Landell de Moura



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Landell de Moura: aspectos relevantes para a trajetória do reconhecimento
césar augusto azevedo dos santos1

No presente texto busca-se evidenciar na trajetória de Landell de Moura como cientista, elementos que possam ter contribuído decisivamente para que, apesar do pioneirismo de seus inventos, ainda não tenha recebido dos historiadores e da sociedade brasileira o devido reconhecimento pelo seu trabalho científico. Trazem-se dados históricos, baseados em autores e depoimentos confiáveis, que o apontam como precursor dos princípios que resultaram na difusão da palavra, desencadeando, mais tarde, a invenção do rádio como veículo de comunicação. Nosso objetivo, deixando de entrar no mérito do importante trabalho de Marconi, é aprofundar o conhecimento dos fatos que não permitiram a Landell de Moura o reconhecimento do seu pioneirismo.

O mérito de concretizar com êxito a primeira transmissão telegráfica a distância coube a Morse, em 1844, nos Estados Unidos. Depois disso, o avanço nas comunicações foi rápido. Em 1850 surgiram os cabos submarinos que uniram a Inglaterra à França. Em 1856, ocorre a primeira transmissão da palavra falada através de fios, numa conquista do italiano Antonio Meucci. Em 1873 surge a teoria de J. Maxwell, segundo a qual o efeito combinado da eletricidade e do magnetismo manifesta-se no espaço, originando o campo magnético que se propaga sob a forma de vibração ondulatória, com a velocidade da luz, teoria que seria determinante para a formação do padre-cientista gaúcho Landell de Moura.

No final da década de 1870, as transmissões através de fios, pela telegrafia e pela telefonia, já estavam bastante conhecidas no mundo. Sua utilização se generalizava e Hertz preparara as ondas descritas por Maxwell para a utilização nas transmissões sem fios. Vários cientistas da época formulavam teorias sobre a telegrafia sem fios, entre eles Joseph Henry, Edouard Branly, Oliver Lodge e Nikola Tesla.

Essa breve descrição da evolução da ciência no campo da comunicação eletro-eletrônica evidencia o longo caminho trilhado pelos cientistas que antecederam Landell de Moura e Marconi em diferentes pesquisas e experimentos, oferecendo teorias fundamentais para a concepção dos seus aparelhos, que, por sua vez, revolucionariam a história da comunicação humana. Se até então os grandes estudos e inventos da comunicação ocorriam no norte da Europa ou nos Estados Unidos, os anos seguintes revelariam outras conquistas técnicas importantes, desta vez no Brasil e na Itália.

Em 1892, quando Landell de Moura é transferido para Campinas (SP), os estados de São Paulo e Rio de Janeiro constituíam os centros tecnológicos do Brasil, o que propiciou ao padre-cientista melhores condições para desenvolver os seus inventos e adquirir os materiais para construir seus aparelhos.

Guglielmo Marconi, treze anos mais jovem do que Landell de Moura, educou-se em Bolonha, Florença e Livorno, demonstrando desde menino grande interesse pela física e pela eletricidade. Crescendo na Europa, encontrou o meio econômico-cultural adequado para a evolução do seu pensamento científico, logo dando aplicação prática aos resultados das experiências de laboratório anteriormente realizadas por Hertz, Oliver Lodge, Augusto Righi e outros.

Mais que isso, conheceu Righi na Universidade de Bolonha, quando se concretizavam experiências com ondas eletromagnéticas. Pelos resultados dos estudos de Hertz, Marconi concluiu que tais ondas poderiam transmitir mensagens. Assim, em 1895, realizou suas primeiras experiências com aparelhos rudimentares, conseguindo fazer chegar certos impulsos elétricos a mais de um quilômetro e meio de distância.

A passagem de Landell de Moura pela Universidade Gregoriana, em Roma, foi essencial para o seu aprimoramento científico e contato com as teorias descritas anteriormente e que subsidiaram seus estudos. Neste aspecto, cabe salientar que o progresso dos estudos do cientista brasileiro tem muito a ver com o fato de ter estudado na Itália, onde as ciências eram mais desenvolvidas.

Partindo dos mesmos princípios observados por Marconi, Landell de Moura tem o mérito de, mesmo vivendo, então, fora dos centros tecnológicos mundiais, ter realizado as experiências consideradas pioneiras pelos autores brasileiros e que, mais tarde, seriam desenvolvidas pelo cientista italiano.



Revisitando a história

A literatura mundial acerca da história da comunicação, largamente utilizada em estudos e ensino acadêmicos, inclusive no Brasil, é prodigiosa em citar Marconi como o gênio que desenvolveu a tecnologia de transmissão da voz humana sem a utilização de fio, invento que resultaria, mais tarde, na criação do rádio como veículo de comunicação massiva.

Na concepção de Lombardi (1987, p. 183),


As experiências sobre a radiodifusão tinham começado muitos anos antes, desde 1896, quando Guglielmo Marconi conseguiu transmitir a voz através de ondas elétricas na histórica experiência realizada em Pontechio, próximo de Bolonha, criando, na prática, a primeira antena irradiadora.
DeFleur e Ball-Rokeach (1993, p. 110) complementam Lombardi, dizendo que Marconi
construiu aparelhos cada vez maiores que alcançavam distâncias também maiores. Acabou sendo transposto até o Atlântico. Conquanto a obra de Marconi talvez não haja adiantado extraordinariamente a ciência básica, representou um passo extremamente significativo na evolução do rádio como meio instantâneo de comunicação de grande alcance.
Em Thompson (1995, p. 241) há uma reafirmação dos autores já referidos, indicando, também, a data do registro da patente de sua invenção quanto ao uso de ondas eletromagnéticas na comunicação sem fio.
Mas a invenção de Marconi, empregando ondas eletromagnéticas e dispensando a necessidade de fios de transmissão, aumentou enormemente o potencial desse meio e transformou a natureza da comunicação por eletricidade. Marconi registrou uma patente inglesa em 1896 e estabeleceu a Marconi Wireless Telegrapf an Signal Company em 1897.
Também em ensaio de Pool (1992, p. 90), há referência ao descobrimento dessas ondas que possibilitaram a propagação de sinais radiotelegráficos de um país para outro.
El descubrimiento de las ondas hertzianas, que ahora llamamos ondas de radio, estimuló la investigación. Una de las personas cuya imaginación quedó capturada fue el joven Marconi. Su importante idea no fue una teoría científica sino una intuitiva convicción, que resultó ser cierta, de que por alguna razón esas ondas podían recorrer distancias muy largas. En 1901 su gran experimento fue transmitir un señal desde Poldu, en Gales, hasta Terranova.
Observa-se, nas citações acima, que não é feita qualquer menção ao nome do Padre Roberto Landell de Moura, contemporâneo de Marconi, que colocou em prática um invento semelhante, além de desenvolver outros que anteciparam o princípio da televisão e a utilização do raio laser.

Entretanto, contrapondo-se à história oficial, há uma significativa literatura no Brasil denunciando uma injustiça contra Landell de Moura e registrando o seu nome como o verdadeiro “pai do rádio”.



Para Vampré (1979, p. 21), Landell aprimorou seus inventos em Campinas (SP):
Foi em Campinas que este padre-cientista iniciou a construção de aparelhos de sua exclusiva invenção, que iria expor ao público na capital paulista, em 1893 (...) O pároco de Campinas levou à capital seus estranhos aparelhos e, talvez, satânicos instrumentos, na opinião de fiéis extremados. Instalou um deles, o emissor, na Avenida Paulista, ponto dos mais elevados da cidade, e o receptor, no bairro e Morro Sant’Ana, a oito quilômetros de distância. E de público, na presença do representante do governo britânico, P. C. P. Lupton, e de outros convidados, logrou a primeira transmissão radiotelefônica com fio e sem fio.
Na mesma direção aponta Fornari (1984, p. 34-35):
Ora, sabe-se que foi somente em 1895, com idade de 21 anos apenas, que Marconi fez a primeira dissertação sobre telegrafia sem fio. Sabe-se que o ainda quase adolescente físico italiano patenteou sua descoberta logo no ano seguinte, a 12 de setembro de 1896, na Inglaterra, para onde, como já foi dito, tão inteligentemente se transferira. (...) Isto esclarecido, saiba-se agora que as primeiras experiências de transmissão e recepção sem fio, efetuadas com pleno êxito pelo nosso patrício Padre Roberto Landell de Moura (...) tiveram lugar entre os anos de 1893 e 1894. Saiba-se mais que seus inventos só foram patenteados, um em 1900 e outros mais tarde – o que lhe tirou a prioridade científico-oficial.
Albuquerque (1993, p. 16) também registra o pioneirismo de Landell de Moura:
No ano de 1894, Landell de Moura realizou, em São Paulo, na parte alta da Av. Paulista (...) Foram as primeiras transmissões-recepções, em fonia e telegrafia, com um sistema fotônico-eletrônico, numa distância de oito quilômetros, em 3 de junho de 1900, no alto de Santa Ana, cidade de São Paulo, registradas pela imprensa da época.
Outro estudioso que destaca o vanguardismo de Landell é Cauduro (1977, p. 18):
No ano de 1893, a transmissão do som sem o emprego de fios surpreendeu a cidade brasileira de São Paulo numa experiência realizada pelo Padre Roberto Landell de Moura. O cientista transmitiu a palavra falada a uma distância de oito quilômetros, entre aparelhos transmissor e receptor. Tratou-se da primeira radiotransmissão da qual se tem notícia. Transcorrido um ano da experiência de Landell de Moura, o italiano Marconi obteve alguns resultados satisfatórios a uma distância de sete metros, empregando um oscilador de Hertz.
Como pode ser observado, os autores brasileiros citados reivindicam a primazia do Padre Roberto Landell de Moura na invenção do rádio. A partir desta controvérsia explicitada na literatura existente, verifica-se que a história mundial da comunicação deveria, no mínimo, oferecer o benefício da dúvida ao inventor gaúcho, considerando que Marconi patenteou primeiro seus inventos, o que não significa que os tenha criado antes de Landell de Moura.

O pioneirismo de cada um

As invenções pioneiras do brasileiro Roberto Landell de Moura, no campo das comunicações eletrônica-fotônica, foram por ele jurídica e tecnicamente registradas numa patente nacional e em três patentes no exterior. Embora haja caducidade dos direitos destas patentes, há muitas décadas, elas representam marcos do início das telecomunicações mundiais por fonia.

O Brasil, junto com a comunidade científica, embora tendo adotado oficialmente essas invenções na época, até hoje não reivindicou o pioneirismo nacional. A evolução da telecomunicação eletrônica abrange, até a atualidade, três períodos: emissão por centelhamento (oscilador de Hertz); emissão termiônica (válvula); emissão transistorizada (transistor) (Albuquerque, 1993, p. 50).

De acordo com o mesmo Albuquerque (2000), as diferenças técnicas entre as invenções dos dois cientistas são: Marconi patenteou na Inglaterra, sob o n. 12.039-1, em 12/09/1896, somente a transmissão-recepção eletrônica por centelhamento dos sinais telegráficos em código Morse. Landell de Moura, já em 1894, em São Paulo, fazia experiências públicas em telegrafia e fonia, pelo mesmo sistema de Marconi, acrescido do sistema fotônico (emissão de feixes de luz ou fótons) em telegrafia e fonia.

Landell de Moura patenteou, no Brasil, em 09/03/1901, sob n. 3.279, esse seu sistema fotônico-eletrônico. Desta forma, “o cientista brasileiro inovou, em relação à patente de Marconi, a prioridade na transmissão-recepção mundial da palavra, ou fonia, em emissão fotônica-eletrônica, até então sem patentes mundiais” (Albuquerque, 2000)

A posição de Albuquerque lança uma nova luz sobre a polêmica de quem, na verdade, foi o pioneiro na radiodifusão. Genericamente a discussão do pioneirismo se trava a partir do pressuposto de que Landell e Marconi desenvolveram experiências idênticas e que o fato de o cientista italiano ter patenteado primeiro seu invento lhe daria, então, a primazia.

Entretanto, verifica-se que se trata de invenções apenas semelhantes, uma vez que “Marconi é o iniciador da emissão-recepção eletrônica telegráfica. Landell de Moura é o pioneiro da emissão-recepção fotônica-eletrônica em fonia, sendo o precursor da radiodifusão” (Albuquerque, 1993, p. 50).

A observação está baseada nos estudos das patentes internacionais de Marconi e Landell de Moura. Ao fazer suas transmissões, publicamente, em São Paulo, o padre-cientista é o primeiro radioamador em telegrafia fonia e o primeiro comunicador da radiodifusão com a continuação dos contatos no País e no Exterior.

Como conseqüência de suas descobertas, a Marinha de Guerra do Brasil, logo no retorno de Landell de Moura dos Estados Unidos no início de 1905, já em 19 de março do mesmo ano, realizava experiências com a telegrafia por centelhamento, no encouraçado Aquidabã. Foram usados os aparelhos patenteados pelo cientista gaúcho em 1901, no Brasil, e 1904, nos Estados Unidos. A Marinha de Guerra é a pioneira, no Brasil, da radiotelegrafia permanente (Albuquerque, 1993, p 48).

Dentro dos mesmos princípios técnicos, a antiga Repartição Geral dos Telégrafos, em 1910, iniciou a organização da primeira rede radiotelegráfica por centelhamento, com oito estações, cobrindo a costa brasileira, de norte a sul. É a primeira rede radiotelegráfica em terra, sendo a pioneira da América do Sul.

Utilizando, em parte, princípios semelhantes aos das patentes de Landell de Moura, os equipamentos da Marinha e da RGT eram produzidos na Inglaterra ou na Alemanha, pela Marconi ou pela Telefunken. O que parece ser uma ironia do destino revela, no entanto, uma diferença essencial entre os dois cientistas. O fato de os equipamentos utilizados no Brasil terem sido produzidos pela empresa de Marconi elucidam a visão empresarial que o cientista italiano sempre teve em relação às suas pesquisas e à recepção numa “sociedade moderna” que as mesmas tiveram, diferentemente de Landell de Moura no Brasil.

Foi por não ter obtido, num primeiro momento, apoio dos governantes italianos que Marconi se transferiu para a Inglaterra para dar continuidade aos seus experimentos, agora sim com apoio oficial. Em 1897, organiza em Londres sua primeira empresa, a Marconi’s Wireless Telegraph Company Limited, com a finalidade de explorar comercialmente as patentes que lhe foram concedidas.

O sucesso da invenção levou o governo italiano a convidá-lo para montar uma estação em La Spezia, de onde conseguiu estabelecer contato com navios situados a uma distância de doze milhas. Em 1901, desafiando diversos matemáticos, para os quais a curvatura da terra limitaria a utilização da nova invenção a distâncias curtas, Marconi realizava uma transmissão através do Atlântico, estabelecendo-a entre Poldhu, na Inglaterra, e St. Jonh’s, em Terra Nova, no Canadá (Cauduro, 1997).

Em 1907, a navegação passou a utilizar comercialmente o invento. Graças aos excelentes resultados obtidos com o emprego da radiotelegrafia no salvamento de navios, leis foram promulgadas em numerosos países, em 1909, tornando obrigatório o uso de instalações para esse fim nos navios. Ainda em 1909, Marconi partilhou o Prêmio Nobel de Física com Karl Ferdinand Braun e foi nomeado para o senado italiano.

Oficial do exército e depois da marinha, durante a I Guerra Mundial, aperfeiçoou a aplicação da radiotelegrafia nas operações militares. Em 1916 construiu os primeiros aparelhos de ondas curtas, melhorando o sistema de transmissões a grande distância. A partir daí, Guglielmo Marconi recebeu diversas honrarias de diferentes governos.

Em 1923, ingressou no Partido Fascista como membro do Grande Conselho Fascista, tornando-se também presidente da Academia Real Italiana. Em 1929, recebeu o título de marquês. Em 1931, comprimindo um botão em Roma, Marconi transmitiu sinais de rádio que ligaram o comutador geral da iluminação do monumento ao Cristo Redentor, erguido no alto do Corcovado, no Rio de Janeiro.


O mito

Muito embora as razões que embasam a defesa de Landell de Moura como o verdadeiro precursor da radiodifusão possam ser consideradas consistentes, observa-se que os autores brasileiros citados no estudo, por via de regra, tendem a mitificar a imagem do cientista gaúcho, estabelecendo um contraponto à de Marconi, sutilmente apresentado no papel de “vilão”.

Recortando-se, dos escritos de autores brasileiros, a parte relativa ao trabalho científico de Landell de Moura, é possível visualizar, no restante, uma tendência à mitificação de sua figura. O padre é sempre descrito como um personagem desprovido de qualquer tipo de ambição material, de porte físico fragilizado, altruísta, estigmatizado como louco, perseguido por fiéis da Igreja e que, apesar da falta de apoio governamental e da Igreja Católica, conseguiu realizar experimentos importantes para a humanidade.

Os autores brasileiros citados neste estudo tendem a atribuir o não-reconhecimento de Landell de Moura como precursor da radiodifusão, especialmente, à falta de apoio institucional, desconsiderando o contexto socioeconômico vigente na época e a trajetória de Marconi.

A exemplo de Landell de Moura no Brasil, Marconi também teve suas pesquisas tratadas com pouco-caso pelas autoridades italianas, depois da experiência de radiotelegrafia realizada em La Spezia, em 1897. A diferença é que pôde transferir-se para a Inglaterra imediatamente, recebendo incentivo para prosseguir seu trabalho. De acordo com Solari (1942, p. 6), as relações de Marconi com o governo italiano permaneceram estremecidas:
Depois da histórica experiência de La Spezia e depois da fundação da Companhia Marconi, se verificou um longo período de silêncio entre Marconi e a Marinha Real. (...) Podemos dizer, ainda, que entre Marconi e o governo italiano a relação permaneceu rompida por quatro anos.
Pode-se deduzir daí que Marconi igualmente encontrou resistências iniciais das autoridades de seu país em relação aos seus inventos. A diferença é que conseguiu pelo menos o apoio da Marinha Real para realizar o experimento de La Spezia, em 1897, o que Landell de Moura não obteve no Brasil, embora tenha tentado junto à Marinha brasileira.

Não obstante ter conseguido demonstrar suas experiências no campo da radiotelegrafia, Marconi teve que buscar na Inglaterra o apoio institucional e reconhecimento iniciais. Isso causou-lhe problemas políticos em sua pátria e mesmo desgosto da parte de seus familiares, pois muitos passaram a considerá-lo até como um traidor (Solari, 1942).

A diferença crucial entre as trajetórias de Landell de Moura e Marconi, pode-se afirmar, reside inicialmente no contexto em que cada qual desenvolveu seus inventos. Na Europa, já existia uma tradição nos estudos científicos e tecnológicos quando Marconi iniciou seus estudos. O interesse demonstrado pela Marinha italiana e, depois, pela inglesa em seus estudos é reflexo dessa tradição. O Brasil, entretanto, ainda engatinhava neste ramo, conforme Nagamini (1994, p. 132).
(...) A segunda, em que são construídas as primeiras estradas de ferro, a partir de 1850, e são apresentados os primeiros projetos de melhoramentos portuários, muitos dos quais não executados. E uma terceira fase, com a difusão de escolas de engenharia, a transformação da Escola Central em Politécnica do Rio de Janeiro (1874), a criação da Escola de Minas de Ouro Preto (1876) e, já na fase republicana, a Escola Politécnica de São Paulo (1894).
O fato de o Brasil não possuir tradição no ensino e na pesquisa tecnológica, na época em que Landell iniciou e realizou seus experimentos, se, por um lado, aumenta o mérito do inventor gaúcho, por outro, revela que a inexistência de uma “cultura” social mais aguçada em relação às pesquisas científicas pode ter sido o fator determinante da resistência das autoridades em aceitar sua aplicabilidade prática.

Este é um aspecto não considerado pelos autores brasileiros na sua defesa dos inventos de Landell de Moura como pioneiros diante de Marconi. Tal posicionamento deixa transparecer a idéia de que o cientista italiano assume a imagem de “vilão”, uma vez que obteve o reconhecimento mais em razão de seu espírito empresarial, que Landell de Moura não tinha, do que pelo mérito de seus estudos. Na verdade, o contexto europeu de então é que direcionou seu pensamento neste sentido e a aceitação de seus experimentos numa perspectiva comercial pela sociedade.

A questão central, no aspecto da primazia do invento, é que não existe prova documental de que Landell de Moura efetivamente realizou a experiência de 1893/1894, na Avenida Paulista, em São Paulo. Há o registro em jornais da experiência desenvolvida em 1900, no mesmo local, com a presença de Lupton, representante do governo britânico no Brasil.

Os autores brasileiros reproduzem a informação da experiência de 1893 baseados em Fornari, o primeiro a ocupar-se de Landell de Moura, em livro publicado em 1960, pela Editora Globo, de Porto Alegre. A obra foi, mais tarde, reeditada pela biblioteca do Exército. As publicações editadas pela Fundação Educacional e Cultural Padre Landell de Moura (Feplam), em forma de livros, revistas, folders e vídeos, baseiam-se todas em Fornari.

Somente Almeida (1983) mostra reservas em tomar como fato irrefutável a realização da experiência de 1893/1894, por Landell de Moura, que poderia ter encaminhado concretamente a revisão do pioneirismo de Marconi como precursor da radiodifusão.

Se a dúvida persiste em razão da falta de comprovação da transmissão de 1893/1894, contra a qual concorre a patente obtida por Marconi em 1896 sobre a radiotelegrafia, comprova-se a tese de que a primeira transmissão de radiofonia foi mesmo a de Landell de Moura, ainda que se considere a experiência de 1900. Neste período e por mais alguns anos, Marconi ocupou-se tão somente da radiotelegrafia e não da transmissão da voz.

Quando se mudou para a Inglaterra, Marconi empenhou-se em viajar da Europa até o Canadá e os Estados Unidos para realizar as primeiras transmissões radiotelegáficas intercontinentais, centrando neste propósito seus estudos. Nesta época, Landell de Moura já havia obtido a patente brasileira de seu invento.

Fornari (1984), de forma legítima, neste aspecto, defende o pioneirismo de Landell de Moura, reduzindo, no entanto, a eficácia de seu estudo na medida em que sugere perseguições e restrições da Igreja Católica ao trabalho do padre gaúcho, sem a necessária comprovação documental das mesmas. Assim ocorre com os demais autores, exceção feita a Almeida (1983) e Albuquerque (2000), no depoimento que nos deu.

Criou-se a imagem idealizada de um Landell de Moura abandonado à própria sorte, de constituição física frágil, desprovido de recursos financeiros, sofrendo restrições da Igreja quanto ao seu trabalho científico e sem apoio institucional (Fornari, 1984), que, lutando contra isso, consegue até ir até os Estados Unidos para patentear seus inventos. Em oposição, encontra-se um Marconi, oriundo de boa família, “esperto” e apoiado pelas autoridades governamentais, além do Papa Pio XI.

C

onsiderações finais

As polêmicas mais significativas na trajetória do padre-cientista gaúcho repousam nas supostas omissões do poder público e da Igreja Católica, que teriam sido, de acordo com alguns dos autores citados neste artigo, de grande influência para que sua obra não fosse até hoje reconhecida e referenciada no mundo científico.

Os autores brasileiros que analisaram seu trabalho são unânimes em afirmar que, tivesse o governo republicano mostrado interesse e valorizado a experiência proposta por Landell de Moura e, mais que isso, apoiado financeiramente a continuidade das suas pesquisas nos Estados Unidos, como ele desejava, possivelmente o seu nome teria hoje outra dimensão no mundo das ciências.

Na fase inicial de suas experiências, como aquela levada a efeito em 1893, na Avenida Paulista, em São Paulo, é de certa forma compreensível um sentimento de dúvida de autoridades e população diante do novo que ali se expunha. Mas a partir do instante em que o próprio governo concede uma patente ao inventor brasileiro e o governo norte-americano, outras três, é de supor que a comunidade científica e o próprio País dedicassem um outro tratamento a Landell de Moura.

Quando se trata da Igreja Católica, entretanto, a análise de como ela se portou no processo que culmina com o não-reconhecimento de Landell de Moura como o precursor da radiodifusão não revela a mesma nitidez observável no caso do Estado. As variáveis imbricadas na questão são mais numerosas e complexas.

De um lado está o poder público, entre cujas atribuições está implícita a de promover o desenvolvimento científico e cultural da nação, destinando para isso parte dos recursos que gerencia. Neste aspecto, se naquele momento histórico a autoridade governamental tivesse entendido como importante o trabalho que estava sendo desenvolvido por Landell de Moura, teria tido base legal para financiar suas pesquisas.

Tal situação não se aplica à Igreja Católica, embora fosse Landell de Moura um sacerdote, uma vez que apoiar ou financiar pesquisa científica não é a atividade-fim das instituições religiosas. Não obstante, pela importância e influência que a Igreja Católica exerceu e exerce na sociedade brasileira e mundial, como instituição que congrega milhões de fiéis em todos os níveis da estrutura social, se tivesse julgado pertinente defender o pioneirismo do Padre Landell de Moura, talvez tivesse obtido um resultado, no mínimo, satisfatório.

Este estudo evidencia a inexistência de comprovação documental da tese defendida pelos pesquisadores brasileiros de que Landell de Moura é, de fato, o precursor da radiodifusão, a partir da primeira transmissão, realizada em São Paulo, em 1893. Não invalida, entretanto, a hipótese do seu pioneirismo nas transmissões e patentes de radiofonia.

Deve-se considerar, ainda, o fato de Marconi ter vivido e desenvolvido suas pesquisas na Europa e de ter sido dotado de um espírito empreendedor, que Landell de Moura não tinha, no sentido de sempre vislumbrar uma perspectiva comercial para seus inventos.

Nada disso impede, porém, que hoje essa discussão seja retomada, com o objetivo de se processar uma revisão da história da comunicação, a fim de que o nome de Landell de Moura também passe a ser citado, pelo menos, como um dos precursores da radiodifusão.

Com as informações inseridas neste trabalho, a partir de uma revisão bibliográfica e de depoimentos de conhecedores do tema, além da exposição da cronologia das atividades científicas de Landell de Moura, anteriores às de Marconi, espera-se ter contribuído para a discussão de uma temática relevante para a história dos cientistas brasileiros, no campo da comunicação.




B

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1 Professor e Diretor da Faculdade de Artes e Comunicação da Universidade de Passo Fundo. Jornalista graduado pela PUC-RS e mestre em Teoria e Ensino de Comunicação pela UMESP.

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