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coincidência dessas vibrações. Porém suas conclusões só foram relevadas
quando Galileo Galilei as
estudou, explicitando as propriedades acústicas dos intervalos musicais e tentando provar a
proporcionalidade entre altura e freqüência, o que Benedetti considerou como verdadeira.
Além da consonância, foram tratados outros temas importantes da acústica, tais como a
sistematização teórica da divisão da escala, efetuada primeiramente por Simon Stevin no fim do século XVI.
Abordagem Epistemológica à luz de Thomas Kuhn
Thomas Kuhn em seu livro “As estruturas das Revoluções Científicas” expõe diversos conceitos que
serão utilizados nesse trabalho. Um primeiro conceito relevante é o conceito de Paradigma.
Paradigma,
para Thomas Kuhn, é um conjunto de realizações científicas que possibilitam a construção de uma ciência.
Essas realizações incluem conceitos e concepções essenciais para a ciência, sendo necessário que a
comunidade científica no geral o aceite e nele acredite.
Em períodos onde a ciência tem seu paradigma estável respondendo à grande parte perguntas
pertinentes da época e mantendo suas características essenciais, temos o que Thomas Kuhn chama de
Ciência Normal. Nesse período a ciência, tem suas bases firmes sobre o Paradigma e objetiva articula-lo
bem como acumular conhecimento sem questioná-lo.
Dessa forma, resultados científicos que negam tal
paradigma são comumente qualificados como errôneos e a ciência durante um grande período estabelece-
se sobre bases bem definidas chamadas de Paradigma, porém em certo ponto do desenvolvimento da
ciência, tal Paradigma não responde a uma gama de problemas relevantes à sua época e uma crise recai
sobre a ciência limitando seu desenvolvimento.
Nesse caso, o Paradigma utilizado não é mais compatível com o desenvolvimento da ciência e é
substituído. Tal período da história da ciência é intitulado por Thomas Kuhn de Revolução Científica. Nesse
período não só a base teórica da ciência é reformulada como também a natureza de seus procedimentos.
Acústica durante o Renascimento à luz de Kuhn
Como vimos anteriormente, a história da acústica passou por um longo período caracterizado pela
especulação. Até o começo do Renascimento, ela manteve-se sobre tal caráter e assentada sobre um
paradigma estável. Durante esse período o conhecimento acústico acumulava-se mas pouco se
questionava sobre suas bases teóricas. Além disso, o caráter da acústica manteve-se matemático-
especulativo durante séculos e experimentos como o monocórdio de Pitágoras eram forte exceção à
produção cientifica nesse longo período e mesmo assim suas conseqüências eram abordadas de forma
intensamente especulativa. Tais características são peculiares às do período de Ciência Normal discutidos
por Kuhn.
Já durante o Renascimento as bases teóricas da acústica transformaram-se, transformação essa
evidenciada por exemplo na concepção de consonância
de Galileo mencionada acima, bastante
representativa do caráter matemático-empírico assumido pela ciência nesse período. Dessa forma a
acústica pode aproximar-se da matemática experimental, permitindo uma leitura mais profunda dessa
relação à luz do conceito de Revolução Científica de Thomas Kuhn.
As estruturas de pensamento e procedimento da ciência foram sensivelmente alteradas, indicador
potencial de uma mudança de Paradigma. Tal mudança pode ser também ilustrada pelos experimentos e
conclusões teóricas de Zarlino, cientista cujos procedimentos obtinham características muito mais
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empíricas que de outros cientistas pré-renascentistas, através de suas tentativas inéditas de adequar a
música teórica às práticas da época.
Outro indicador da possível de uma mudança de Paradigma da acústica
no Renascimento foram as
transformações nos fundamentos estruturais do conhecimento dessa ciência. Por exemplo, as teorias sobre
a natureza do som de Benedetti e posteriormente Galileo conceberam o som como vibrações no ar e a
consonância como coincidência dessas vibrações, ao passo que anteriormente tais conceitos eram
embasados em princípios teórico-aritméticos. Tais conceitos reformularam as bases teóricas da ciência
acústica.
Essas características ilustram um possível enquadramento do período chamado de Revolução
Científica de Kuhn na acústica renascentista.
Conclusão
O presente trabalho refere-se a um primeiro ensaio sobre uma investigação epistemológica à luz de
Thomas Kuhn do desenvolvimento da acústica. Esse trabalho tem como período
de enfoque principal o
Renascimento, época decisiva na transição de uma acústica matemático-especulativa para uma acústica
matemático-empírica. Nesse trabalho são mencionados alguns poucos exemplos representantes dessa
grande mudança nas estruturas dessa ciência com o intuito de tentar-se adequar tal processo no
desenvolvimento da acústica ao conceito de Revolução Científica de Thomas Kuhn.
Esse prévio ensaio trata as transformações da ciência acústica durante o Renascimento que
abrangem diversas questões relacionadas, por exemplo, com os novos fundamentos matemáticos da
acústica, abarcando além da concepção de som como onda ou consonância por coincidência de vibrações,
como também conceitos relevantes como ressonância, superposição de ondas dentre outros que permitiram
uma nova leitura matemático-empírica dos fenômenos musicais, leitura essa incomensurável,
no sentido
kuhniano, com as concepções acústico-matemáticas anteriores associadas a tais conceitos.
Assim esse trabalho é um produto ainda em andamento do primeiro ano dessa pesquisa histórico
matemática. Embora já apresente resultados, esse estudo ainda encontra-se em estágio inicial e apresenta-
se longe de estar concluído.
Bibliografia:
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Debates