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questões repetidas, anteriores, mas vistas sob outros focos
30
. Ao mesmo tempo, seria
interessante pensar nas imagens de Fuentes como imagens repetidas, mesmo que também de
modo original, sobre um tema ainda relevante para o homem contemporâneo. Nesse aspecto,
a reprovação formalista do valor da imagem segundo Potebnia acaba por agregar-se a um dos
aspectos que defendo como de formação e reafirmação de imaginários. Há toda uma defesa
dos formalistas que aponta que as imagens pouco têm de variável, pouco têm de variação, que
Quanto mais se compreende uma época mais nos persuadimos de que as imagens
que consideramos como a criação de tal poeta, são tomadas de empréstimo de outros
poetas quase que sem nenhuma alteração. Todo o trabalho das escolas poéticas não é
mais do que a acumulação e a revelação de novos procedimentos para dispor e
utilizar o material verbal, e isto consiste mais na disposição das imagens que na sua
criação (CHKLOVSKI apud EIKHEINBAUM, [1925] 1973, p. 15).
Já que não toco aqui de maneira ferrenha em questões de originalidade, pois entendo
que um imaginário pouco se apoia na originalidade das imagens que o compõem e antes sim
no acúmulo, na repetição e na recuperação indômita dessas imagens por seu(s) vetor(es),
aqueles que de algum modo (no nosso caso, pela literatura) estiveram sujeitos a tal
imaginária, a citação de Chklovski ilustra com precisão a relação Rulfo, Rivera, Fuentes ora
levantada. Ainda que o termo “poética” fosse abordado pelo formalista russo de modo mais
estrito para a poesia (principalmente o simbolismo russo) e com um pouco mais de boa
vontade para a literatura de ficção como um todo, pode-se fazer uma retomada do termo a
partir do conceito contemporâneo de poéticas, donde extrairíamos o debruçar de Rivera e
Fuentes (e algo trabalhado em Rulfo) sobre poéticas do deslocamento, da migração e das
relações daí advindas. Aos imaginários em que vão tocar, aos quais vão se aproximar entram
em destaque muito pelo procedimento que adota cada autor no tratamento de imagens
acumuladas de uma já citada poética que se estende pela contemporaneidade. Esse acumular
serve à continuidade dos imaginários, e o procedimento de cada autor, vinculado a suas
instâncias sócio-étnico-culturais vai ditar a apreensão de leitores que acabam por se identificar
a essas mesmas instâncias, latentes na ficção de cada um desses escritores.
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Para o tópico do tema de exploração do trabalho migratório dos chicanos nos Estados Unidos, abordado desde
outras perfectivas ficcionais de um lado e do outro da fronteira mexicano-estadunidense, remeto o leitor uma vez
mais ao prólogo de Julio Ramos e Gustavo Buenrostro da edição argentina de ...y no se lo tragó la tierra (2012,
p. 43-6).
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1.3 Historicizar para pensar: o que é um imaginário?
Imaginarium
imaginario, ria. (Del lat. imaginarĭus).
1. adj. Que solo existe en la imaginación.
2. adj. Se decía del estatuario o del pintor de imágenes.
3. m. Imagen que un grupo social, un país o una época tienen de sí mismos o de
alguno de sus rasgos esenciales.
4. m. Repertorio de elementos simbólicos y conceptuales de un autor, una escuela o
una tradición.
5. m. Psicol. Imagen simbólica a partir de la que se desarrolla una representación
mental. (Diccionario de La Real Academia Española en Línea/RAE).
Da epígrafe deste tópico nos fixemos primeiro no tautológico de tomar o termo
imaginário aqui antes como substantivo do que como adjetivo; ou seja, falamos antes de o
imaginário que de algo imaginário, razão pela qual, para efeitos de continuidade desde já
eliminamos as duas primeiras definições da palavra (ainda que, no caso da definição 2, como
exercício de abstração, possamos sim pensar o escritor como uma espécie de “pintor de
imagens”). Porém, as três propostas seguintes para definir o termo, por serem substantivações,
mostram-se mais de acordo com o que busco descrever de agora em diante.
O teórico literário alemão Wolfgang Iser, em sua busca por desvendar o que de fato há
de fictício na escrita de ficção, escreve que o texto ficcional carrega em si uma finalidade
fingida, a qual nada mais é que a preparação de um imaginário (Cf. ISER, 1983, p. 385). Para
o autor, o fingir não pode ser deduzido da realidade que busca repetir, fator pelo qual desse
modo nele surgiria um imaginário que se relaciona com a realidade retomada pelo texto. Por
conseguinte, a realidade repetida se transformaria em signo, enquanto que, o imaginário, em
um efeito daquilo a que se refere (Cf. ISER, 1983, p. 385-6).
Já em nota adjunta ao artigo de onde se extraem estas considerações
31
, Iser deixa claro
que trabalha o termo ‘imaginário’ como uma designação comparativamente neutra,
distinguindo-a, portanto, de conceitos como faculdade imaginativa, imaginação e fantasia,
constantemente justificados como faculdades humanas. O fato de que pudessem ser encaradas
como faculdades humanas é questionável para W. Iser, pois para ele cada conceito destes
pode ter significados distintos mesmo dentro de uma mesma área do saber; por exemplo, o da
fantasia: um para Freud, outro para Lacan, se nos atemos tão somente ao que se enquadra à
psicanálise. O teórico alemão esclarece dessa maneira não buscar determinar o imaginário,
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Traduzido ao português como “Os atos de fingir ou O que é fictício no texto ficcional” pelos conceituados
intelectuais brasileiros Heidrun Krieger Olinto e Luiz Costa Lima.
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