107
Assim, fosse gótica durante certo tempo (séculos XIII e XIV), ou mesmo barroca,
como é o caso da arte em que se apoia a imagética católica romana a partir da Contra-
Reforma no século XVI, é interessante notar que o termo imaginária se difere de imaginário
justo por ser aquele mais atinente a uma espécie de coletivo, de coletividade, de reunião, de
uma verdadeira coleção de imagens visuais (quadros, pinturas, estátuas, santos). Mesmo
assim, ao usar os dois termos, Durand chega a utilizá-los quase como sinônimos. Tocarei,
mais à frente, no entanto, em como, em meu modo de ver, o imaginário se apropria disso, ou
seja, apropria-se de toda uma imaginária para que ela possa fazer parte, impregnando a mente
do imaginante; não sendo, contudo, o imaginário, em seu caráter difuso de surgimento, apenas
isso: quer dizer, apenas uma coleção, apenas uma imaginária. Esta faz parte daquele, ajudando
a compô-lo; sem, entretanto, dar conta de tudo o que é ou pode ser um imaginário. Mas, como
via de acesso, como meio que pode servir de acesso à formação de um imaginário, é mister
estudar o papel da imaginária sacra mexicana questionada pelo menino protagonista do
romance de Tomás Rivera.
A propósito de um inicial e necessário retorno às origens mexicanas, o dramaturgo
chicano Luis Valdez, em carta a Tomás Rivera, escreve sobre a publicação de “El Pete
Fonseca” (conto excluído da edição final de ...y no se lo tragó) em AZTLAN: An Anthology of
la Raza Literature. A Rivera, Valdez informa que a publicação da qual seu texto viria a fazer
parte tentava mostrar a evolução do chicano “desde sus comienzos como indígena, su
sufrimiento como mestizo, su incipiente nacionalismo como mexicano y su lucha contra la
colonización como revolucionario – específicamente como magonista
58
– y como chicano”
(VALDEZ [1971] – Traduzido do original em inglês por BUENROSTRO – in: RIVERA,
[1971] 2012, p. 273). Entendamos que faz parte desse nacionalismo, de que fala Valdez, toda
uma rede de artefatos culturais construídos na composição da ideia de nação. Assim, fazem
parte desse ideário nacional, construções que “ensinam” o que é ser nacional pela propagação
de tradições, muitas inventadas, que intentam um objetivo mor: um sentido, um sentimento de
pertencimento. Para tanto, para apreendido ser, envolvido ser o sujeito nessa rede de
construções, o questionamento passa longe desses artefatos culturais tecedores, criadores,
construtores de identificações pelo nacional, de identidades que se forjam pelo nacional; sem
que, nem sempre, deem-se conta disso.
58
O termo remete, em especial, à figura de Ricardo Flores Magón. Líder do Partido Liberal Mexicano, Magón
encabeçou um evento de cunho libertário que viria a ser denominado por historiadores como “A rebelião armada
magonista de 1911 em Baja California”. De cunho libertário e anarquista, este evento toma parte do contexto de
revoltas iniciado em 1910 contra o porfiriato, a ditadura de Porfirio Diaz, que durou de 1876 a 1911 (Cf.
GARCÍA, 2013, s/p.)
108
Tal rede de artefatos culturais
59
é descrita brilhantemente por Benedict Anderson em
seu já clássico Comunidades Imaginadas (1989). Vejo como plenamente cabível que a essa
categoria se inclua a imaginária que toma parte da simbologia do sentido do que é ser
nacional. Para entender a imaginária que emerge das narrativas de ...y no se lo tragó la tierra
é interessante voltar no tempo, como sugere Valdez, e tomar o exemplo emblemático da
usurpação espanhola de Tenochtlán. Ali, ergueu-se o lugar que viria a ser conhecido como
Cidade do México a partir dos escombros da metrópole asteca destruída. Utilizando-se mesmo
as ruínas, as pedras da capital indígena destroçada, dominada, ergueram-se novas construções
com a arquitetura hispânica de então. Assim, casas e templos foram erguidos por sobre os
destroços de casas e templos do Império autóctone vencido. Ocorre que a mesma mão
indígena que serviu colonizada a esta reconstrução deixou vazar nesse seu ato obrigado
(especialmente na decoração dos emergentes templos católicos) os traços de seu passado,
dando margem a uma sobreposição à sobreposição já imposta pela devastação espanhola. É
nesses traços que se deixa ver a herança indígena, a qual com o tempo chegará às vias do
sincretismo, servindo este oportunamente ainda mais tarde (muitas vezes pelas mãos e os
instrumentos de influência de que dispunham os protagonistas das batalhas pela
independência e, depois, nas lutas de revolução) ao tal incipiente nacionalismo mexicano, o
qual, não diferentemente do que se passou em quase toda a América católica, cria, apanha e
apoia parte de seu simbolismo (tão necessário à construção e manutenção imagética do
nacional) na imaginária que tomam como sacra, tradicional, as gentes do povo enredado nas
malhas ilusórias do nacionalismo.
É importante ressaltar, entretanto, como, apesar do constructo que é, esse
nacionalismo emergente em toda a América desde as guerras de independência terminará por
ser um essencial escudo diante da potência expansionista (de imposição também cultural) que
se tornam os Estados Unidos da América do Norte. Sucede que o menino protagonista do
romance de Tomás Rivera sugere novas questões sobre o binarismo de forças México x
Inimigo Ianque: qual a pertinência de apego a valores culturais mexicanos quando se é
chicano in USA? De que valem os artefatos culturais mexicanos perpetuados pelos mais
velhos de sua gente quando se é um menino me(x)chicano criado, mas que ainda busca
inserção social (como sujeito de direitos, como estudante cuja etnia mereceria ser respeitada),
59
O autor destaca, grosso modo, dentre tais artefatos: a associação entre uma língua única e limites geográficos
definidos; o desenvolvimento do capitalismo mercantil; e o surgimento e progressão da imprensa, que permitiu
uma difusão quase simultânea de conhecimentos em relação às metrópoles e entre as colônias, além de ajudar a
propagar os ideais que viriam a legitimar o sentimento, a consciência da qualidade do ser nacional
(ANDERSON, [1989] 2005, p. 65-75).
Dostları ilə paylaş: |