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formação e/ou reafirmação de imaginários. Nesse aspecto, se por um lado minha linha de
análise por certo tende a coincidir bastante com a visão contemporânea (e creio mesmo que
ambas as perspectivas linguistas não se excluem, antes, complementam-se, principalmente por
entender que há a possibilidade de existência das duas vias defendidas por tais correntes, no
que toca ao processo de construção/realização da metáfora); por outro, sob meus termos não
se adentrará em demasia nos domínios da linguística, mormente importando, repito, a
metáfora como recurso literário de imagem. Mesmo na abordagem de sua ação sobre
imaginários, consequente de sua ação sobre e com o leitor-receptor, serão as especificidades
literárias de tal ação que mais importarão, razão pela qual (e me explicarei ainda melhor mais
adiante) há predileção pela remissão à metáfora em Platão, em detrimento da argumentação
aristotélica.
Muito do que então defendo quanto ao temário imagem/imaginário coincide com a
teoria cognitivista que amplia o olhar lançado para a metáfora. No entanto, ainda que seja uma
de minhas postulações entender a imagem, o imaginário como frutos de um processo no qual
interagem mente-cérebro-pensamento, prisma a que se adere a psicologia gestáltica de
fechamento de formas; ainda assim, é ao trato metafórico e metonímico da imagem, por vezes
contrapondo-se à alegoria, dentro da literatura (reitero, aqui ainda em Fuentes), que procurarei
mais bem me ater. Assim, é entre Platão e cognitivismo que se situa minha concepção
particular, na visão que dedico à relevância da metáfora no romance de Fuentes, no processo
que estabeleço como um amplo processo de metaforização, doravante ampla metáfora, como
veio, via e caminho de relação com imaginários sobre os (des)encontros de alteridade com os
quais dialoga a obra.
As vias de acesso à metáfora, a busca por compreendê-la e até delimitá-la de maneira
teórica acabam o mais das vezes por cair em um lugar comum. Do modelo aristotélico aos
estudos mais contemporâneos sobre o assunto, temos variações que sintetizam a translação de
sentidos própria do processo metafórico descritas em termos como A e B, A é B, B é A,
domínio origem para domínio alvo, etc. Dessa maneira, percebe-se uma busca por abordar-se
esquematicamente a essência da metáfora, comumente encontrada em toda ordem de
teorizações onde o que se absorve, ao fim, é certo aspecto da qualidade metafórica de
transferência de sentidos expressa a partir de estruturações cuja maior diferença entre si acaba
por limitar-se ao âmbito das nomenclaturas. Por isso, ora ela é a mãe de todos os tropos, ou o
único e verdadeiro tropo, ora ela se agiganta de outras maneiras, preenchendo toda a
linguagem. Porém, em minha opinião termina por ser desprestigiado, ou ao menos não ser
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explorado como deveria, seu princípio a meu ver mais importante: de fato, o da
TRANSFERÊNCIA.
Nesse aspecto, talvez tenham sido cognitivistas como Lakoff e Johnson
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os que mais
bem se aproximaram de tocar justo no deslocamento que sugere a metáfora, defendendo a
existência do mapeamento entre os conceitos constitutivos dela. Ainda assim, mesmo que
estes se aproximassem de ressaltar o caminho, resultam, tanto dos esquemas aristotélicos
quanto da esquematização cognitivista, produtos binários, resultados de uma organização
binária que beira, em verdade, a comparação: objetivo/subjetivo, concreto/abstrato,
literal/figurado, A/B.
A atenção voltada para o uso da metáfora em La frontera de cristal (título por si
introdutor de uma grande metáfora), decerto tende a aproximar o leitor à comparação por
meio de binarismos; mas, aí está o segredo: apenas tende. De fato há nas imagens de Fuentes
duas pontas na linha de transição semântica de suas amplas metaforizações. Porém, passa a
importar o caminho sinuoso dessa TRANSFERÊNCIA de sentidos, caminho que traz às
pontas dessa transposição não verdades extremas, mas conceitos, relações de limites porosos.
Assim, o que às vezes é aparência recebe profundidade.
Desse modo, importa em La frontera pensar, na verdade, se o ponto aparentemente
abstrato da linha de transferência de sentidos, que teoricamente pode ser que parta do
aparentemente concreto, de fato é abstrato para o receptor; pois sucede que o autor usa de
artifícios estético-literários para que, com efeito, esse sentido aparentemente abstrato seja, soe
familiar ao leitor/receptor, a tal ponto que ganhe grau de concretude, germinando, ou
atraindo-o para um imaginário.
Deturpando, então, subvertendo, aproveitando-se da instabilidade que há no binarismo
concreto/abstrato, literal/figurado, Fuentes dá margem a que se pense em “concretudes” outras
para significantes cujo teor de concreção é aparentemente estável. Entretanto, cessam aí as
artimanhas, porque tais significantes outros não se deixam interpretar sob outros universos de
conceptualização, sob outras constelações semânticas, para aproveitar o termo cunhado por
Zilá Bernd em interessantíssimo mapeamento de figuras e mitos das Américas (2007).
É, em tal impossibilidade de reinterpretação em novos contextos, que a ampla
metaforização fuentesiana se afasta de outra figura de imagem, a alegoria; por essa razão,
aproximando-a, metáfora ampla, da composição com imaginários: por relacionar-se com a
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Com argumentação desenvolvida a partir do que chamam metáfora e teoria popular no discurso, que advém de
sua crítica e complementação à Teoria da Metáfora do Canal, do também linguista estadunidense Michael Reddy
(1979).
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