86
Neste momento da pesquisa será analisada parte do livro 1, onde Rameau não só define termos
musicais importantes, tais como consonância, dissonância,
harmonia, inversão de acordes e intervalos
musicais, mas também os analisa à luz de uma perspectiva um pouco mais científica.
Rameau inicia seu discurso deixando claro que “melodia é uma parte da harmonia, sendo a
compreensão harmônica suficiente para uma compreensão geral de toda a música teórica”. Ainda no início
do livro 1, Rameau define
harmonia
como uma relação entre sons graves e agudos (a idéia de
simultaneidade fica apenas implícita na definição) e
intervalo musical
como a “distância” entre um som
grave e um agudo.
Em seguida, Rameau introduz uma discussão muito pertinente sobre a composição de intervalos
musicais, na qual respeitando o Senário
13
de Zarlino, traz uma nova interpretação para consonância e
dissonância, onde para acrescentar
a sexta como consonante, o mesmo acrescenta o número oito,
afirmando que o intervalo produzido na relação 3:4 ( números contidos no Senário) é o mesmo que na
relação 6:8, desta forma analisar o oito não implica em desrespeitar o Senário.
Ainda na perspectiva da composição de intervalos Rameau sistematiza a partir da oitava, quarta e
quinta todos os intervalos da escala diatônica, já que compondo razões com tais intervalos fundamentais, o
mesmo pode produzir qualquer outra nota presente em tal escala. Por exemplo, a
segunda pode ser escrita
como uma quinta mais uma quinta menos uma oitava: 2ª= 5ª+5ª-8ª , ou seja [(2/3)x (2/3)]/1/2=8/9, que é
justamente a relação de um tom, desta forma subindo um tom a partir da segunda temos uma terça maior,
ou 3ª= 2ª+2ª logo a 3ª= [8/9]
2
=64/81, a sexta é uma quinta mais um tom, 6ª=5ª+2ª=[(2/3)x(8/9)]=16/27 e a
sétima é uma sexta mais um tom, ou 7ª=6ª+2ª=(16/27)x(8/9)=128/243.
Vale ressaltar que Rameau estava ciente do experimento do monocórdio, portanto era um consenso
que como somar um intervalo musical implica em descobrir o intervalo do intervalo,
em outras palavras
descobrir a sétima é a mesma coisa que descobrir a segunda da sexta, o que implica que se a sexta é
emitida quando tocamos 64/81 da corda e a segunda é obtida tirando 8/9 da mesma, para a obtenção da
sétima da nota obtida pela corda toda é necessário descobrir 8/9 de 64/81, ou seja para somarmos
intervalos musicais precisamos multiplicar o comprimento da corda que o produz.
Após o desenvolvimento da relação entre razões, proporções e a formação de intervalos musicais
Rameau passou a fazer uma análise de cada um dos intervalos citados acima. Tal análise foi iniciada pelo
uníssono, onde Rameau deixou claro não
considera-lo consonante, pois pelo fato de não representar uma
diferença de altura não poderia desta forma ser considerado um intervalo musical.
Este tratamento seguiu com a oitava, quinta, quarta, segunda, terça, sexta e sétima. No entanto,
apesar de separar em ordem crescente os intervalos mais e menos consonantes, talvez um dos pontos
mais brilhantes de seu trabalho tenha sido sua análise sobre a oitava, já que neste momento Rameau
apresenta um argumento amparado numa idéia intuitiva de ressonância para
tratar a oitava como uma
replicação, desta forma harmonizar um intervalo x ou um intervalo x.2
n
passa a ser o mesmo problema, ou
seja, cada vez que dobramos uma determinada freqüência esta nova freqüência representa o mesmo
intervalo musical.
Tal constatação traz um novo tratamento para a teoria musical, pois a partir deste momento os
acordes dó-mi-sol, mi-dó-sol e sol-dó-mi passam a ser tratados como inversões do mesmo acorde.
13
O Senário consiste nos seis primeiros números naturais nos quais Zarlino baseou seu sistema de consonânicas.
87
2.3 A exposição Didática
Visando o desenvolvimento de um trabalho de divulgação científica,
pelo qual o projeto se
comprometia a fazer em um de seus objetivos (Verificação de fenômenos necessários à compreensão
racional de Série Harmônica através de experiências utilizando-se osciloscópios e espectrômetros, bem
como organização de experimentos didáticos para a transmissão de idéias relevantes presentes no período
da revolução científica) foi desenvolvido um projeto de exposição que remontaria as experiências mais
fundamentais de diferentes períodos históricos, levando o ouvinte a entender e visualizar o conceito da
Série Harmônica.
Tal exposição objetiva explicitar a um leigo a presença de relações matemáticas em conceitos musicais
dando ênfase especial ao conceito de Série Harmônica, de central importância dentro da interface
matemática/música. Para isso faz-se necessário o uso de experiências didáticas que remontam a um
histórico do desenvolvimento de tais conceitos.
Sob uma ótica estrutural, o projeto propõe a realização de 7 módulos dispostos em 7
salas capazes de
transmitir as idéias centrais da relação entre matemática e música:
1) Motivações e questões relevantes para a compreensão da Série Harmônica
2) O experimento do Monocórdio: razões x intervalos musicais e a sistematização matemática da
escala
3) Renascimento: o nascimento da música como ciência experimental
4) Escalas e Temperamento
5) Série Harmônica/Série de Fourie
6) Consonância e Dissonância: do simbolismo aritmético a uma concepção física
7) O som dos planetas
Abordando temas situados precisamente na interface matemática/música configurada convenientemente,
cada um dos referidos módulos deve possuir textos ou hipertextos curtos concernentes à história da
construção e evolução dos conceitos matemático/musicais diretamente
associados ao tema daquele
módulo, bem como dispositivos interativos -- eletrônicos, mecânicos etc -- de animações audiovisuais.
Fazendo uso de múltiplas representações --, tais dispositivos destinam-se ao aprimoramento da
assimilação, por parte dos visitantes, dos conceitos matemático/musicais subjacentes ao tema central do
módulo em questão. Os módulos interconectam-se através das referências dos textos, hipertextos e
dispositivos, refletindo a evolução histórico-epistemológica das explicações para conceitos matemático-
musicais.
3.0 Conclusões
O presente trabalho apresenta uma maneira de analisarmos sob uma perspectiva histórico-
epistemológica o desenvolvimento dos conceitos físico-matemáticos vinculados à compreensão da teoria
musical. Tal análise é imprescindível para uma compreensão mais ampla da acústica, tanto do ponto de
vista histórico quanto do ponto de vista conceitual.
Além disso, tal trabalho evidencia a preocupação com a divulgação dos
resultados de tal pesquisa
sob uma perspectiva pedagógica. Tal preocupação é refletida no desenvolvimento do projeto da exposição
didática que tem por objetivo central tornar acessível os conteúdos físico-matemáticos que embasam as
principais teorias de harmonia musical.
Vale ainda ressaltar que o desenvolvimento de tal pesquisa conta com uma análise do Tratado de