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A Lei
justiça, combinando a mais dura escravidão com a extrema
liberdade, combinando os sentimentos mais atrozes com
a maior moderação. Parece que ele privou sua cidade de
todos os recursos, artes, comércio, dinheiro e defesas. Em
Esparta, tinha-se ambição sem esperança de recompensa
material. Os sentimentos naturais não tinham respaldo,
pois um homem não era nem filho, nem marido, nem pai.
Até a castidade não era mais considerada conveniente. Foi
por este caminho que Esparta foi levada à grandeza e à glória.
Este arrojo que existia nas instituições da Grécia repetiu-se
na degeneração e na corrupção dos tempos modernos. Um
legislador honesto formou um povo no qual a probidade
parece tão natural quanto a coragem entre os espartanos.
O Senhor William Penn, por exemplo, é um verdadeiro Li-
curgo. E, embora o Senhor Penn tivesse a paz como objeti-
vo e Licurgo, a guerra, eles se assemelham um ao outro, na-
quilo em que a autoridade moral de ambos sobre os homens
livres permitiu-lhes vencer preconceitos, dominar paixões e
conduzir seus respectivos povos para novos caminhos.
O Paraguai
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pode-nos fornecer outro exemplo. Quis-se
cometer um crime contra a sociedade, que vê o prazer de
comandar como o único bem da vida; mas será sempre
belo governar os homens, tornando-os mais felizes...
Os que quiserem estabelecer instituições similares devem
proceder da seguinte forma: implantar a comunidade de
bens como na República de Platão, bem como venerar os
deuses; precaver-se contra a mistura dos estrangeiros com
o povo, a fim de preservar os costumes e deixar que o es-
tado, em vez dos cidadãos, pratique o comércio. Os legis-
ladores deveriam promover as artes, em vez da luxúria, e
também satisfazer necessidades, em vez de desejos.
u
mA
ideiA
horripilAnte
Aqueles que estiverem sujeitos à admiração vulgar exclamarão:
“Montesquieu já disse isso! Então é magnífico, é subli-
me!” Quanto a mim, tenho a minha própria opinião. Eu
5
Nota do tradutor para o inglês: “O que se conhecia, à época, por Paraguai era um território muito maior
que o de hoje. Foi colonizado pelos jesuítas, os quais organizaram as aldeias indígenas e, de um modo
geral, protegeram os silvícolas dos ávidos conquistadores.”
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Frédéric Bastiat
digo: O que?! Como você pode achar isto bom? Isto é
medonho! É abominável! Esta seleção de trechos escri-
tos por Montesquieu mostra que ele considera as pesso-
as, as liberdades, a propriedade, a própria humanidade,
como apenas material para os legisladores exercitarem
sua sagacidade.”
o
lÍder
doS
democrAtAS
Vejamos agora Rousseau, no que se refere a este assunto. Este au-
tor é considerado pelos democratas como autoridade suprema. E, em-
bora ele baseie a estrutura social na vontade do povo, ele aceitou, mais
do que ninguém, a teoria da total passividade do homem diante dos
legisladores:
Se é verdade que um grande príncipe é um homem ex-
cepcional, o que será então de um grande legislador? O
primeiro só tem que seguir o modelo que o segundo lhe
propuser. Este é o engenheiro que inventa a máquina; o
outro, somente o operário que a monta e faz funcionar.
E como ficam os homens nisso tudo? São eles a máquina que se mon-
ta e que funciona ou antes a matéria bruta da qual a máquina é feita?
Assim, entre o legislador e o príncipe, entre o príncipe e os súditos
existem as mesmas relações que entre o agrônomo e o agricultor, que
entre o agricultor e a terra.
A que altura, acima da humanidade, está, pois, colocado o escritor?
Rousseau reina sobre os próprios legisladores e ensina-lhes seu ofício
em termos imperativos:
Quer-se dar estabilidade ao estado”? Então aproximem-
se os extremos tanto quanto possível. Não se tolerem nem
os ricos nem os mendigos.
Se o solo é ingrato ou estéril, ou o campo muito pequeno
para seus habitantes, que se volte para a indústria e as
artes e se troquem estes produtos pelos alimentos de que
se necessita... Em um solo fértil, se existem poucos habi-
tantes, que se dedique toda a atenção à agricultura, pois
assim se poderá multiplicar a população; que se abando-
nem as artes, porque só servem para despovoar a nação...
Se as costas são extensas e acessíveis, então cubram-se os
mares com navios mercantes; ter-se-á uma existência
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A Lei
brilhante, mas curta. Se, porém, o mar banha somente
costas cheias de rochedos inacessíveis, deixe-se o povo
ser bárbaro e comer peixe; assim ele viverá mais calmo,
talvez melhor e, com toda certeza, viverá mais feliz.
Em suma, e como acréscimo às máximas que são comuns
a todos, cada povo possui suas circunstâncias particula-
res. E tal fato por si só gera uma legislação apropriada às
circunstâncias.
Esta é a razão pela qual os hebreus, há mais tempo, e, mais
recentemente, os árabes, fizeram da religião seu principal
objetivo. O objetivo dos atenienses era a literatura; o dos
cartagineses e do povo de Tiro, o comércio; o do povo
de Rodes, a marinha; o dos espartanos, a guerra; e o dos
romanos, a virtude. O autor do Espírito das leis mostrou
com que arte o legislador orienta a instituição para cada
um desses objetivos... Mas suponha que o legislador se
engane e tome outro objetivo diferente daquele que é in-
dicado pela natureza das coisas; suponha que o objetivo
selecionado venha a criar ou a escravidão ou a liberdade;
ou então que crie riqueza ou aumento de população; ou
que crie, ainda, ou paz ou conquista! Esta confusão de
objetivos vai lentamente enfraquecendo a lei e prejudi-
ca a constituição. “O estado estará sujeito a frequentes
agitações, até que seja destruído ou modificado e que a
invencível natureza retome o seu impulso.
Mas se a natureza é suficientemente invencível para recuperar seu
império, por que então Rousseau não admite que não havia necessida-
de do legislador para, desde o início, recuperar este império? Por que
não admite ele que os homens, por força de seus próprios instintos,
voltar-se-ão para o comércio numa costa extensa e acessível, sem a
interferência de um Licurgo ou de um Sólon ou de um Rousseau, que
facilmente se podem enganar?
o
S
SociAliStAS
querem
o
conformiSmo
forçAdo
Seja como for, Rousseau dá aos criadores, organizadores, diretores,
legisladores econtroladores da sociedade uma terrível responsabilida-
de. Com relação a eles, é muito exigente:
Aquele que ousa empreender a tarefa de dar instituições
a um povo, deve-se sentir em condições de mudar, por
assim dizer, a natureza humana; de transformar cada in-
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