368 Guia de Economia
Comportamental e Experimental
fácil (Kahneman, 2003). Heurísticas também podem levar
a vieses cognitivos. Existem divisões ligadas à relação das
heurísticas com vieses e racionalidade. Na visão “rápido e
frugal”, a aplicação de heurísticas (por exemplo, a heurística
de reconhecimento) é uma estratégia “ecologicamente ra-
cional” que faz o melhor uso das informações limitadas dis-
poníveis aos indivíduos (Goldstein e Gigerenzer, 2002). Além
disso, enquanto heurísticas como a do afeto, disponibilida-
de, e representatividade têm um carácter multiuso, outras
explicadas pela psicologia social e do consumidor são mais
específicas de algumas áreas, por exemplo, a heurística do
nome da marca, a do preço e a da escassez (Shah e Oppe-
nheimer, 2008).
• Heurística da ancoragem
Ancoragem é uma forma específica do efeito priming pela
qual a exposição inicial a um número serve como ponto de
referência e influencia os julgamentos subsequentes sobre
o valor. Geralmente, o processo ocorre sem percebermos
(Tversky e Kahneman, 1974), e às vezes quando as percep-
ções de preço das pessoas são influenciadas por pontos de
referência. Por exemplo, o preço da primeira casa que um
corretor de imóveis nos mostra pode servir como âncora e
influenciar as percepções sobre as casas que nos forem mos-
tradas depois (como relativamente baratas ou caras). Esses
efeitos também foram demonstrados em comportamentos
do consumidor, pois as quantidades compradas podem ser
aumentadas não só por slogans explícitos para se comprar
mais (por exemplo, “Compre 18 barras Snickers para o seu
freezer”), mas também por limites de quantidade para com-
pras (por exemplo “no máximo 12 por pessoa”) ou por “ânco-
ras de expansão” (por exemplo, “101 usos!”).
• Heurística da disponibilidade
A heurística da disponibilidade leva as pessoas a fazer jul-
gamentos sobre a probabilidade de um evento com base
na facilidade com que um exemplo, uma ocorrência ou um
caso vem à mente. Por exemplo, investidores podem julgar
a qualidade de um investimento com base em informações
vistas recentemente no noticiário, desconsiderando outros
fatos importantes (Tversky e Kahneman, 1974). Analoga-
mente, mostrou-se que as estimativas sobre prevalência de
depressão são mais altas em indivíduos com maior capaci-
dade de recordar publicidade sobre antidepressivos do que
em indivíduos com baixa recordação (An, 2008), enquanto
consumidores menos instruídos usam a facilidade com que
recordam produtos de preços baixos como uma deixa para
fazerem julgamentos sobre os preços da loja como um todo
(Ofir, Raghubir, Brosh, Monroe e Heiman, 2008). A disponi-
bilidade de informações na memória também alicerça a heu-
rística da representatividade.
• Heurística da representatividade
A representatividade é uma das principais heurísticas de uso
geral, juntamente à da disponibilidade e à do afeto. É usada
quando julgamos a probabilidade de um objeto ou evento A
pertencer à classe B examinando o grau em que A se asse-
melha a B. Ao fazermos isso, desconsideramos informações
sobre a probabilidade geral de B ocorrer (sua taxa de base)
(Kahneman e Tversky, 1972). Considere o seguinte problema:
Bob é um fã de ópera que gosta de visitar museus de arte nas
férias. Quando menino, gostava de jogar xadrez com paren-
tes e amigos. Qual situação é mais provável?
A. Bob toca clarim em uma importante orquestra sinfônica
B. Bob é agricultor
Uma grande parcela das pessoas escolherá A no problema
acima, pois a descrição de Bob se encaixa no estereótipo
que talvez tenhamos sobre os músicos clássicos e não no
estereótipo sobre agricultores. Na realidade, a probabilidade
de B ser verdade é bem maior, pois os agricultores formam
uma parcela muito maior da população.
Avaliações baseadas na similaridade ou em protótipos de
modo mais geral são um atalho cognitivo comum em várias
esferas da vida. Um consumidor pode inferir uma qualida-
de relativamente alta de um produto de uma marca de loja
(genérica) se a embalagem assemelhar-se à de uma marca
nacional (Kardes, embalagem e Cronley, 2004).
• Heurística do afeto
A heurística do afeto ocorre quando a pessoa se baseia em
sentimentos bons ou ruins em relação a um estímulo. As
avaliações baseadas em afetos são rápidas, automáticas e
alicerçadas em pensamento experiencial que é ativado an-
tes dos julgamentos reflexivos - ver teoria do sistema dual
(Slovic, Finucane, Peters e MacGregor, 2002). Por exemplo,
julgamentos experienciais evidenciam-se quando as pessoas
são mais influenciadas por riscos que lhes são apresenta-
dos [framed] em termos de contagens (do tipo “estimativas
dizem que, de cada 100 pacientes semelhantes a João, 10
cometem atos de violência”) do que por um frame de pro-
babilidade equivalente, mas abstrato - “estimativas dizem
que pacientes semelhantes a João têm 10% de chance de
cometer um ato de violência contra outros” (Slovic, Mona-
han e MacGregor, 2000). Julgamentos baseados em afetos
são mais pronunciados quando as pessoas não dispõem de
recursos ou de tempo para refletir. Em vez de examinarem os
riscos e os benefícios independentemente, indivíduos com
uma atitude negativa em relação à energia nuclear podem
considerar seus benefícios baixos e seus riscos altos, o que
acarretará uma correlação riscos-benefícios mais negativa
do que a que seria encontrada na ausência de pressão do
tempo (Finucane, Alhakami, Slovic e Johnson, 2000). A heu-
rística do afeto foi citada como uma possível explicação para
uma série de julgamentos dos consumidores, entre eles o
efeito do preço zero (Samson e Voyer, 2012), e é considerada
outra heurística multiuso semelhante às da disponibilidade
e representatividade, no sentido de que o afeto serve como
um mecanismo de orientação nas mesmas linhas da simila-
ridade e da memorabilidade (Kahneman e Frederick, 2002).
• Heurística do reconhecimento