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e Experimental
pp. 268-269), que teve importante papel na divulgação da perspectiva do trade-off explícito, ofe-
receu um relato de desconto de tempo que parece estar intimamente relacionado com a noção
de tangibilidade. Conforme observou, “pintamos um retrato mais ou menos incompleto de nossas
necessidades futuras, especialmente das mais remotamente longínquas.” Entretanto, o avanço da
perspectiva do trade-off explícito tende a ocultar a consideração de fatores como a tangibilidade,
voltando a atenção, ao contrário, para os tipos de fatores mais prováveis de atuar em decisões que
envolvam concessões explícitas – por exemplo, a percepção de adiamentos do tempo e as sensa-
ções experimentadas durante o período de adiamento.
(a) O processo dual na base do desconto temporal
Uma das consequências indiretas da popularidade da perspectiva do trade-off explicito tem sido
uma mistura indistinta do que argumentaremos ser uma descontinuidade qualitativa da escolha in-
tertemporal entre humanos e outros animais. Como ocorre com os seres humanos, animais não hu-
manos podem ser levados a paradigmas experimentais em que devem escolher entre recompensas
pequenas e imediatas e recompensas maiores e posteriores (embora os animais tenham de aprender
sobre as recompensas depois de várias tentativas, ao passo que os humanos podem ser simplesmen-
te informados sobre as contingências).
Uma visão comum – aparentemente desproporcional para os que ingressam no estudo da esco-
lha intertemporal entre animais – é a de que as diferenças entre animais e humanos são apenas uma
questão de grau: isto é, os animais e os humanos compartilham mecanismos, grosso modo, similares
de desconto de tempo. O principal embasamento para essa perspectiva é que, ao passo que tanto
humanos quanto animais descontam o futuro em níveis radicalmente distintos, ambos demonstram
um padrão comum de desconto de tempo geralmente chamado de “desconto temporal hiperbólico”.
Conforme observaram Monterosso & Ainslie (1999, p. 343), por exemplo, “tanto pessoas como ani-
mais com aparato cognitivo menos sofisticado não diferem quanto ao formato hiperbólico de suas
curvas de desconto”. Embora alguns se mostrem céticos quanto aos processos subjacentes, muitos
defensores da perspectiva da continuidade explícita ou implicitamente são da opinião de que o des-
conto temporal hiperbólico está efetivamente inscrito em nosso aparato evolutivo (por exemplo,
Herrnstein 1997; Rachlin 2000). O desconto temporal hiperbólico prevê – e frequentemente tem sido
utilizado para explicar, um padrão de comportamento conhecido como “inversões de preferência”
intertemporais – por exemplo, escolher duas laranjas dentro de oito dias a uma dentro de uma sema-
na, mas também escolher uma laranja hoje a duas amanhã (Ainslie 1975).
Entretanto, a noção de que humanos e outros animais “não diferem quanto ao formato hiperbóli-
co de suas curvas de desconto” pode dar margem a certo equívoco. Embora a forma geral funcional
de desconto de humanos e de não humanos se assemelhe, a escala de ambas é radicalmente diversa.
Mesmo após longos períodos de treinamento, nossos parentes evolutivos mais próximos possuem
funções de desconto cujo valor cai próximo de zero depois de um adiamento de cerca de 1 minuto.
Por exemplo, Stevens et al. (2005) observaram que saguis-cabeça-de-algodão (Sanguinus oedipus)
são incapazes de esperar mais do que 8 segundos para obter o triplo de uma recompensa em comida
imediatamente disponível. Embora tais descobertas não descartem a possibilidade de que humanos
e animais descontam o futuro de maneira similar, nós acreditamos que a descontinuidade quantitati-
va revela uma descontinuidade qualitativa.
Existem, com efeito, evidências consideráveis de que o desconto temporal de humanos e outros
animais depende de mecanismos qualitativamente distintos. O desconto temporal humano, especi-
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ficamente, reflete o funcionamento de dois sistemas fundamentalmente distintos: um que valoriza
fortemente o presente em detrimento do futuro (que compartilhamos com outros animais) e outro
que desconta resultados de forma mais consistente ao longo do tempo (que é exclusivamente hu-
mano) (por exemplo, Shefrin & Thaler 1988; Loewenstein 1996). Embora (alguns) animais exibam
comportamentos de longo prazo (por exemplo, o armazenamento de nozes para o inverno), estes
são, em geral, pré-programados e distintos do tipo de autocontrole espontâneo observado nos hu-
manos (por exemplo, a decisão de fazer dieta). A capacidade quase exclusivamente humana de levar
em conta as consequências adiadas do nosso comportamento parece ser diretamente imputável ao
córtex pré-frontal, a parte do cérebro mais recente a se desenvolver no processo evolutivo que deu
origem aos humanos (Manuck et al. 2003), e é também a última parte do cérebro a evoluir com a
idade. Pacientes com dano na região pré-frontal tendem a se comportar de forma míope, colocando
pouco peso nas consequências futuras de seu comportamento (Damasio et al. 1994).
Naquela que foi, talvez, a mais explícita investigação de um processo dual de escolha intertem-
poral, McClure et al. (2004) examinaram a atividade cerebral dos participantes enquanto estes fa-
ziam uma série de escolhas intertemporais entre recompensas pequenas e imediatas ($R disponível
com adiamento d) e recompensas maiores e com maior adiamento ($Rf disponível com adiamento
d’)> onde $R<$Rf e d
e $40, e o adiamento variava do dia do experimento a seis semanas mais tarde. O propósito desse es-
tudo era investigar a existência de regiões do cérebro com ativação elevada (em relação a um padrão
de referência em estado de repouso) somente quando o imediatismo é uma opção (isto é, ativação
quando d=0, mas nenhuma ativação quando d>0), e se havia regiões com ativação elevada ao tomar
qualquer decisão intertemporal, independentemente de haver adiamento. McClure et al. (2004) ob-
servaram que o desconto temporal é associado à mobilização de dois sistemas neurais. As estruturas
corticais límbica e paralímbica, conhecidas por serem ricas em inervação dopaminérgica, são prefe-
rencialmente convocadas para escolhas que envolvam recompensas imediatamente disponíveis. De
maneira contrastante, as regiões fronto-parietais, que abrigam as funções cognitivas superiores, são
recrutadas para todas as escolhas intertemporais. Ademais, os autores descobriram que, quando as
escolhas envolviam uma oportunidade de recompensa imediata, englobando dessa forma ambos os
sistemas, uma maior atividade nas regiões fronto-parietais em detrimento das regiões límbicas é as-
sociada a escolhas de recompensas com maior adiamento. Um estudo subsequente com imagens por
ressonância magnética funcional (fMRI), que substituiu os vales-compras por recompensas primárias
(suco e água) que podiam ser fornecidas instantaneamente no aparelho, replicaram esse padrão (Mc-
Clure et al. 2007). Ainda outro estudo de um grupo diferente de autores (Hariri et al. 2006) revelou
um padrão similar em um estudo comparativo entre sujeitos, e não internamente aos mesmos.
Ao que tudo indica, os seres humanos são capazes de adiar a gratificação porque têm uma ar-
quitetura cognitiva única que lhes permite levar em consideração consequências futuras adiadas e
geralmente intangíveis do nosso comportamento presente. No segundo item argumentamos que a
experiência consciente das emoções é o mecanismo que nos permite “imediatizar” – isto é, trazer ao
presente, de uma forma que atrita com outros motivos imediatos – esses resultados adiados.