71 Guia de Economia
Comportamental e Experimental
Economia Comportamental. Não pretendo sugerir que a Teoria dos Prospectos seja uma teoria perfei-
ta – bem longe disso. Existem muitos padrões estabelecidos no comportamento de escolha de risco
que ela não é capaz de explicar, entre os quais, por exemplo, evidências de intransitividade, além da
aparente imprecisão e instabilidade no comportamento de escolha. Discutirei brevemente uma dessas
dimensões na forma de trabalho relacionado à instabilidade e à mudança na preferência (esse é um
tópico contemporâneo em minha própria pesquisa e está relacionado a alguns fatos que já mencionei).
É bastante claro em diversas fontes de evidências que as decisões mudam com a experiência. E,
com frequência, mudam de maneiras que não somos capazes de explicar utilizando as ferramentas
existentes na ciência econômica. Uma dimensão disso se relaciona com os tipos de anomalias que
mencionei anteriormente neste artigo. Existem evidências que surgiram há uma ou duas décadas,
segundo as quais algumas das anomalias que inspiraram novas teorias (por exemplo, as alternativas
à TUE) têm uma tendência a declinarem e, no extremo, até desaparecerem em alguns ambientes em
que as pessoas fazem escolhas recorrentes, obtêm certos feedbacks sobre suas decisões e possuem
certos tipos de incentivos. Alguns dos estudos que revelam isso sugerem uma habilidade dos merca-
dos de, em certo sentido, suprimirem as anomalias.
Um exemplo de preferência desse gênero, e uma das minhas evidências mais antigas, é um artigo
de Cox e Grether [16], publicado em meados de 1990, sugerindo certa tendência de declínio, e até
de desaparecimento, do fenômeno de reversão de preferência quando as avaliações são obtidas em
leilões recorrentes de segundo preço. Nesse estudo, as pessoas receberam bilhetes de loteria, foram
solicitadas a darem preços de reserva e foram conduzidas a leilões em que a pessoa com a menor
reserva vendia seu bilhete à pessoa com a reserva seguinte na classificação. Esse é um leilão de se-
gundo preço bem típico, em que a pessoa que vende obtém o preço de mercado e todos os outros
mantêm seus bilhetes e os negociam.
Nesses experimentos, os sujeitos faziam escolhas entre apostas típicas P e $ e também obtinham
avaliações em dinheiro, para essas apostas, repetidamente em uma sequência de leilões Vickrey. Ao
se comparar as escolhas com as avaliações iniciais das apostas em seus leilões, observou-se a incon-
sistência padrão de reversão de preferência. Isto é, as pessoas tendiam a escolher apostas de alta
probabilidade, mas dar avaliações maiores para apostas de alto ganho. Entretanto, em uma sequên-
cia de leilões, as avaliações tendiam a mudar de forma a causar o desaparecimento sistemático do
componente de reversão de preferência.
Em outro exemplo, John List [17] conduziu alguns interessantes estudos de campo em mercados
de ocorrência natural. Ele participou como negociante em mercados de troca de memorabilia espor-
tiva nos EUA, e conduziu experimentos para observar os efeitos dotação. Ele oferecia um brinde para
as pessoas que visitavam seu estande e perguntava se elas gostariam de trocá-lo por outro objeto.
Um traço importante do estudo é que List também reuniu alguns dados sobre quanta experiência
os participantes do estudo possuíam naquele mercado. Ele replicou o efeito dotação padrão, mas,
embora esse estivesse presente naquele mercado de modo geral, descobriu que era bem menos
pronunciado, talvez até mesmo insignificante para negociantes experientes nesse mercado. Parece
que existia algum tipo de relação entre a experiência dos negociantes e a extensão em que essas
anomalias se manifestavam. Mas é um erro pensar que não havia nenhuma anomalia presente. Ela
estava presente em alguns negociantes, mas não em outros.
Há, atualmente, um debate interessante sobre como interpretar algumas dessas evidências de
escolhas são afetadas pela experiência e, em particular, do desaparecimento das anomalias nos mer-
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cados. E parece possível que diferentes tipos de forças estejam atuando. Algumas delas parecem
melhor explicadas como algum tipo de correção de erro ou aprendizado. Isto é, as pessoas têm pre-
ferências estáveis como base, mas nem sempre as expressam com muita clareza ou precisão. Quando
são solicitadas a tomar decisões pouco familiares em ambientes desconhecidos, elas cometem erros.
Mas à medida que obtêm feedback sobre o ambiente, o compreendem melhor, assim como passam a
compreender melhor seu objeto de escolha, e até mesmo talvez se tornem mais capazes de registrar
suas preferências de fundo. Se fosse o caso – para a felicidade dos economistas do mainstream – de
essas preferências subjacentes serem mais parecidas com as teorias-padrão do que com as novas
teorias, como a teoria dos prospectos, então talvez pudéssemos voltar a fazer negócios à maneira
antiga (com base na TUE). Talvez essa nova linha de pesquisa, que desenvolveu essas novas teorias,
tenha sido uma espécie de desvio desnecessário, se o que nos interessa de fato são decisões ponde-
radas de participantes experientes do mercado.
Por outro lado, agora é bastante claro que nem todas essas evidências serão explicadas desse
modo. E há pelo menos alguma evidência que sugere que precisamos compreender essa mudança
de comportamento como algo “moldado” pelo ambiente em que as pessoas se encontram. Isso sig-
nifica que não se pode de fato explicar todo comportamento interessante em termos de preferências
que existem fora da instituicao. Em certo sentido, a instituição modela e forma o comportamento.
Por exemplo, algumas das pesquisas das quais participei sugerem que pode haver uma tendên-
cia, em algumas situações de mercado, de as pessoas alterarem suas avaliações dos produtos dis-
poníveis baseando-se em observações de preços passados de mercado [18,19]. Fundamentalmente,
existem evidências de ocorrências desse tipo em ambientes controlados de tal forma que, na teoria
padrão, o preço de mercado torna-se irrelevante para as decisões (isto é, em ambientes de valor pri-
vado). Isso passa a sugerir o potencial para alguma endogeneidade de preferências para a estrutura
do mercado. Acredito que tenhamos tendido a fazer coisas como a economia do bem-estar social,
pensando as preferências de mercado como dados, em um pano de fundo a partir do qual julgamos
o resultado do mercado, indagando se esse resultado está satisfazendo as preferências. Entretanto,
na hipótese de os resultados do mercado passarem a determinar ou alterar as preferências por meio
de algum tipo de feedback, algumas questões interessantes passam a se colocar.Alguns pesquisado-
res estão começando a pensar sobre os problemas teóricos associados a essa possibilidade [20,21].
Considerações finais
Para concluir, gostaria de propor cinco chamadas “lições” da Economia Comportamental baseadas
na discussão apresentada e, então, fazer uma breve menção a algumas ligações entre Economia
Comportamental e políticas públicas.
As cinco lições
Lição número um: uma das coisas que aprendemos atuando no campo da Economia Comportamental
diz respeito às limitações das teorias formuladas até o momento. Independentemente da teoria utiliza-
da, você provavelmente descobrirá que ela possui limitações que eventualmente podem vir a se tornar
surpreendentes. Você constatará regularidades não previstas em suas teorias e que parecem sólidas
quando examinadas. Muito tempo atrás, concluí que o comportamento é bem mais complexo do que
qualquer uma das nossas teorias simples. Isso pode não ser importante em certos casos, mas pode sê-