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Sempre que atuo como DJ numa festa ambient, tenho uma sensação sem
paralelo nas outras formas de música que toco – uma sensação de
desconexão, que certamente flutua para formar um loop entre eu e
aqueles presentes, e nos une com a música numa fugaz dança de
momentos suspensos nos tons que constituem nosso diálogo.
O denominador comum de toda a música ambient é um sentido de
abertura: o ambient é o texto aberto da cultura musical moderna. Não há
barreiras nesta música, que pode conter quase qualquer tom, do mais
dissonante feedback de guitarra ao mais suave murmúrio de água. Os
silêncios entre as notas se tornam maiores e inclusivos, criando um código
de experiência neurolinguística. Embora o ambient possa lembrar a
música de cerimônias religiosas de muitas culturas do passado, ao mesmo
tempo ele tem uma identidade contemporânea, descentrada – que é o
que permite todos estes elementos coexistirem na mesma estrutura.
Transformando tons em um texto que já não é mais seqüencial no sentido
tradicional, o ambient é como um equivalente holográfico do mundo, um
espaço criado pela música de um tempo onde o “tudo-ao-mesmo-tempo-
agora” se tornou o padrão pelo qual a informação eletrônica transpassa.
A música ambient me parece uma espécie de palimpsesto eletrônico em
que as linguagens caem e ascendem e vacilam através do tempo. Seus
motivos geram sua própria oposição no acumulado texto das canções;
seus elementos triunfam ou sucumbem, mas nunca são inteiramente
perdidos. O vernáculo destes poemas tonais poderia abarcar o mundo. A
música mostra uma energia e dinamismo no cerne da mudança. Ela nos
revela um mundo onde a possibilidade domina a consistência da visão, e
ambas são beneficiadas. Quando caí no vórtice temporal ao qual este
palíndromo musical me levou, foi assustador: escutava o equivalente
musical da entropia cultural. Estava bem longe do que esperava: tinha
feito o espaço virar espaço, e isso era tudo o que importava. Como Luigi
Russolo escreveu em “A Arte dos Ruídos”, “Vamos!”.
Notas:
170
1. Russolo, Luigi, The Art of Noises, 1913, reedição, New York, Pendragon
Press, 1986, pp. 4-5.
2. Deleuze, Gilles e Guattari, Felix. Mil Platôs, Rio de Janeiro, Ed. 34, 1995,
p.21.
3. Ibid., p. 22.
4. Baudrillard, Jean, citado em Critical Art Ensemble, The Electronic
Disturbance, Brooklin, N. Y., Autonomedia, 1994, p. 70.
5. Velimir Khlébnikov, The King of Time, Cambridge, Mass., Harvard
University Press, 1985, p. 151.
Tradução de Ricardo Rosas
Fonte: Artforum Magazine, January 1995.
Links: Artforum Magazine (
www.artforum.com
).
Artforum no FindArticles (
www.findarticles.com/p/articles/mi_m0268
).
[Postado em 15 de fevereiro de 2005]
SONORIDADES
Fundação Iberê Camargo
Paulo Vivacqua trabalha com som, seja em instalações, criação de
ambientes ou trilhas sonoras. Entre as suas instalações de grandes
dimensões mais recentes estão Residuu, apresentada na 5ª Bienal do
Mercosul, em Porto Alegre, em 2005, e Sentinels, realizada no Sculpture
Center, em Nova York, em 2004.
Atualmente, o artista está apresentando uma individual na Galeria Arthur
Fidalgo, no Rio de Janeiro, e participando do Rumos Artes Visuais
2005/2006, no Itaú Cultural, em São Paulo. Paulo também está
preparando um trabalho para a Lugares – Revista de Arte
Contemporânea.
Nesta entrevista, conheça mais sobre seu trabalho.
De que forma se dá a sua relação com o som? Como surgiram as
primeiras instalações?
Para mim o som é uma matéria que traz em si mesmo um forte potencial
imaginário, é o mesmo princípio que leva alguém se emocionar com uma
música qualquer e sentir-se, por assim dizer, transportado para um “outro
lugar”. No meu trabalho, em minhas instalações, procuro justamente
explorar a idéia deste “outro lugar”, um lugar anterior ao próprio espaço
concreto, que se dá na experiência de cada um como um espaço
imaginário e interior.
Minhas primeiras instalações [Mobile (Rio, 2000), Sound Field e Escape
171
(2002, NY)] surgiram da necessidade de tornar física e localizada esta
percepção do som como um lugar que se altera ao longo do tempo. Os
sons, objetos e dispositivos tecnológicos são localizados e dispersos em
um espaço dado de modo a confundir-se com este e alterar sua
percepção. A ordenação destes elementos operam no sentido de
propiciar uma nova experiência deste espaço, como um lugar invisível que
se revela no tempo, um “campo de ressonância” onde posso imergir,
pensar e imaginar.
Nos seus trabalhos, os aparatos que emitem o som muitas vezes estão
aparentes. De que forma você pensa a estética visual das suas
instalações? Qual é a importância delas para você?
Assimilo o equipamento de som em vários trabalhos como elemento
visual e estético. Para isto trato de desconstruir e apresentar seus
componentes, fios, falantes, amplificadores, circuitos etc, como
elementos formais da composição, deslocados de sua origem meramente
funcional.
O próprio alto falante pequeno de 2²1/4, o qual uso extensivamente na
construção dos objetos escultóricos, é um elemento estrutural e
fundamental na composição destes. O alto-falante (de modelo genérico
mostrado fora da caixa de som) pode ser visto como um ready made com
a peculiaridade de que emite som, ao mesmo tempo apresenta-se como
elemento gráfico de um ponto que, ordenados em série e ligados aos fios,
assemelham-se, em seu conjunto, a um circuito, uma partitura ou código,
por exemplo.
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