38
Frédéric Bastiat
divíduo que, por si só, é um todo perfeito e solitário, em
parte de um grande todo, do qual este indivíduo recebe,
integralmente ou em parte, sua vida e seu direito de ser.
Assim, a pessoa que se compromete a empreender a cria-
ção política de um povo deveria acreditar em sua habili-
dade em alterar a constituição do homem, para reforçá-la,
para substituir uma existência parcial e moral por uma
existência física e independente, que todos nós recebe-
mos da natureza. E preciso, em uma palavra, que esse
criador de política retire do homem suas forças próprias
e o dote de outras que lhe são naturalmente estranhas...
Pobre espécie humana! O que se tornaria a dignidade da pessoa se
fosse confiada aos seguidores de Rousseau?
o
S
legiSlAdoreS
deSejAm
moldAr
A
humAnidAde
Examinemos agora Raynal, quando fala do fato de a humanidade
ser moldada pelo legislador:
O legislador deve primeiro considerar o clima, o céu e o
solo. Os recursos ao seu dispor determinam seus deveres.
Ele deve primeiro considerar sua posição local. Uma po-
pulação que vive à beira-mar deve ter leis voltadas para a
navegação... Se for uma população interiorana, o legisla-
dor deve fazer seus planos, acomodando-os à natureza e à
fertilidade do solo...
É principalmente no que se refere à distribuição da pro-
priedade que o gênio do legislador deve manifestar-se.
Como regra geral, quando uma nova colônia é fundada,
em qualquer parte do mundo, devem ser distribuídas ter-
ras de extensão suficiente a cada homem, de modo a po-
der sustentar sua família...
Numa ilha selvagem, que se povoaria de crianças, basta-
ria deixar germinarem as sementes da verdade junto com
o desenvolvimento da razão... Mas quando um povo, já
antigo, se estabelece em um país novo, a habilidade do
legislador está no fato de permitir a esse povo conservar
a opinião e os costumes nocivos que não podem mais ser
curados e corrigidos. Se se deseja evitar que tais opini-
ões e costumes se tornem permanentes, deve-se assegurar
que a segunda geração de crianças tenha um sistema geral
de educação pública. Um príncipe ou um legislador não
39
A Lei
deveriam jamais fundar colônias sem antes enviar ho-
mens sábios para instruírem a juventude...
Em uma nova colônia, uma ampla oportunidade é dada
ao legislador que deseje depurar os costumes e os modos de
vida do povo. Se ele tiver virtude e gênio, a terra e o povo
à sua disposição inspirarão à sua alma um plano para a so-
ciedade. Um escritor pode somente traçar o plano ante-
cipadamente, de um modo vago, pois é necessário sujei-
tar-se à instabilidade de todas as hipóteses; o problema
tem muitas formas complicações e circunstâncias que são
difíceis de prever e fixar em detalhes...
o
S
legiSlAdoreS
diSSerAm
como
dirigir
oS
homenS
As instruções de Raynal aos legisladores sobre como dirigir o povo
podem ser comparadas às conferências de um professor de agricultura
feitas a seus alunos:
O clima é a primeira norma do agricultor. Seus recursos
determinam seus procedimentos. Ele deve inicialmente
considerar sua posição local. Se seu solo é argiloso, ele
deve conduzir-se de uma certa maneira. Se o solo é are-
noso, de outra maneira. Todas as facilidades se apresen-
tam ao agricultor que deseja limpar e melhorar seu solo.
Se ele for hábil o bastante, a terra e o estrume que ele ti-
ver à sua disposição inspirar-lhe-ão um plano de operação.
Um professor pode somente, e de modo vago, traçar este
plano antecipadamente, já que só está necessariamente
sujeito à instabilidade das hipóteses, as quais variam e se
complicam numa infinidade de circunstâncias difíceis de
serem previstas e combinadas.
Oh, sublimes escritores! Lembrem-se, às vezes, de que esta argila,
esta areia e este estrume de que vocês tão arbitrariamente dispõem
são Homens! Eles são seus semelhantes! Eles são seres inteligentes e
livres como vocês! Como vocês, eles também receberam de Deus a fa-
culdade de observar, de prever, de pensar e de julgar por eles mesmos!
u
mA
ditAdurA
temporáriA
Eis o que pensa Mably a respeito da lei e do legislador. Em passa-
gens anteriores à aqui citada, Mably supôs que as leis, devido a uma
40
Frédéric Bastiat
negligência da segurança, estavam gastas. E ele continua a se dirigir
ao leitor do seguinte modo:
Nestas circunstâncias, é óbvio que as rédeas do governo
estão frouxas. Dê-se-lhes novo aperto, e o mal estará cura-
do... Pense-se menos em punir os erros e em encorajar
mais as virtudes de que se tem necessidade. Deste modo,
será dada à república o vigor da juventude. É porque os
povos livres desconheceram tal procedimento que per-
deram sua liberdade! Mas se o progresso do mal for tal
que os magistrados comuns não possam combatê-lo efi-
cazmente, recorra-se a um tribunal extraordinário, com
poderes consideráveis por um curto espaço de tempo. A
imaginação dos cidadãos precisa ser sacudida...
E, desse modo, Mably continua por vinte volumes.
Sob a influência de tais ensinamentos — provenientes da educa-
ção clássica — veio uma época em que cada um pretendeu colocar-se
acima da humanidade, a fim de arranjá-la, organizá-la e regulá-la à
sua maneira.
o
S
SociAliStAS
querem
A
iguAldAde
de
riquezAS
Examinemos a seguir Condillac, a respeito de legislação e da
humanidade!
Meu Senhor, presuma-se um Licurgo ou um Sólon. E
antes de terminar a leitura deste ensaio, divirta-se fazen-
do leis para qualquer povo selvagem da América ou da
África. Confine esses nômades em habitações fixas; ensi-
ne-lhes a alimentar os rebanhos... tente desenvolver-lhes
as qualidades sociais que a natureza lhes deu... Force-os
a começar a praticar os deveres da humanidade... Use pu-
nições para os prazeres que prometem as paixões. E você
verá que cada aspecto, cada ponto de sua legislação levará
esses selvagens a perder um vício e ganhar uma virtude.
Todos os povos tiveram leis. Mas poucos dentre eles fo-
ram felizes. Qual a causa disso? É que os legisladores
quase sempre ignoraram que o objetivo da sociedade é
unir as famílias por um interesse comum.
A imparcialidade da lei consiste em duas coisas: estabe-
lecer a igualdade na riqueza e a dignidade dos cidadãos...
A medida que as leis estabelecerem uma maior igualdade,
Dostları ilə paylaş: |