Pentecostes, a festa da unidade
No antigo calendário judaico, são prescritas três grandes festas em honra do
Senhor: a Páscoa, a festa das Semanas, das Colheitas ou Pentecostes e a festa dos
Tabernáculos ou Cabanas (Ex23,14-17; 34,18-23).
A festa das Colheitas tem uma peculiaridade que não tem a festa da Páscoa, a
principal festa religiosa do povo israelita. Enquanto esta era uma celebração caseira e
familiar,
quando muito, celebrada com algum vizinho (Ex 12,1-4), aquela era uma
celebração comunitária, celebrada com a família, escravos, viúvas e órfãos (Dt 16,11).
Sendo assim, a celebração de Pentecostes é, essencialmente, comunitária e, de alguma
forma,
unitiva
.
Tendo, porém, consciência de que
“a lei é apenas sombra dos bens futuros e
não sua expressão real”
(Hb 10,1), pode-se afirmar
que Pentecostes no Antigo
Testamento era mera figura de um bem maior – o Espírito Santo – único capaz de
unir
a todos numa só alma e num só coração (At 4,32).
No Novo Testamento, antes de sua ascensão, o próprio Cristo pede aos
Apóstolos que não se afastem de Jerusalém, mas que aguardem o cumprimento da
promessa do Pai (At 1,4-5), ou seja, que
permaneçam juntos
a fim de se preparem para
receber o dom do Espírito Santo.
Os Apóstolos assim procedem: reúnem-se em oração no Cenáculo
juntamente
com Maria, algumas mulheres e outros contados ao número dos cristãos, esperando o
acontecimento prometido (At 1,14).
Permanecer juntos foi, portanto, a condição exigida por Jesus para receber
o Espírito da Promessa (Gl 3,14).
São Lucas, ao descrever o evento no Livro dos Atos dos Apóstolos, pormenoriza
os detalhes:
“Estavam reunidos no Cenáculo, no andar de cima”
(At 1,13).
“Ouviu-se
um barulho como se soprasse um vento impetuoso…”
,
“apareceram línguas de fogo…”
(At 2,2-3). Estes sinais nos remetem claramente ao pacto feito no Monte Sinai entre
YHWH e seu povo:
“Todo o Monte Sinai”, assim nos diz a Escritura, “fumegava,
porque o Senhor havia descido sobre ele no meio de chamas. A fumaça que se elevava
era como o de um forno, e todo o monte estremecia violentamente”
(Ex 19,18). Em
Pentecostes surge,
por conseguinte, um novo pacto entre Deus e os homens e que se
estende a toda a Terra.
Inicia-se assim a missão da Igreja no mundo; esta que, desde o princípio, se
torna
katholikós
(Universal), impelida pelo Senhor (Mt 28,19) e pelo Espírito, anuncia a
Boa Nova a todos os povos. Esta catolicidade é evidenciada pelas numerosas etnias que
ouvem o primeiro anúncio dos Apóstolos (At 2,9-11) e,
em especial, pelas línguas de
fogo, que, ao contrário da Torre de Babel (Gn 11,1-9), já não dispersam, senão unem em
comunhão, numa só rede, todos os homens (Jo 21,11). Destarte, a salvação já não está
reservada a uma porção minoritária, mas é para todos ultrapassando qualquer limite
racial ou cultural, graças ao Espírito recebido, que
transforma as divisões em união
.
Neste tempo de júbilo, a liturgia nos preparou para uma nova efusão do Espírito
já recebida, uma vez, em nosso Batismo. Assim o Corpo Místico de Cristo (2Cor
12,12
ss
) revive aquilo que ocorrera no princípio com os Apóstolos “
perseveravam
unanimes na oração com as mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus, e os irmãos
dele”
(At 1,14).
Ao terminar a celebração de Pentecostes, o Círio Pascal - símbolo
do Cristo
ressuscitado - que, no decorrer destes 50 dias, esteve aceso durante as celebrações é
apagado, porque já não necessitamos de uma chama, dado a trazermos no espírito! Esta
chama é o próprio Deus, é o Espírito Santo, prometido pelo Senhor a todos os homens
(Jo 14,15-17). Não é mais o Círio o sinal da ressurreição, mas somos nós mesmos que, a
exemplo de Elias, anunciamos uma Boa Notícia que nos abrasa, qual tocha ardente, o
coração (Eclo 48,1): CRISTO RESSUSCITOU!
É este o mistério do Pentecostes: o Espírito Santo ilumina o espírito humano e,
revelando Cristo crucificado e ressuscitado, indica o caminho para nos tornarmos mais
semelhantes a Ele, isto é, sermos
“expressão e instrumento do amor que d'Ele
promana”
(Deus
Caritas est, nº 33), luz do mundo e sal da Terra (Mt 5,13-16).
Permaneçamos, portanto, unidos em comunidade, lugar do encontro com o
Senhor Ressuscitado (Jo 20,19-24), que nos dá o seu Espírito e perdão. E, com a
Virgem Maria, esposa fidelíssima do Espírito Santo, clamemos sem cessar:
“Ó Lux
Beatissima, Reple Cordis intima tuorum fidelium. Amem”
. (Sequência de Pentecostes).
Ir. Cristiano Giaretta
Publicado em maio de 2012
Ed. 6