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gestáltica do fechamento de formas. E, embora as posições na cadeia de que fala Novaes
sejam de aceitação variável
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, contribui para o desenvolvimento do raciocínio ao qual dou
ênfase no presente trabalho a colocação de palavra e imagem junto ao campo das
representações. É nesse aspecto que, em La frontera de cristal, ganha importância o papel da
metáfora e da descrição, ambas categorias do discurso próprias do terreno das imagens
verbais, ambas produto e produtoras de imagens verbais.
No que toca a uma mostra literária de ficção, a intenção autoral na aproximação do
leitor ao imagético pode se evidenciar em menor ou maior grau, sendo o segundo o caso de
Carlos Fuentes em La frontera de cristal. Nesse romance, conforme procurei demonstrar até
aqui, a metáfora é o caminho preferido pela palavra para transmitir imagens intencionadas,
imagens intencionais que, pela fixação da repetição constante na descrição narrativa operada,
potencializa-se, intensifica-se, amplifica-se na criação da metáfora ampla, sua imagem maior,
também cumpridora de determinada função. Em princípio, tal função talvez seja dar o
máximo de “materialidade” ao leitor, nas situações evocadas, nos personagens criados. Mas,
talvez, possa ser que essa “materialidade” requerida responda, apenas, a uma terceira
intenção. Vejamos.
“El verdadero artista no refleja la realidad: añade algo nuevo a la realidad”, escreve o
próprio Fuentes ([1992] 2010, p. 125) em seu El espejo enterrado. Uma questão, quiçá
perturbadora, entretanto, surge quando esse dito “algo novo”, certas vezes à revelia do autor,
termina por refletir-se na realidade. Nesse aspecto, cabe ressaltar o papel da metáfora ampla
de Fuentes em La frontera, cumprindo, como apontei, função de ideia, de imagem que quer se
tornar conceito, o que lhe garantiria certa perenidade, caráter de permanência e ares, efeito de
realidade, atributos próprios também da constituição de um imaginário.
E é com esse efeito de realidade que o imaginário termina por agir com o real, sobre o
real, quando não raro, nele interferindo, ou seja, na ideia, no conceito que se tem de
determinados aspectos de um real empírico o mais das vezes desconhecido pela consciência,
pelo(s) sujeito(s) imaginante(s), sendo essa possibilidade de pluralizar seu alcance talvez o
maior problema na ação dos imaginários.
Tomar, pois, o imaginário como real é, em parte, resultante do desejo humano de
apropriar-se, de tomar conhecimento do que lhe é estranho, desconhecido. Nesse tocante, na
ação da literatura sobre o receptor há que se levar em conta o fato de que um leitor pode ser
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Remeto o leitor ao segundo tópico do primeiro capítulo desta tese, onde abordo ao longo do texto a
variabilidade possível nas vias de ação e relação entre palavra (especialmente quando age na linguagem a
metáfora) e mente, linguagem e imagem.
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estrangeiro mesmo que, em verdade, estrangeiro não seja, estranho sendo a determinado(s)
assunto(s) ao qual se inflexiona tomando a literatura como transmissora de um real que
desconhece, sem levar em conta, em muitas ocasiões, por escolha, por deliberação própria, a
criação, a inventividade própria da ficção.
No caso de La frontera de cristal, a capa de conceito que envolve o desenrolar da
metáfora ampla pode atuar dando margem à impressão, ao efeito de que, por exemplo, todas
as interações, no frágil, poroso, quebradiço da fronteira mexicano-estadunidense, dão-se
assim: instavelmente, fragilmente, tornando impossível, apesar da proximidade, um encontro,
um melhor entendimento entre os sujeitos diretamente envolvidos nas relações de alteridade
pela obra suscitadas. Mas, se todo o efeito de real possível de ser extraído da leitura,
apreensão e interpretação do romance ficasse apenas a cargo da metáfora ampla, talvez isso
pouco contribuísse para que o leitor imaginante se visse envolvido, apanhado, quase sempre
sem que note, por um imaginário. Para tanto, para que se observe tal ação, em La frontera há
o apoio necessário da narrativa na metonímia, outro tropo de imagem, de parentesco bem
próximo à metáfora. Será a metonímia, portanto, responsável por fazer com que a consciência
imaginante se translade, transferida seja do campo da imaginação para o porto (in)seguro do
imaginário.
Já em “La capitalina”, dois momentos desse primeiro capítulo nos acercam ao uso da
metonímia adotado pela narrativa. Nas últimas linhas do conto, enquanto descreve o encontro
amoroso da recém-casada capitalina com o seu sogro na suíte de um motel do lado
estadunidense da fronteira, o narrador procura levar o leitor à observação, com efeito, à
imaginação do corpo da personagem pela contemplação que se atribui ao olhar de don
Leonardo. Assim, é-nos descrito que naquela suíte de luxo havia “Muchos espejos donde
admirar a Michelina, un baño de mármoles color de rosa donde (...) enjabonarla, acariciarla,
ruborizarla – tenía las nalgas más grandes de lo que parecía, las piernas más flacas, la
condición del tordo (FUENTES, [1995] 2007, p. 32)”. Nesse fragmento da descrição, embora
o leitor possa até, de modo bastante aceitável, desconhecer que o tordo é uma ave da família
dos melros, com “pernas” finas e calda extensa, a remissão metafórica ao corpo de Michelina
parece fazer parte de uma ação que se restringe ao campo da imaginação leitora, da imagem
em ação, que se forma, que o leitor desenha em sua mente auxiliado que é pela descrição
literária. Contudo, a imagem sugerida pelo trecho ficaria restrita apenas à faculdade da
imaginação acaso ela tivesse ocorrido aqui pela primeira vez, como mero recurso de apoio
imaginativo à descrição. Sucede, porém, que nesse caso Michelina serve na verdade de
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