65 Guia de Economia
Comportamental e Experimental
Esses são dois prospectos que produzem resultados (isto é, quantias em dinheiro que podem ser inter-
pretadas como libras, euros, reais etc.). Considere que as colunas representam três diferentes estados do
mundo, com as probabilidades na parte de cima. Então, se você escolher A, em cada estado do mundo
você obtém um prêmio atraente de $2.400. Se escolher B há uma chance de 33% de obter um prêmio um
pouco mais atrativo, uma boa probabilidade de obter o mesmo prêmio de A e uma pequena probabilida-
de de não obter nenhum prêmio. Agora, se você aplicar a TUE e, com efeito, diversas outras teorias que
tenham propriedades de “independência” similares, ela lhe dirá que, se você escolher entre A e B, pode
efetivamente ignorar o terceiro estado do mundo. Eis o porquê: supondo que você não ganhasse nada
no terceiro estado do mundo, independentemente da alternativa escolhida, ganharia o mesmo prêmio.
Agora pense na escolha entre C e D. Isso é muito similar a A em oposição a B, exceto pelo fato
de que no último estado (probabilidade de 0,66), em lugar de ter o ótimo prêmio de $2.400, para
ambas as opções haveria um prêmio zero. Aplicando o mesmo raciocínio anterior, podemos concluir
que, para um maximizador da utilidade esperada, aquela coluna seria irrelevante para a decisão. Esse
raciocínio não lhe diz qual opção escolher para cada par de escolhas, mas implica uma restrição de
quais padrões de escolha deveriam ocorrer: a aplicação da TUE mostra que, se um maximizador da
utilidade esperada prefere A a B, então deve preferir C a D. Ou, se prefere B a A, então deve preferir
D a C (mas também pode ser indiferente entre as opções de cada escolha).
O que Allais constatou de fato foi que, em problemas com essa estrutura geral, muitas pessoas
escolheram A na primeira escolha e D na segunda. Allais esperava que isso ocorresse e, desde suas
primeiras descobertas, notou que muitas pessoas comuns violam a TUE dessa maneira.
Esse paradoxo de Allais é apenas um exemplo da variedade de anomalias que surgiram para desa-
fiar a TUE, além de muitas outras anomalias similares que pareciam ser previsíveis e replicáveis. Além
disso, as pessoas perceberam que poderiam encontrar intuições sobre por quê elas ocorrem. No caso
do paradoxo de Allais que acabei de citar, imagine que escolhi a primeira opção (A em oposição a B).
Ao fazer essa escolha, acho que prefiro a certeza (opção A) porque a escolha da opção arriscada (B),
poderia me trazer um resultado um pouco melhor, mas me sentiria péssimo se acabasse sem nada. En-
tão vou escolher a certeza (opção A). Agora considere a outra opção (C em oposição a D). Nesse caso,
há uma boa chance de perder, não importa o que aconteça. Observe que as probabilidades vencedo-
ras nas duas opções são bem similares, então posso muito bem arriscar tudo e escolher a opção com
o maior ganho. Posso assim fornecer uma intuição psicológica razoavelmente clara que faça sentido
para mim e faça parecer sensato o fato de escolher A e em seguida D (e assim violar a TUE).
Portanto, não apenas existem evidências de um componente sistemático inexplicável do com-
portamento, como também há certa intuição psicológica sobre por quê ele ocorre. Isso levou os
pesquisadores a pensarem que, se pudessem capturar a intuição correta em uma teoria revisitada,
essa teoria poderia mapear o comportamento observado. Então muitos pesquisadores começaram a
produzir alternativas à teoria da UE. Em geral, essas teorias previram comportamentos similares aos
de Allais e alguns subtipos de outras anomalias conhecidas relacionadas à TUE.
Entre alguns exemplos de teorias estão a Teoria da Utilidade Esperada generalizada[8], a Teoria
da Decepção e do Arrependimento [9, 10], além da Teoria dos Prospectos (ou Teoria da Perspectiva)
[11] (provavelmente a alternativa mais conhecida até o momento) e muitas outras
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. De fato, alguns
anos atrás, fui a uma conferência onde John Hey deu uma palestra sobre o assunto, em que identifi-
cou mais de 30 alternativas à Teoria da Utilidade Esperada, todas desenvolvidas para tentar explicar
fatos como as anomalias de Allais. Isso se deu em meados dos anos 1990, então essa lista deve ter
aumentado consideravelmente.
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Nesse artigo, para facilitar o entendimento, mantivemos a expressão “teoria dos prospectos”. No restante do guia, porém,
adotaremos a expressão “teoria da perspectiva”, designaçäo mais comumente usada. (N.T.)
66 Guia de Economia Comportamental e Experimental
Até agora indiquei duas coisas centrais que acontecem quando começamos a fazer experimen-
tos em Economia Comportamental: uma é a constatação do surgimento de comportamentos sur-
preendentes; a outra, que isso, por sua vez, induz o desenvolvimento de novas teorias criadas para
explicar alguns desses comportamentos surpreendentes.
Quando diversas teorias emergem dessa forma, uma característica natural desse processo é
que as novas teorias concorrentes produzem previsões similares em casos para os quais já possuí-
mos dados. Isso porque os pesquisadores vêm tentando apresentar teorias para fazer enquadrar as
anomalias que passaram a ser consideradas como – seja lá por que – importantes desvios da teoria,
aquilo que se acredita que deve ser de fato explicado. Como consequência, não surpreende que,
quando novas teorias aparecem, as evidências disponíveis, em geral, não são confiáveis, porque são
justamente as evidências a partir das quais as teorias foram construidas
Uma terceira coisa que não raro acontece na pesquisa em Economia Comportamental é que as
pessoas começam a criar e realizar novos experimentos, justamente para propor teorias alternativas
e discriminar entre elas. Isso opera por meio da tentativa de gerar previsões singulares a partir das
teorias. Portanto, embora novas teorias tendam a ser construídas a partir da mesma base de evi-
dências, elas as explicam de diferentes formas e com recursos teóricos distintos, podendo constituir
tipos diferentes de perspectivas psicológicas ou diferentes definições de estratégias. Isso quer dizer
que, como as teorias não são idênticas na forma, possuem implicações singulares fora do tipo dea-
nomaliaspor que foram criadas para explicar. Ou seja, as diferentes teorias, de um modo ou de outro,
levarão a novas previsões. Essas propriedades distintivas oferecem, então, oportunidades para os
pesquisadores produzirem novas previsões a partir dessas teorias, e para elaborarem novos experi-
mentos a fim de explorar o poder preditivo de teorias alternativas em novas situações.
O que acontece, a seguir, na Economia Comportamental é que muitas dessas teorias acabam no
lixo, porque se constata que nenhuma delas funciona muito bem fora da classe de fenômenos que
foram criadas para explicar. Explorei essa questão em um artigo publicado no Journal of Economic
Literature em 2000 [12]. Mas, na verdade, isso é uma boa notícia, visto que nem todas as teorias
alternativas acabam no lixo. Se algumas são descartadas e outras sobrevivem é porque, em alguma
medida pelo menos, fomos capazes de separar as teorias em termos de sua capacidade de previsão
fora da classe de fenômenos que foram criadas para prever. No campo da pesquisa sobre riscos,
penso que podemos apontar diversas teorias com algum grau de sucesso preditivo.
A Teoria dos Prospectos a meu ver, é uma das teorias que se destaca em termos de sucesso prediti-
vo. Em comparação às concorrentes, ela se mostrou capaz de explicar uma gama relativamente vasta de
evidências. Em parte por conta disso, a teoria dos prospectos tem sido amplamente adotada como fer-
ramenta de formulação em pesquisa aplicada. Devo dizer que há outras teorias que também alcançaram
sucesso notável por produzirem previsões surpreendentes que se mostraram verdadeiras. Por exemplo,
a Teoria do Arrependimento (regret theory) se destaca entre as alternativas à UE por ter conduzido a
previsões notáveis que se mostraram bem embasadas do ponto de vista empírico. De fato, a teoria do ar-
rependimento evidenciou padrões no comportamento que ninguém esperava antes de seu surgimento,
e estes vieram a ser empiricamente corroborados pelos dados. Há muitos outras coisas sobre os quais eu
poderia falar, e seleciono aqui apenas uma vertente da bibliografia ao escolher a Teoria dos Prospectos.
Devo assinalar que existem diversas versões diferentes dessa teoria, devido à sua evolução
desde que foi inicialmente proposta por Kahneman e Tversky em fins dos anos 1970 [11]. Tversky
e Kahneman [13] desenvolveram uma nova versão da teoria nos anos 1990 e, com outros dois
autores, Ulrich Schmidt e Bob Sugden, eu estive envolvido na proposta de outra versão, que cha-
mamos de terceira geração da Teoria dos Prospectos de [14] – chamamos a versão de 1979 de