178
mexicano en México. Soy chicano en todas partes. No tengo que asimilarme a nada. Tengo mi
propia historia” (FUENTES, [1995] 2007, p. 264).
Mas, estabelecidos os traços identitários de aparente representação da postura de um
todo na parte José Francisco, ele ganha, na descrição narrativa de seus caracteres e seus atos,
ares que se voltam uma vez mais para a homenagem à cultura; em especial, para a literatura
chicana, pois esse personagem chicano do último capítulo é no romance de Fuentes um
escritor que, montado em uma moto Harley-Davidson, levava aos dois lados da fronteira,
além de seus próprios manuscritos, “literatura de los dos lados, para que todos se conocieran
mejor (...), para que todos se quisieran un poquito más, para que hubiera “un nosotros” de los
dos lados de la frontera...” (FUENTES, [1995] 2007, p. 266-7 – grifo do texto). Assim é que
em uma dessas suas jornadas, diante de uma manifestação ativista do lado mexicano da
fronteira, José Francisco se vê interpelado por agentes fronteiriços de ambos os lados. É
quando, procurando por algo que incriminasse ou ligasse o chicano à manifestação, os
policiais vasculham suas mochilas e atiram ao ar todos os seus papéis, os quais
[S]e iban volando nomás del puente al cielo gringo, del puente al cielo mexicano, el
poema de Ríos, el cuento de Cisneros, el ensayo de Nericio, las páginas de Siller, el
manuscrito de Cortazar, las notas de Garay, el diario de Aguilar Melantzón, los
desiertos de Gardea, las mariposas de Alurista, los zorzales de Denise Chávez, los
gorriones de Carlos Nicolás Flores, las abejas de Rogelio Gómez, los milenios de
Cornejo (Ibid., p. 267 – grifo meu).
Dessa extensa e interessante lista que salta dos papéis dispersados do personagem de
Fuentes, o nome que destaquei se refere ao professor universitário, promotor cultural e
escritor chicano Ricardo Aguilar Melantzón (1947-2004). Aparentemente apenas mais um dos
nomes citados das literaturas de ambos os lados, a figura de Melantzón é, na verdade,
homenageada e retomada para dar vez à representação do chicano na ficção de La frontera.
Ou seja, José Francisco representa a busca fuentesiana por compor um personagem que
encarnasse o espírito de atitude chicana pelo autor encontrado na relevante figura de Ricardo
Aguilar.
Tal observação encontra respaldo em importantes nomes da cena literária da região de
fronteira México-EUA. O premiado escritor e fomentador de oficinas literárias Joaquín Bestar
Vásquez (2001, p. 92) afirma inclusive que “El cuento ‘Puente negro’, incluido en Aurelia,
inspiró a Fuentes para escribir parte de La frontera de cristal”, opinião compartilhada também
pelo Doutor chihuahense José Manuel García-García (Cf.: 2004, p. 10)
87
, Professor Associado
87
Aurelia (1990) é um livro de Ricardo Aguilar no qual oito contos estão interligados para narrar histórias de
angústia, morte e paixões desiludidas desenroladas ao redor da fronteira e dos bosques e desertos de Chihuahua
(México) (Cf. GARCÍA-GARCÍA, 2004, p. 10). “Puente Negro” é um dos contos da obra e nele o narrador
179
da Universidade do Estado do Novo México (EUA), quem, em ensaio dedicado à memória de
Ricardo Aguilar, aclara ainda que
Ricardo vivía en Ciudad Juárez, y tenía que cruzar todos los días a El Paso (…). Por
13 años cumplió su rutinario viaje, su vuelo en moto, mitificado por Carlos Fuentes
en la novela La frontera de cristal, donde Ricardo es un personaje que cruza el
puente y va dispersando libros, folletos e posters por la ciudad, anunciando eventos
culturales y propuestas de acercamiento entre los escritores chicanos y los escritores
del lado mexicano (GARCÍA-GARCÍA, 2004, p. 4).
As propostas de aproximação tocadas por García-García abrangem um momento de
seu discurso no qual o autor toca em Ricardo Aguilar já mitificado, conforme seus termos, no
personagem fuentesiano José Francisco. Mas, o reflexo anterior se deixa transparecer mais
ainda quando o mesmo autor agradece os feitos da pessoa cujas ações de fato parecem ter
incidido sobre o romance de Fuentes:
Por Ricardo, los aquellos chavos de la Generación de Nod juarense, conocimos a
Elena Poniatowska, Carlos Monsiváis, Carlos Fuentes, Los Taibo, José Agustín y
otros más. Los chicanos fueron a juaritos a leer sus poemas, y los juarenses fueron a
El Paso o Albuquerque a leer los suyos, apoyados siempre por RAM
88
promotor
cultural. (GARCÍA-GARCÍA, 2004, p. 6 – grifo meu)
O fato de que conste o nome de Carlos Fuentes à lista das literaturas que eram
conduzidas aos dois lados da fronteira por Ricardo Aguilar é indicador de uma reciprocidade
de gratidão que em Fuentes se vê transfigurada na representação ficcional da pessoa
Melantzón na personagem José Francisco. É assim que José Francisco, mais do que trazer em
sua representação uma aproximação a chicanidades, ao multifacetado prisma de identidades
chicanas ao longo das muitas fronteiras que separam e unem México e EUA, condensa em
verdade algo que mais se aproxima de representar uma identidade literária chicana, ou
aspectos das linhas de pensamento (e comportamento) que ainda hoje a conformam, sempre
com novas adequações, contribuições e discussões.
O personagem José Francisco em La frontera de cristal condensa, assim, mais uma
ideologia intelectual do que um sentimento popular homogêneo. As posições dele para com as
ações de empurre “indireto” do lado mexicano e de contenção entre franca, aberta, mas
também dissimulada, do lado estadunidense, podem ser enxergadas de modo mais agudo
quando, diante da manifestação por trabalho que assistia e ante ao voo de seus escritos
provocado por agentes de ambos os lados que o posicionam como um sujeito entre-lugares, a
recorda sua juventude em Ciudad Juárez (México) enquanto espera seu turno na ponte que se usa para cruzar-se
a El Paso (EUA) (Cf. GARCÍA-GARCÍA, 2004, p. 11). A julgar pela recuperação e ambientação ficcional em
La frontera de cristal tanto da figura do motoqueiro-escritor Ricardo Aguilar quanto da ponte que separa México
e EUA entre Juárez e El Paso, ambos os autores parecem ter razão em buscar e encontrar raízes de inspiração de
parte de La frontera na obra e na pessoa de Melantzón.
88
Ricardo Aguilar Melantzón.
Dostları ilə paylaş: |