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modelo para uma imagem hiperonímica aqui recuperada, inserida desde o segundo parágrafo
do conto.
Ali, ao tocar no apego da avó de Michelina às tradições do passado, o narrador coiote
criado por Fuentes traz o pensamento da anciã relativo também às dissimulações próprias e
bem propícias do vestuário feminino, quando de sua juventude. Em favor, por exemplo, dos
saiões antigos, doña Zarina Ycasa de Laborde, aponta que com eles “Era más fácil disimular
los defectos físicos que la moda moderna revelaba” (FUENTES, [1995] 2007, p. 9). É então
que, dando vez à continuidade de fala da velha senhora, a narratividade coiote de La frontera
dá vez, por conseguinte, a que se entre com uma expressão imagética de maior proximidade a
imaginários: “Unos blue jeans acentúan las nalgas gruesas o las piernas flacas. “Nuestras
mujeres tienen la condición del tordo”, le oyó todavía decir a su abuelo (qepd): “Pata flaca,
culo gordo” (Ibid. – aspas do texto).
A relação ora ressaltada dá conta de que Michelina é usada na narrativa como parte,
como modelo hiponímico correspondente a um todo maior hiperonímico, uma imagem pré-
fixada que apenas supõe esse todo ao qual pertence; mas, é justo em tal suposição que a
aparência da imagem ganha ares de profundidade, pelas vias, limitadas ou não, de recepção do
imaginante. A prefixação de imagem estabelecida pode, assim, dar margem à criação ou
absorção de um pré-conceito, imagem com falsa, porém, nem sempre notória, aparência de
totalidade, aparência de que emite, de que contém em si, na sentença que encerra, a visão de
um todo.
Essa relação utilizada pela narrativa em “La capitalina”, de Michelina como modelo
hiponímico para uma ideia de teor hiperonímico, é operada, antecipada mesmo antes do
fragmento sobre o qual discorro no momento. Já no primeiro parágrafo da obra, ao referir-se à
simetria perfeita do rosto de Michelina, o narrador traz outra voz para completar o “elogio”,
voz a qual diz que esse rosto perfeito da capitalina seria algo como “su ‘mascarita mexicana’,
le dijo un admirador francés, esos huesos perfectos de las beldades de México a las que el
tiempo parece no afectar” (FUENTES, [1995] 2007, p. 9 – grifo do autor). Aqui, no entanto, a
relação hiponímica de Michelina como parte alusiva de um todo constituído, suposto,
sugerido em “todas las beldades de México”, talvez se abrandasse pela atribuição de
condução à imagem a um personagem estrangeiro, o admirador francês; havendo-se que
forçosamente pensar, contudo, se o leitor de certa forma já não é mais conduzido a um
imaginário, ou à aproximação a um imaginário de beleza, do que propriamente a imaginar e
compor sua própria imagem, fixando-se apenas em Michelina.
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Mas, a dúvida a meu ver se dissipa se tornamos à metáfora da condição do tordo. Ali
veremos que ela pouco produziria de efeito chamativo no final do conto caso não se
correlacionasse (antecipada que foi) à totalidade metonímica iniciada no segundo parágrafo
do capítulo. Apenas pela correlação propiciada de modo proposital pela operação estilística de
remissão de uma passagem ulterior a uma anterior é que se pode chegar à conclusão de
tomada da personagem Michelina (“tenía las nalgas más grandes de lo que parecía, las piernas
más flacas”, p. 32) como modelo hiponímico para a condição hiperonímica do tordo, operada
em “Nuestras mujeres tienen la condición del tordo”, p. 9 – grifo meu em negrito). Assim, o
que se poderia restringir ao campo da imaginação leitora em Michelina, eleva-se à
possibilidade de imaginário em “Nuestras mujeres”, sentença metonímica hiperonímica na
qual o pronome possessivo adjetivo “nossas” responde pela aparência totalizadora, cuja
responsabilidade depende também das instâncias de absorção e apreensão do leitor/receptor,
do imaginário de beleza sobre o qual termina por inserir-se. Tal imaginário pode trazer em si
um pré-conceito de beleza fatal, excludente talvez de outros rostos, de outras tantas faces da
multi-etnia mexicana
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.
Finalmente, cabe destacar o fato de que a metáfora da condição do tordo é não mais
que uma demonstração da linguagem literária metaforizada a que se dá vez na narratividade
coiote de La frontera de cristal. Essa metáfora se insere, portanto, ao amplo processo de
metaforização realizado no conto “La capitalina”, do qual participa de modo relevante a
metáfora ampla do cristal para a fronteira mexicano-estadunidense e as relações de alteridade
levantadas pela obra, ampla metáfora iniciada nesse primeiro capítulo, retomada ora e vez nos
demais e cujo ápice de desenvolvimento se dá no conto sete, o capítulo que empresta seu
nome ao romance. Desse modo, apesar de certa menor relevância numa presumível
comparação hierárquica com a metáfora principal do enredo, a metáfora do tordo deixa sua
marca ao agregar-se ao processo de metonimização do qual toma parte, constituindo-se em
um exemplo de totalidade metonímica
80
cuja aproximação à aparência de um todo homogêneo
79
Lançar mão do uso de um ou da aproximação a um imaginário não sempre é fruto de um ato intencional do
escritor (ou, apenas do escritor). Com frequência, porém, é comum, sobre o que nos é alheio, termos contato nas
interações cotidianas do real empírico com sentenças que deixam vazar em seu discurso muito mais a apreensão
de determinados imaginários do que propriamente uma abordagem mais detida sobre o que se está falando.
Nesse tocante, a ficção, apesar de limitar-se ao campo do ficcional, é, ainda hoje, pelos mais variados motivos
(dentre os quais, às vezes pela relação que o autor estabelece com o real objetivo, às vezes pela separação que o
receptor não consegue operar entre o real empírico e o real da obra), fruto de confusão, ao ser tomada como
pertencente ou mesmo reprodutora, também, de totalidades que fazem parte da amplitude, de interpretação não
raro porosa ou duvidosa, do factual.
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Termo utilizado para a possibilidade de se construir textos com metonímias, usado pelo linguista brasileiro da
Universidade de São Paulo (USP), José Luiz Fiorin (2010, p. 2). A partir de seu uso em Fiorin, utilizo aqui o
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