Mestrado em Sociologia Relações de poder no campo família empresária
Jorge
Rodrigues
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1.1 Origem e evolução do empreendimento familiar
Assim, todo o novo empreendimento parece nascer da vocação para a inovação, do
reconhecimento, da descoberta e criação de oportunidades por um empreendedor, ainda
que a empresa estabelecida tenha toda uma razão de ser – a sua missão – marcada pela
preservação do negócio e sua continuidade (Hitt
et al. 2008; Grant 2013). Então, podem
distinguir-se dois vetores no processo de desenvolvimento de um novo empreen-
dimento: a orientação estratégica da empresa e a perspetiva do proprietário do negócio.
A orientação estratégica da empresa pode subdividir-se em dois eixos:
a)
A orientação empreendedora, que se foca em acelerar a criação
de valor;
b)
A orientação empresarial, cuja prioridade é a preservação do valor criado.
A perspetiva do proprietário do negócio toma como referência as diferentes gerações:
a)
Por um lado, diferencia entre o foco colocado pelo proprietário de uma empresa
em apoiar e melhorar o padrão de vida da atual geração,
b)
Por outro lado, promove o desenvolvimento da instituição familiar para que esta
se projete no tempo através das futuras gerações.
Fonte:
Adaptado de Habbershon
et Pistrui .2002.
Figura 1.1 – Evolução
do empreendimento familiar
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A combinação daqueles dois vetores de raciocínio – a orientação estratégica da empresa
e a perspetiva do proprietário do negócio (Figura 1.1), procura compreender a evolução
da trajetória desde o empreendedor individual até à família empresária multigeracional.
1.1.1 Oportunidade, negócio e família
O empreendedor distingue-se por quatro comportamentos específicos: identifica
oportunidades, gere riscos, garante recursos e cria valor (Kets de Vries
et al. 2008, 129).
Individualmente ou associado a outros familiares ou amigos, dá início a um
empreendimento quando se foca na criação de um novo negócio (Drucker 1985), em
que tudo é novo, tudo é diferente e tudo está por fazer! O conceito de oportunidade,
negócio ou empreendimento, emerge de um mercado imperfeito e em desequilíbrio e
distingue-se da mera oportunidade (de lucro) uma vez que requer não apenas a
otimização, mas a descoberta de novas relações de tipo meio-fim orientadas para o
mercado (Drucker 1985, 200; Casillas
et Moreno 2010, 267; Davidson 2015). Neste
sentido, por envolver mais inovação, o negócio envolve maior incerteza (Drucker 1985;
Lee
et Venkataramen 2006), a qual resulta:
a)
Do
locus da mudança que gera as oportunidades;
b)
Da própria forma das oportunidades;
c)
De quem inicia a mudança (Eckhardt
et Shane 2003).
A oportunidade pode ser gerada diretamente a partir da descoberta de novos produtos ou
serviços, novos mercados, materiais, métodos de produção ou formas de organização,
desejo de autonomia e independência (Drucker 1985). Logo, a forma das oportunidades
de negócio pode variar em função das assimetrias em relação à informação que as
pessoas têm do mercado, ou mais especificamente do conhecimento aprofundado que o
empreendedor possui em relação às preferências dos clientes ou às necessidades de
determinados nichos de mercado (Christensen
et Bower 1996).
Nesta etapa, a orientação do fundador passa pelo nível técnico em detrimento das
atividades de gestão, e a propriedade do empreendimento parece não ser, em si, a
variável mais importante; nem tão pouco a família, a qual, muitas das vezes, tende a
ficar
em segundo plano, ainda que o empreendedor dedique todo o seu tempo disponível
ao desenvolvimento do negócio, transformando-o no negócio de família.
Ou seja, incorpora a família no seu empreendimento!
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1.1.2 Herança familiar
A passagem do negócio de família da geração do empreendedor para a segunda geração,
em geral, os filhos, dá-se de forma natural e sem planificação, surgindo a necessidade
de consolidar o mesmo. Com o rápido crescimento do negócio de família, de que os
herdeiros pouco sabem, surge a necessidade de dotar o mesmo de uma estrutura
empresarial adequada, e a rendibilidade do negócio (económica, financeira, social)
começa a surgir como preocupação de primeiro plano. A cultura da empresa, enquanto
instrumento estratégico – crenças, práticas de negócio, valores, visão, normas, tradições
da família – para tentar obter dos colaboradores a sua identificação e adesão aos
objetivos daquela (Cruche 2016, 130), tende a evoluir, construindo-se sobre os valores
que os fundadores estabeleceram. Mas muda completamente com o negócio de família,
e quase sem se dar conta o foco desloca-se para a preocupação com a transmissão da
herança familiar. A propriedade do negócio de família passa, então, a ser um tema
relevante e, por vezes, emocional. Um pequeno número de membros da família tende a
participar em partes iguais no negócio de família. Começam a surgir questões como: o
que irá acontecer se algum daqueles membros quiser deixar o negócio de família? As
novas gerações começam a sentir o desejo de se libertarem do domínio da geração dos
fundadores, querendo construir o seu próprio percurso pessoal (Gersick
et al. 1997, 47),
o que permite um novo posicionamento no mercado. São poucas as famílias que se
preparam para isto, podendo surgir muitos conflitos de interesses que poderiam ser
evitados se existisse uma estrutura,
ainda que informal, de governo familiar.
Os trabalhos de investigação relacionados com esta temática salientam a importância e
particularidades das relações resultantes da interação entre a família do empresário,
enquanto grupo de pessoas unidas entre si por ligações de consanguinidade, pelo
casamento ou por adoção, seja como família nuclear ou como família alargada (Giddens
2013, 368) e o negócio. Este deixa de ser apenas a ocupação do empresário e passa a ser
também o meio de sustento e a ocupação de parte ou de toda a família, passando então a
ter o estatuto de negócio familiar. Logo, todo o negócio familiar é singular (Colin
et
Colin 2008, 1) devido à natureza do envolvimento da família – neste contexto, entenda-
se o grau em que os membros da família que controla a empresa estão envolvidos na
gestão estratégica e operacional desta (Casillas
et Moreno 2010) – seja como detentora
do capital, seja na gestão do negócio, ou mesmo em ambas as situações, em simultâneo.