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Assim, para Tinyanov, nota-se a forma através da evolução (dinâmica, desatrelada da
dimensão de tempo) do vínculo existente entre o fator subordinante construtivo e os fatores
subordinados. A partir do exposto por Y. Tynianov, podemos apontar como condição sine qua
non para a sobrevivência do fato artístico a interação enquanto conflito, desde a sensação de
submissão, de deformação de fatores outros pelo fator construtivo. Se deixar de existir a
sensação de interação dos fatores (com realce para a presença de dois elementos: subordinante
e subordinado), o fato artístico se desvanece, a arte passa a ser automatismo, não se tem a
experimentação da arte, não a experimentamos mais (Cf. TYNIANOV, [1923] 1973, p. 101-
2-3).
Para trazer o que expõe sobre a arte à esfera mais estrita da arte literária, Tynianov
recorre, por fim, ao metro da poesia. Grosso modo, a título de resumo, tem-se que o que é
inovador em determinado momento na arte literária deixa-o de ser a partir do momento em
que sua função subordinante, deformante, desaparece pela associação de fatores que lhe
confiram somente a repetição, mera cópia com capa de “novo”. Não basta com que se
introduza um fator qualquer, há que se buscar uma nova interação, conflituosa entre si, entre
os fatores que faz interagir. Dando contornos finais ao que busca explicar, Tynianov nos diz,
ainda sobre o metro: “Se colocamos esse metro em contato com alguns fatores novos, nós o
renovamos, despertamos nele novas possibilidades construtivas” (TYNIANOV, [1923] 1973,
p. 103). Tal exemplo serve de alusão e ponte ao que de fato me interessa no tangente à noção
ora trabalhada: o princípio de construção na arte literária em prosa; aqui, no material
selecionado de Carlos Fuentes e Tomás Rivera.
Em La frontera de cristal e ...y no se lo tragó la tierra, a forma romance prevalece,
mas não se apresenta como uma forma sacralizada, imutável. Ela, a forma romance, é o
elemento subordinante, e a obviedade, a automatização estaria em pensar o que nos salta à
vista: seus elementos subordinados são os capítulos que a compõem, o que, em parte, não é
mentira. No entanto, o fato da dúvida (pro)posta na (in)certa dependência de seus (nas obras
citadas) “capítulos” dá a perceber uma interação conflituosa entre fatores. O fator promovido
são dois romances entrecortados, fragmentados, porque buscam a representação artístico-
literária de relações fragmentadas, de identidades fragmentadas em um espaço geográfico
fragmentário por excelência: (um)a fronteira.
A partir da fragmentação sobre a qual debruçam sua representação, o fator promovido,
ou seja, em nosso caso, dois romances entrecortados, fragmentados “necessitam” deformar
seu elemento subordinado mais evidente, o capítulo. E o fazem pela dúvida inarmônica, se
capítulos que são contos ou contos que são capítulos. Deforma-se a “natureza”, o sentido
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“mais natural” do capítulo: nestas duas obras eleitas, de Fuentes e Rivera, ele, o capítulo, não
mais depende de estar junto ao todo para obtenção de seu sentido, de seu entendimento mais
amplo; sozinho, tem seu sentido próprio, como um conto, pois é um conto; mas, ao carregar
no seu narrar elementos do todo, a este se pode agregar, construindo algo maior e um tanto
diferente: um romance que tem como fator construtivo principal a deformação do elemento
subordinativo capítulo. No entanto, subordinado ao fator preponderante também está a forma
conto, cuja independência se vê ao mesmo passo amarrada, costurada a uma narrativa maior, a
qual, portanto, a deforma, interagindo e, porque não dizer, deformando a independência que
dele se espera, ora deformado de seu isolamento também “mais natural”, o entendimento na
concisão de seu alcance, a concisão como caractere básico a distanciá-lo da forma romance,
distância rearranjada, desarrumada, quase não mais existente, já que foi deformada na
proposta estética colocada em prática, levada a cabo na construção evidenciada em La
frontera e ...y no se lo tragó.
Ainda importará à noção de construção o que expõe Tynianov sobre função
construtiva, ao dissertar sobre evolução literária em artigo seu de 1927 (Cf. TYNIANOV,
[1927] 1973, p. 105-18). Outro trabalho que viria a auxiliar o exposto sobre o princípio de
construção é a seleção reunida “Sobre a teoria da prosa”, na qual B. Eikhenbaum (1925)
também faz exposição sobre limites entre os gêneros literários (especialmente sobre o
romance, a novela e o conto). No entanto, entendo aqui que, no tocante à questão de
construção na literatura, as primeiras considerações de Tynianov sobre o assunto bastam,
nesse momento da tese, como contribuição para o caminho que nos leve ao passo a passo da
relação literária para com imaginários. E no tangente ao texto de Eikhenbaum, por ora
importa dizer que ele nos serve como reforço a um arcabouço o qual será mais necessário nos
capítulos que tratem da análise específica dos romances em evidência.
Tudo até aqui exposto visou fundamentar minha observação de relevância da noção de
literariedade para a vinculação que estabelece, nas obras em tela, junto à questão de imagem e
imaginários em ação com e a partir do literário. Os apontamentos do formalismo russo, depois
de quase execrados por seus detratores, são retomados e desenvolvidos nas “Teses de 1929”,
do Círculo de Praga. A partir de então, “esquecidos” e retomados costumeiramente, sua
influência é notória, reverberam seus apanhados iniciais na crítica literária, na teoria literária
ulterior, importando também para o estudo da historiografia literária, transcendendo, em
muito, limites territoriais, posto que seus trabalhos não se limitassem a tratar tão-somente da
literatura de seu país.
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