programar uma drum machine (“O que
acontecerá se a cena electro de NY descobrir o Marlboro?”, alguém já
perguntou por aí). Na periferia de São Paulo, legiões de cybermanos
adaptam o drum`n`bass à realidade brasileira num processo que gerou
artistas como Marky e Patife. E em Belém do Pará, o reggae, o
raggamufim` e o drum`n`bass misturam-se a ecos de Kraftwerk em nome
do tecnobrega, a meta-música das aparelhagens de som e das turmas de
dançarinos de rua.
Obviamente, o maior desafio está em aceitar que a modernidade se faz
presente também nos subúrbios, que bairros pobres podem produzir uma
cultura de rua original e vibrante. Os rígidos códigos de postura e a
vontade de se integrar a uma suposta vanguarda impedem que gêneros
como o tecnobrega, o funk carioca e o drum`n`bass dos cybermanos
recebam o mesmo grau de importância que a musica eletrônica feita na
Europa e nos Estados Unidos. E enquanto periferia aprende que
computadores podem fazer arte, o gueto chic deslumbra-se com a sua
própria alienação, fingindo que ao seu redor nada acontece. Pelo menos
até o próximo modismo.
Fonte: Kung Fu Lounge (
http://kfl.blogspot.com/)
.
139
PAISAGEM SONORA DA GUERRA
Daniel Maggiolo
O som dos alarmes que anunciam um ataque aéreo.
O som do B-52 e os mísseis cortando o ar.
O som das baterias anti-aéreas disparando contra o céu.
O som das bombas. As explosões.
“As explosões aconteciam nos arredores da cidade, mas o estrondo podia
ser escutado no centro de Bagdá”, informa uma jornalista da TVE. “Não
consigo esquecer o som das bombas”, disse num campo de refugiados
uma mulher que havia fugido do Iraque.
Escutem! Escutem! Exclamava um repórter da CNN, antes de calar sua voz
e nos permitir ouvir diretamente pela televisão essa paisagem sonora de
Bagdá durante a noite – tarde no Uruguay – do 21 de março.
Se para alguém em Montevidéo, presenciando imagens e sons pela
televisão, essa paisagem sonora lhe resultava aterradora, posso imaginar
– mesmo que só imaginar – o impacto dessa paisagem sonora sobre os
habitantes de uma cidade que, como Bagdá, foi eleita para experimentar
o armamento mais recente fabricado nos Estados Unidos da América.
Posso imaginar – mesmo que só imaginar – uma paisagem sonora talvez
tão aterradora como a descrita anteriormente. A paisagem sonora do
silêncio posterior aos bombardeios, ou o imediatamente anterior. O
silêncio é um componente desejado por muitos para a paisagem sonora
na qual habitam cotidianamente. Mais uma prova de que os sons
adquirem significado em relação a seu contexto.
Posso imaginar – mesmo que só imaginar – outras paisagens sonoras de
Bagdá nestes momentos. O som das ambulâncias levando feridos para
hospitais. O choro dos familiares dos mortos (esses sons não aparecem na
televisão). O som dos edifícios pegando fogo, desmoronando.
Há sons na paisagem sonora cotidiana sobre os quais não se tem controle.
No geral, isso se refere aos sons da natureza. Pensa-se que se pode ter
maior ou menor grau de controle sobre os sons que são resultado da
atividade humana. Num caso como este, a pergunta que surge é quem
tem controle sobre esses sons. Num caso como este, não é a população
de Bagdá quem tem controle sobre os sons que integram a paisagem
sonora de Bagdá, ainda quando estes sejam o produto da atividade
humana – talvez uma das atividades humanas mais desprezíveis, apesar
de favorecidas ao longo da história, como é a guerra. È uma paisagem
140
sonora imposta.
Afirma-se que a paisagem sonora é a voz de uma sociedade. A paisagem
sonora que pude ouvir pela televisão é uma paisagem sonora autoritária,
prepotente, totalitária, precisamente por que se impõe por cima da
paisagem sonora “normal” de um lugar. È uma paisagem sonora do
terror, terrorista, para usar uma palavra tão na moda nos últimos tempos.
O curioso no caso talvez seja que, embora esta possa ser a paisagem
sonora destes dias em Bagdá, tal paisagem sonora não é a voz da
sociedade iraquiana. Esta paisagem sonora fala da sociedade que a
produz, a exporta e a impõe nestes momentos em Bagdá. Pode parecer
estranho, mas podemos conhecer uma sociedade através da paisagem
sonora que é produzida a milhares de quilômetros de distância.
Não conheço a paisagem sonora de Bagdá. Mas estou seguro de que não
é aquela que escutei pela televisão. Posso imaginá-la, mesmo que só
imaginá-la.
Montevidéo, março de 2003.
Tradução de Ricardo Rosas
Fonte: Proyecto Paisage Sonoro Uruguay
(
www.eumus.edu.uy/ps/index.html
)
PAULO NENFLÍDIO E ENGENHOCAS SONORAS
A Gentil Carioca
Criar um moinho de ventos sonoro com 15 cordas, captadores, tubos,
cata-ventos etc tudo isso acionado pelo sopro de ar vindo de fora do local
onde este se encontra para trazer música ao público é apenas um
exemplo do que é capaz de produzir o artista Paulo Nenflidio. Não se trata
de somente colocarmos o fone de ouvido que está à disposição do
público, mas entender a extensão escultórica e a experiência sempre
única de cada momento, fruto da união de um elemento da natureza, o
vento e o imenso captador/ engenhoca/ instrumento construído pelo
artista. Ali, o público encontra os fones de ouvido para ouvir a música
produzida pelos ventos, em tempo real, através deste concatenado e
preciso instrumento semelhante estruturalmente ao piano ou ao cravo.
Antes mesmo de ser selecionado em 2003 para o 27° Salão Nacional de
Artes Plásticas em Belo Horizonte (Bolsa Pampulha) com o projeto
"Música dos Ventos", misto de poema sonoro e aventura numérica, seu
Dostları ilə paylaş: |