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CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho de doutoramento, abordei a relação literariedade, imagem e
imaginários como tema. Através de uma leitura atenta do corpus ...y no se lo tragó la tierra
de Tomás Rivera e La frontera de cristal de Carlos Fuentes pude comprovar da vinculação
em destaque o encadeamento possível entre literatura e fomentação de imaginários.
Ao longo da presente tese, o objetivo foi traçar uma linha que, desde a análise crítica
dos romances em tela, atestasse o valor da literariedade em ambos, o forte teor imagético das
narrativas, ou seja, de produção de imagens pela linguagem literária e, por conseguinte, sua
capacidade para se atrelarem a imaginários.
A razão da escolha de ambas as obras vai ao encontro da identificação de pontos
comuns entre as temáticas em que se ancoram as ficções orquestradas, mas, também, pelo
encontro de aproximações em sua estética e construção narrativa fragmentada. Os dois
romances ficcionalizam sobre a fronteira México-Estados Unidos e as consequentes
conturbadas relações de alteridade que ali se dão. A estruturação das narrativas em forma de
fragmentação corresponde a uma mimetização estética particular da igual fragmentação dos
sujeitos envolvidos em tais relações de identidade. Mas, essa estruturação fragmentária no
romance de Carlos Fuentes indica ser fruto de leitura e apreensão de um estilo caro a certos
autores chicanos de abordagem bi-fronteiriça.
No primeiro capítulo do presente trabalho de doutoramento dei margem a apresentar
os traços teóricos definidores do estudo. Ali pude explicar os porquês da eleição de visão
literária desde a noção de literariedade, evidenciando que as duas obras em tela trazem dentro
de seu estilo características marcantes de singularização, de efeito de desautomatização e
estranheza, compondo, dessa maneira, ainda com o dinamismo que empreendem à forma
romance, um conjunto de noções vinculadas à noção que o formalismo russo cunhou como
literariedade. É, aliás, ao formalismo russo que se atêm as principais correspondências
teóricas verificadas como viáveis a partir da leitura crítica extraída dos dois romances.
Ainda no primeiro capítulo, voltei atenções para a filosofia clássica de Platão no que
tange aos momentos em que o filósofo grego dedica sua dialética para deslindar sua
conceituação sobre a questão da imagem em comparação ao conceito de ideia. A seguir, dei
passo à retomada da argumentação platônica para a imagem pelo filósofo francês do
imaginário Gilbert Durand. A aproximação do conceito de imagem aos de imitação e
semelhança e a categoria de imaginária para o que se pode entender como colecionário de
imagens por parte de religiões (especialmente a católica, que é aquela a partir da qual Durand
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mais se detém) que tenham por parte de seus dogmas a adoração e o culto a ídolos foram os
pontos a se destacar do material pesquisado.
Fechou o primeiro capítulo meu olhar mais detido para uma teorização que não visse
ou apresentasse o imaginário como, menos que um conceito, uma palavra dada, quase um
senso comum. Nesse aspecto, destaco a contribuição dos estudos do crítico literário alemão
Wofgang Iser ao desenvolver suas incisivas opiniões sobre a ficção do como se. A única
ressalva, porém, adere-se ao fato de que o teórico alemão termina por não dar tanta atenção ao
entendimento do imaginário como faculdade mental, fator que busquei pautar ao longo de
minhas explanações.
No segundo capítulo, as teorias dispostas em separado no segmento anterior passam a
encabeçar a análise crítica do corpus da presente tese, com destaque, nesse segundo apartado,
para o romance de Tomás Rivera. Passei, então, a ressaltar a narratividade da obra, a
imaginária que atravessa suas linhas em tom de questionamento de sua validade em solo
estadunidense e a relação da obra para com imaginários, observando que tal correspondência
se dá a maior parte do tempo num teor de posta em xeque, havendo, ainda assim, uma ligação
mais estreita com imaginários sobre a “oratura” chicana. Nesse capítulo, aos teóricos já
mencionados agreguei o trabalho com a preciosa contribuição dos professores da
Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA) Julio Ramos e Gustavo Buenrostro e uma
comparação com a visão de Aristóteles para a imagem, a partir de preceitos desenvolvidos
pela antropóloga brasileira Sylvia Caiuby Novaes sobre as linhas de contato entre a imagem
verbal própria de um texto escrito e a imagem visual filmográfica e fotográfica, argumentação
de suma importância para a análise de imaginária e relativização de limites entre mimese,
quadro, foto, retrato e escultura que Tomás Rivera leva a cabo no conto/capítulo “El retrato”,
de seu ...y no se lo tragó.
No terceiro capítulo, direcionei argumentos para tratar da análise crítica de La frontera
de cristal, de Carlos Fuentes. Nesse segmento também dei passo ao trato da narratividade a
partir do que em Fuentes percebi como fruto de uma narratividade coiote de um narrador que,
com grande fluência, pelos mais diversos registros linguísticos tenta por sua lábia atrair e
convencer o leitor a acompanhar sua inserção sobre a fronteira. Nesse sentido, aspectos
culturais e informativos relativos à semantização que envolve o verbete coyote (de canídeo
selvagem que engana sua localização pelo uivo ao estranho que se mete em terra e assuntos
alheios) foram importantes para abrir esse primeiro tópico capitular que, assim como os dois
tópicos seguintes, contaria com a abordagem comparativa à fluência sedutora do próprio
Fuentes em El espejo enterrado.
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