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o que por si só não é demarcativo nem denotador da apreensão de pronta influência. Como
pude demonstrar há, entretanto, certa aproximação de eixos temáticos e um forte vínculo
estético que inclui até a derradeira confluência de repetição de um texto-rio, um texto em
cursivas que, vinte e quatro anos após a primeira edição de ...y no se lo tragó, atravessa
também o capítulo final de La frontera. Porém, forma parte dos dados evidenciados desta
pesquisa a reconhecida homenagem prestada a outro autor chicano de grande valor, posterior
a Tomás Rivera: Ricardo Aguilar Melantzón, reconhecidamente transportado à figura do
personagem chicano José Francisco do romance de Carlos Fuentes.
Há, entretanto, outro dado interessante a ser extraído da investigação bibliográfica que
mostra a igual leitura de Aguilar Melantzón por Fuentes. Sobre a obra Madreselvas en flor
(1987), o intelectual mexicano José Lozano Franco (1990, p. 215) escreveu em artigo que:
[
a] pesar de estar dividida en cuentos, se puede considerar una novela en episodios,
la ambivalencia de la frontera se multiplica y aparece en todos los aspectos
importantes de la vida del narrador, demasiado parecido a Ricardo Aguilar
Melantzón, su autor.
Observam-se desse modo correspondências estéticas que parecem responder
literariamente à apreensão de fragmentação dos sujeitos envoltos nas relações de alteridade do
entorno fronteiriço que há muito divide (e une) México e Estados Unidos. Dado o fato de que
a historicidade dessas relações revela uma história de contato e conflito já praticamente
bicentenária, há como verificar a incidência nas obras e suas influências, reletida no modo de
narrar/contar suas histórias, de um eixo comum, o movimento migratório no entorno
fronteiriço sobre o qual debruçam suas ficções, o qual aproxima as abordagens narratológicas
à re(a)presentação, e discussão, de um evento histórico de longa duração, aos moldes das
teorizações do historiador francês Fernand Braudel (1902-1985) sobre os tempos históricos de
curta, média e longa duração
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.
A ambivalência fronteiriça para a qual cobra atenção Lozano Franco, essa bi valência
nas histórias e nos sujeitos fronteiriços que trazem a suas ficções escritores chicanos como
Tomás Rivera e Ricardo Aguilar recebe hoje um olhar crítico ainda mais atento, como é o
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Nome fundador da escola historiográfica que seria conhecida como Nova História, o francês Fernand Braudel
(1902-1985), em seu Meditarranee, LA: L' espace et L' histoire (1949, 1958), teoriza sobre a dialética das
durações do tempo histórico, dividindo-as em: tempo curto, médio e de longa duração. O autor identifica o
tempo curto com o tempo individual dos acontecimentos e dos personagens históricos. Já o tempo de duração
média estaria ligado ao campo da economia, cujas durações influenciariam os caminhos da história social. Por
fim, o tempo de longa duração estaria vinculado a estruturas mais duradouras, a movimentos seculares (ou mais
que isso; e, neste caso, pode-se equivaler o tempo à noção de estrutura) de longa duração. Tal durabilidade dos
tempos históricos importa para a análise do caráter de permanência dos imaginários trazidos à tona em ambas as
narrativas ora em destaque.
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caso da crítica bi-borderlands que amplia os horizontes da anterior crítica borderlands
procurando aquela girar, como afirma a intelectual chicana Dra. Graciela Silva Rodríguez
(2012, p. 19), “en torno a la visión sociocultural, literaria y lingüística de la frontera entre
México y Estados Unidos, así como sus extensiones geográficas a unas 600 millas al norte y
al sur”. Tal crítica responde por uma perspectiva que vá algo mais além da noção de linha
fronteiriça para o entorno entre o norte mexicano e o sudoeste estadunidense, contemplando,
dessa maneira, um verdadeiro caleidoscópio de imagens, personalidades e identidades na
ampla extensão pela qual se dão as relações sociais, de alteridade e a produção cultural e
literária de sujeitos de ambos os lados dessa fronteira, em verdade, bem maior do que supõe a
visão de seus já longos limites geopolíticos. Rivera e Melantzón e suas construções literárias
de eventos e sujeitos fragmentados entram na captação de uma análise crítica de bi-
fronteiridade cultural e literária. Carlos Fuentes não é um sujeito desse extenso entorno, mas
seu interesse de leitura e apreensão do que ali se passa deixa com que capture ao menos parte
desse espírito, dessa mystique bi-fronteiriça na fragmentação extrema de seu La frontera de
cristal, aproximando-se por interesse à temática, embora deixando transparecer suas heranças
mais arraigadas.
A aproximação verificada leva Fuentes a um contexto maior de apreensões e
observações em seus estudos e abordagens sobre o que chama de as três hispanidades. Há,
portanto, a representação não de um ponto de cisão, mas, acredito, de uma linha continuadora
e mais avançada em relação aos interesses de sua corrente intelectual sobre o que se escreve e
se pensa a respeito e a despeito das gentes de seu país. A intenção maior de um intelectual é
ao fim e ao cabo a de contribuir de alguma maneira com as áreas do conhecimento sobre as
quais se imiscui e se propõe a dialogar e, muitas das vezes, confrontar. Parece-me inegável,
contudo, que, por ainda reverberar ecos de pensamento ideológico de uma mesma linha de
parte da intelectualidade mexicana, em La frontera de cristal Carlos Fuentes termina por
contribuir para a composição de imaginários a partir de uma visão até certo ponto pessimista
do sujeito mexicano, numa linha de pensamento muito próxima à de toda uma geração de
intelectuais de países em posição de minoritariedade com relação ao “mundo desenvolvido”.
É importante notar também que, no que se refere a posicionamentos intelectuais e
ideológicos materializados em obras escritas, há que se levar em consideração que tudo
demanda de questões de escolha, de seleção, de situação e contexto social e político em que se
está envolvido, ou seja, o contexto de sua época, da época em que compuseram seus
argumentos os pensadores aqui elencados e sua formação intelectual. Há que se ressaltar, por
fim, que a agregação, a transformação de pré-conceitos estabelecidos a preconceitos se dá por
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