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luego cruces, rayas y con safos así como había passado con las bancas nuevas. El cura nunca
pudo comprender el sacrilegio” (RIVERA, [1971] 2012, p. 140).
Porém, mais do que polemizar, a viagem pela imaginária em ...y no se lo tragó la
tierra se insere em um projeto maior de revisitação a raízes formadoras, com sua consequente
reavaliação crítica para fins de formação de uma consciência nova, a do sujeito chicano. E
porque, nesse processo de formação, de autoafirmação identitária essa consciência passa pelas
vias do ideológico, passa também, mesmo por isso, deliberadamente pelo poder imaginativo
que desse corpo à possibilidade de união de um povo. Embora, conforme explicitam Ramos e
Buenrostro em seu prólogo à edição argentina do romance riverano, o chicano se encaixe na
denominação de povos sem Estado, o poder criador da literatura e a emergente
intelectualidade chicana entendem, abraçam e auxiliam em seu processo ideológico de que
seja, mais que uma unidade, um povo com unidade, aceitando suas origens étnicas (muitas das
quais também fruto de um longo processo de criação, recriação, construção e sobreposição de
valores e costumes) e impondo e apresentando sua diferença em uma épica que remonta a
tempos inda mais antigos de peregrinação, de nomadismo e movimento migratório. Seguro é
que a ficção de ...y no se lo tragó la tierra não chega a esse tópico de origem asteca, ao tópico
da origem em Aztlán, como o fazem outros coetâneos de Rivera; mas, é justo pela
relativização de valores, pela ambiguidade de sentidos que atravessam sua narrativa, que ele,
Tomás Rivera, através da rememoração do menino protagonista de seu romance, abraça a
insurgente causa chicana inserida no contexto das mobilizações pelos direitos civis que
sacudiram os Estados Unidos a partir de fins dos anos de 1960.
Tanto é assim que a proposta de abraçar, entender, acolher e aceitar suas origens e sua
gente só se dá após o desnudamento da validade desses artefatos culturais em um espaço de
menosprezo a uma alteridade que finalmente se agiganta, afirma-se como parte desse todo
caleidoscópico, um povo com uma unidade imaginada, sim (tocando-se nos termos de
Benedict Anderson (1989) em sua obra já citada), mas, isso porque passa primeiro pelo
necessário poder da imaginação para, só depois, afirmar-se ideologicamente.
Todo este processo, toda essa busca e essa longa caminhada rumo à aceitação de si
mesmo como uma só vez igual e diferente, semelhante e dessemelhante, está no final de ...y
no se lo tragó quando voltam, a maioria por um texto-rio (Cf. PEREIRA, 1997, p. 105) todo
em cursivas, os personagens que atravessaram a imaginária riverana. E fossem eles
mexicanos ou chicanos e seus costumes antigos, fossem eles ministros anglos protestantes
traídos ou professores anglos benfeitores, o que importa é que a toda essa gente o maduro
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narrador travestido de menino rememorado quer abraçar, pois já revisou talvez o ano mais
difícil de sua vida, o ano em que seus embates, suas dúvidas identitárias eram mais agudas.
Agora, exposta, enfim, a importância da imaginária em Rivera, importa diferenciá-la
do que é um imaginário, para que sobre o trato dele também no romance riverano, para que
sobre a relação literatura e imaginários em ...y no se lo tragó eu possa fechar o raciocínio
proposto neste tópico.
A partir do que demonstrei, por raramente ser utilizado em português como
substantivo, o termo “imaginária” encontraria correspondente no verbete “estatuaria”, este,
sim, um substantivo. Porém, enquanto este se restringe a denotar uma coleção de estátuas,
aquele abre seu leque semântico de modo a abarcar uma série de imagens visuais. Incluídas
em sua amplidão não apenas estátuas (ícones, ídolos) bem como quadros, pinturas, gravuras, o
termo é usado por Gilbert Durand quando este francês especialista do imaginário faz
referência ao que ele chama de imaginária sacra cristã como parte demonstrativa de diferentes
momentos de resistência do imaginário diante de uma contínua e progressiva cultura de
iconoclasmo no Ocidente.
Observada a pertinência do termo junto ao recorte aqui adotado na análise de ...y no se
lo tragó la tierra, percebe-se que a imaginária contida nesse romance de Tomás Rivera se
insere como parte de toda uma mescla cristã-indígena propriamente mexicana (Cf.
FUENTES, [1992] 2010, p. 246). Característica que atravessa a fronteira em Rivera, esse
sincretismo, que é, portanto, também chicano, perturba e move questionamentos no menino
protagonista do romance. Dessa maneira, embora não se aprofunde na causa indígena, Rivera
e sua imaginária tocam, mesmo indiretamente, na face multicultural índia de tal sincretismo.
Assim, seja na remissão narrativa à Virgem “Indígena” de Guadalupe, aos quadros de
fantasmas, na consulta aos espíritos e mesmo nas (trans)figurações do diabo, o componente
cultural indígena está, de certa forma, representado, e posto em dúvida, na imaginária de ...y
no se lo tragó. E é assim, questionando, que a imaginária riverana questiona igualmente
imaginários de valores e de costumes, imaginários culturais, por assim dizer, apontados para o
chicano.
Um imaginário é um conjunto de apreensões de pensamento que tendem a reduzir
demasiadamente a complexidade de assuntos sobre os quais costuma dedicar, debruçar,
apontar sua lente, suas imagens. As imagens de que se serve necessitam de fato desse caráter
redutor, pois respondem à faculdade humana de pensar compartimentado, pensar por
compartimentos, à necessidade humana de classificar e, por suas classificações, pelas
compartimentações que produz, através desse ato ter a noção regozijante (e enganadora) de
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