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e Experimental
lo em outros. Sendo assim, a lição número um é que aprendemos sobre as limitações da teoria.
Lição número dois: “anomalias são boas”? Alguns economistas reagem às anomalias geradas pela
Economia Comportamental como se fossem um incômodo, trazendo desordem para a teoria eco-
nômica. Os economistas que assim pensam podem transformar em prioridade a desmistificação de
resultados experimentais e a busca frenética por críticas que lhes permitam dizer que um experimento
obtuso produziu um resultado igualmente canhestro. Há muito boas razões para ser crítico e examinar
a solidez das anomalias. Não estou sugerindo que devemos aceitar as anomalias ao pé da letra sem
nenhum exame. O que sugiro é encará-las seriamente e examinar suas causas, pois elas desempenham
uma função científica muito útil ao destacarem as limitações do nosso conhecimento atual. Elas nos
alertam para fatos sobre os quais nada sabíamos e que podem se mostrar importantes e úteis.
É comum nos depararmos com alguma anomalia e não sabermos se ela será importante, sólida,
significativa ou interessante. Mas algumas delas se mostram exatamente isso. Portanto, quando as
anomalias emergem, deveríamos sorrir! Com essa afirmação, revelo antiquados instintos “popperia-
nos” em relação à filosofia da ciência. Isto é, devemos considerar a boa ciência como consistindo no
processo de constante questionamento das nossas teorias; e progredimos descobrindo onde nos
equivocamos, não defendendo piamente aquilo que endossamos de maneira tradicional. Portanto,
as anomalias são boas porque, em muitos casos, estimulam o desenvolvimento de novas teorias, al-
gumas das quais logram êxito, ao menos em algum domínio específico.
Lição número três: a Economia Comportamental pode nos levar a pensar de maneira diferente,
ou talvez mais ampla, sobre o que compõe uma boa teoria. A TUE seria um bom exemplo do que con-
sidero “a maneira antiga”. Suspeito que o instinto de muitos economistas tenha sido, e provavelmente
continue sendo, procurar teorias bem simples, esperando encontrar uma que oferecerá um panora-
ma geral sobre o comportamento. E é comum que esses modelos simples tenham sido construídos
sobre o que parecem critérios atraentes do ponto de vista normativo. Nós os construímos com base
em axiomas que parecem constituir princípios defensáveis de escolha racional.
Não quero dizer que essa forma de teorização deva ser deixada de lado, pois penso que de
fato existe um lugar para teorias bem simples, elegantes e maleáveis para determinados propósitos,
mesmo que sejam explicações imperfeitas de fenômenos importantes. Mas sugiro que devemos ser
tolerantes quanto a maneiras diferentes de teorizar que possam, por exemplo, admitir a existência de
vários determinantes de fenômenos surpreendentes. Acho que o que está ocorrendo é que, para cer-
tas anomalias, os economistas estão se esforçando para produzir teorias bem simples que expliquem
todos os aspectos presentes nas evidências, e pode ser que teorias concorrentes estejam captando
influências distintas das que estão atuando de fato. Então, se estamos realmente interessados em
boas teorias descritivas, talvez tenhamos de aceitar que precisamos de fatores múltiplos para expli-
car alguns fenômenos.
Uma característica da Economia Comportamental é que alguns aspectos da teorização são com
frequência informados por ideias da psicologia. Não abordei isso explicitamente, mas, por exemplo,
uma importante distinção nas teorias psicológicas da decisão é a diferença entre decisões com um
forte direcionamento emocional e outras guiadas de maneira mais cognitiva. Pode ser que essa dis-
tinção seja importante em relação a certos tipos de decisão que são interessantes para os economis-
tas: o desconto temporal pode ser um exemplo.
Também há motivos para pensar que a importância de diversos fatores que influenciam o com-
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portamento em geral pode ser dependente do contexto. Dito isso, o que precisamos considerar, na
condição de teóricos aplicados, é o conjunto de fatores particularmente fortes no problema que
tentamos modelar. Ou, dito de outra forma, talvez precisemos pensar como selecionamos teorias em
um mundo em que as explicações são dependentes de contexto.
Então, por exemplo, alguns estudos sugerem que, para um conjunto razoavelmente amplo de de-
cisões, a ponderação de decisões assemelha-se bastante à prescrita pela Teoria da Utilidade Espera-
da, no sentido de não se distanciar muito de pesos decisórios lineares. Contudo, há importantes clas-
ses de decisões em que isso não se aplica, e em relação às quais certa falta de linearidade ajudaria,
particularmente em eventos de baixa ou extremamente baixa probabilidade (isto é, eventos de baixa
probabilidade com consequências extremas). Pode ser que a ponderação decisória seja necessária
para a consideração dessas consequências. Pode ser que um tipo de teoria seja perfeitamente apro-
priado para vários propósitos, mas precisamos ficar alertas à extensão desse terreno, introduzindo
nas suas fronteiras alguns outros fatores explicativos.
Lição número quatro: uma das coisas que a Economia Comportamental faz é gerar muitas novas
questões. Você começa com uma questão que lhe interessa e, não importa até onde avance com ela,
pode ter certeza de que muitas outras surgirão nessa busca. Essa me parece mais uma característica
positiva da Economia Comportamental. Para ilustrar, no contexto da pesquisa que tenho discutido,
imagine ter chegado à conclusão de que a aversão à perda é um fator explicativo interessante que
pode ser relevante para fatos pelos quais você está interessado na condição de economista. Isso na-
turalmente leva a novas questões como, por exemplo, se ela é empiricamente importante, ou como
formulá-la com precisão. Há interessantes debates a esse respeito. Há todo tipo de questões sobre
suas implicações em cenários aplicados, e questões mais conceituais como, por exemplo, se ter aver-
são à perda é racional ou irracional.
Lição número cinco: enquanto grande parte desse artigo se concentrou em questões relativas
à ciência básica, compreender mais sobre como as pessoas se comportam de fato pode ter impli-
cações importantes no nível da política. Para concluir este artigo, mencionarei brevemente algumas
questões como sugestões para uma bibliografia mais abrangente.
Medindo preferências: em diversas áreas das políticas públicas, medir as preferências pode ser
algo desejável. Como exemplo, posso citar os bens extra-mercado aos quais desejamos atribuir um
valor, como bens públicos ambientais (a qualidade do ar ou da água, por exemplo), o valor da vida
etc. Os economistas desenvolveram abordagens bastante sofisticadas para esse tipo de análise, em-
bora normalmente suponham que os indivíduos têm preferências padrão. Por exemplo, o procedi-
mento de jogo padrão para atribuir utilidade (isto é, valores) a estados de saúde. Certos fatos que
aprendemos sobre as preferências reais sugerem que as ferramentas padrão de medida podem ser
sistematicamente enviesadas. O lado positivo é que o conhecimento aprimorado das preferências e
escolhas pode nos ajudar no desenvolvimento de ferramentas mais precisas para a obtenção de da-
dos sobre preferências a serem utilizadas como subsídio em decisões sobre políticas públicas.
Compreendendo o comportamento do consumidor:
alguns dos fenômenos
descobertos por meio
da pesquisa comportamental (em economia, psicologia e outras áreas) podem oferecer perspectivas
bastante úteis sobre por quê observamos diversas formas de comportamento no campo, entre as
quais vários aspectos do comportamento do consumidor. Eis um exemplo. É fato conhecido que os
indivíduos têm a tendência de seguirem o status quo. Essa tendência não existiria se os indivíduos
se comportassem como rezam os modelos de escolha racional dos livros, mas a tendência de seguir