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no caráter ulterior da primeira, de reconhecida realização exterior à mente, e anterior da
segunda, com sua formação e mesmo realização ainda no pensamento.
Sendo assim, dada a expressividade do caráter imagético contido em tais tropos e seu
atributo de anterioridade em relação à ulterioridade da figura, pode-se mesmo cogitá-los como
a própria imagem na linguagem (já seja sob os auspícios de suas variações popular, culta,
literária, etc.), o que nos permite (re)pensá-los até mesmo sob o epíteto, aparentemente
tautológico, de “figuras de imagem”. Figuras de imagem na palavra, pela, através da palavra;
figuras de imagem na linguagem, agindo sobre a linguagem – mesmo a poética, em verdade
literária, que ora permeia e por onde às vezes “passeiam” a linguagem, a fala, a
expressividade, o modo de se expressar de tantos outros campos do saber como a filosofia, a
história, a antropologia; mas também ciências tidas como de caráter de expressão mais literal,
mais objetivo, já sirvam como exemplo as físicas, as matemáticas, as biológicas –; agindo
sobre a linguagem a partir do pensamento, de sua formação gestáltica como imagens no
pensamento.
Sobre a metáfora, cabe observar o caráter dúbio desde o qual pode ser interpretado o
uso de tal figura de imagem
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. A metáfora aparece muitas vezes como uma das sinonímias de
imagem, recorrente nos mais variados dicionários. Assim, essa imagem verbalizada (imagem
que verbo vira) é, grosso modo, a operação do raciocínio por semelhança (o que remete à
lembrança de que similitudo é também um caráter dado às origens do termo “imagem”),
transpõe-nos de determinadas significações de uma palavra para outra com quem tem essa já
dita relação de similitude. Com vistas a “esclarecer”, facilitar a compreensão de algo no
discurso, pode tanto aproximar-se a certo requinte de recurso linguístico em seu expressar-se
por imagens, na sua transição de um sentido literal para outro tácito, latente, figurado; como
ter em sua utilização um alvo de críticas, por, se usada em exagero, transferir a quem assim a
utiliza aparente falta de objetividade ao expressar-se. Assim, parece estar precisamente entre
objetividade e subjetividade o campo das discussões que atravessam as possibilidades do
termo.
No que toca à abordagem da imagem voltada para a análise literária das obras que
compõem minha tese, o papel da metáfora é fundamental para a interpretação que dedico ao
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Figura de imagem na/pela/através da palavra:
chamo-a assim porque ela é, antes de tudo, imagem no
pensamento para, depois, “materializar-se” no registro que a requer, ou do qual se tem ação subsequente,
imediata a sua formulação e/ou estabelecimento no pensamento, o que não implica dizer que não possa haver aí
uma relação de reciprocidade com momentos em que também a linguagem (ainda que entendida como pronta
ação do pensar, resposta quase sempre imediata do/ao pensamento) serve, com informações que já prestou e
emprestou ao cérebro que mnemonicamente as armazenou, à metáfora no seu processo mental de formação,
reafirmação, reformulação ou reapresentação.
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romance de Carlos Fuentes. Desse modo, afirmo que a metáfora nesse autor pode ser avaliada
desde um diálogo entre uma apreensão teórica mais tradicional fundada em Aristóteles e uma
visão mais contemporânea, eco talvez de uma abertura existente já nos preceitos platônicos
sobre o assunto. A respeito da primeira apreensão, destaco os trabalhos do filólogo brasileiro
Walter de Castro (1977), quem, ao refletir sobre o papel da metáfora em obras de Machado de
Assis, elenca uma série de concepções de autores calcados em uma visão mais aristotélica que
restringia a metáfora à ordem da poética, do literário, como efeito de estranheza. Apesar da
plêiade de considerações teóricas que traz à baila, Walter de Castro não deixa, contudo, de
fixar suas próprias observações sobre o temário, com destaque para a categorização que
apresenta acerca dos tipos de formulação da metáfora: ligadas pela preposição “de”, verbais,
adjetivas, em aposto, com o verbo de ligação “ser”, iniciadas por demonstrativo, de um só
termo e associações mistas como o que chama de metáfora metonímica (Cf. CASTRO, 1977,
p. 44-75).
No tangente ao olhar teórico contemporâneo sobre a metáfora, ressalto o trabalho
conjunto do antropólogo francês Dan Sperber com a linguista britânica Deirdre Wilson. Esses
autores, através da perspectiva que denominam de teoria da relevância (1995), defendem a
metáfora como elemento, produto linguístico, abordada a partir do ponto de vista de produção
da e na linguagem, sem, para isso, afastar-se tanto (a metáfora em seu aspecto de produção)
da linguagem literal. Também empenhados em explicitar que o papel, o uso e a relevância da
metáfora não se restringem à linguagem literária, o linguista estadunidense George Lakoff e o
filósofo também estadunidense Mark Johnson, através de sua teoria cognitivista de metáfora
conceitual (1988), apontam para a importância do processo de metaforização que se destaca
mesmo na linguagem cotidiana, algo que vai de encontro ao realce dado à questão pela linha
teórica de tradição aristotélica, que destaca o valor do tropo metáfora como habilidade
distintiva de escritores, em especial, dos poetas. Apesar de convergirem em ressaltar que a
metáfora é própria também da comunicação quotidiana, Sperber & Wilson e Lakoff &
Johnson divergem quanto ao ponto de partida do processo metafórico: para estes, importa
mais seu processo mnemônico de formação primeira no pensamento; para aqueles, a
metáfora, em verdade, vai da linguagem, primeiro, ao pensamento, depois.
Com relação à abordagem que ora viso destacar, informo não fazer parte de meus
objetivos neste trabalho doutoral refletir com profundidade sobre a natureza e a estrutura da
metáfora. Ainda que por certo se vá reconhecer a leitura anterior de teóricos do assunto, a
intenção aqui é, antes, expor, estudar e aprofundar os mecanismos de uso da metáfora como
recurso de imagem literária no texto fuentesiano e a importância desse uso na contribuição de
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