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Unidos desde a assinatura do Tratado de Guadalupe-Hidalgo, com o fim da guerra de
fronteiras entre ambas as nações, a qual durou de 1846 a 1848.
A remissão se faz, não de forma direta, mas apenas por imagem alusiva, ao quarto
conto da obra, o capítulo “La raya del olvido”, onde a fronteira ganha a explícita
caracterização imagética de linha fronteiriça, de marca em forma de cicatriz. E parte, no
posterior “Las amigas”, a partir das observações sobre uma foto:
– ¿Qué te parece mi marido? – le dijo a Josefina, sacando el retrato del cajón para
colocarlo en la mesita.
– Muy guapo, señorita, muy distinguido.
– Mientes, hipócrita. Míralo bien. Estuvo en Normandía. Mírale la cicatriz que le
atraviesa la cara como un rayo parte en dos un cielo tormentoso.
– ¿No tiene usted fotos de antes de que lo hirieran, señorita?
– ¿Tú tienes estampas de Cristo en la cruz sin heridas, sin sangre, clavado, muerto,
coronado de espinas?
– Sí, cómo no, tengo estampas del Sagrado Corazón y del Niño Jesús, muy chulas.
¿Quiere verlas?
– Tráemelas un día – sonrió burlona Miss Amy.
– Sólo si usted me promete mostrarme a su marido cuando era joven y guapo –
sonrió muy cariñosa Josefina.
– Impertinente – alcanzó a murmurar Miss Amy cuando la criada salió con la
charola de té. (FUENTES, [1995] 2007, p. 167-8 – grifo meu)
O caráter remissivo do trecho acaba por demonstrar ter confluências para com algumas
questões já abordados na análise anterior de ...y no se lo tragó la tierra, tangentes à imagem
fotográfica e as linhas tênues da representação nas aproximações e meandros possíveis entre
foto, retrato, pintura, escultura e seus referentes. Não obstante, tais correspondências
merecerão destaque mais aprofundado no próximo e último capítulo desta tese, quando de
modo mais específico darei vez à análise aproximativa e comparativa de ambas as obras. Por
ora, cabe chamar a atenção para o fato de que a citação supracitada é mais um exemplo dos
caminhos sinuosos existentes na transferência de sentidos da metáfora ampla, a metáfora
principal que se espalha pelo texto buscando tornar familiar o que pareceria tão somente
abstrações imagéticas. Tamanho processo de repetição da metáfora ampla e dos sentidos que
se quer com ela fixar faz com que tais imagens nela e por ela repetidas entrem na órbita do
campo de atração do imaginário, com a forte possibilidade de que sejam captadas e passem a
habitar constelações semânticas
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de determinados imaginários.
Mas, para que de fato possam fazer parte do universo de um imaginário, para que
possam propiciar uma leitura interpretativa desde o prisma de atração, de coligação a um
imaginário, as imagens literárias levantadas da(s) metáfora(s) ampla(s) em La frontera de
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O termo aparece já na introdução de Zilá Bernd (Cf., 2007, p. 16) à obra que ela mesma organiza, o
Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas, por extensão à expressão “bacias semânticas”,
desenvolvida por Gilbert Durand no seu Campos do Imaginário (Cf., 1996, p. 165).
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cristal necessitam, como já informei, do apoio interativo, da relação que estabelecem com o
aspecto totalizador da figura de imagem metonímia, especialmente nos casos de
hiperonimização. Algo que não é diferente em “Las amigas”, conto pelo qual transcorre e
perpassa a metáfora ampla e, também, a metonimização mais aproximativa à leitura da obra
via imaginários.
Conforme adiantei, em “Las amigas”, a personagem mexicana Josefina sofre todo tipo
de estereotipia, insultos e humilhações advindos do comportamento preconceituoso de Miss
Amy. A esse respeito é também interessante como o narrador coiote de Fuentes traz para o
leitor a imagem da mexicana aos olhos de sua patroa, quando da primeira vez em que a viu:
“La vio la primera vez y confirmó todas sus sospechas. Era una india. No entendía por qué
esta gente que en nada se diferenciaba de los iroquois insistía en llamarse ‘latina’ o ‘hispana’”
(FUENTES, [1995] 2007, p. 161 – grifo do texto). Do mesmo modo que faz com o olhar de
don Leonardo Barroso em “La frontera de cristal”, em um primeiro momento igualando em
um todo determinada classe em relação de subalternidade para, só depois, individualizar,
ainda de modo preconceituoso, os sujeitos que compõem o grupo sobre o qual lança
observação; desse mesmo modo também atuará o próprio Fuentes em “Las amigas”, fazendo
com que, com o passar do tempo, Miss Amy busque e pense ou pareça encontrar traços mais
distintivos no aspecto físico de Josefina. Essa amenização em princípio relativizadora de
questões sobre o preconceito nas relações de alteridade não parece, entretanto, escapar de
certo problema de Fuentes em trabalhar literariamente alguns estereótipos em sua obra ora em
relevo.
O estereótipo chega mesmo a ser trasladado ao “outro”, qual em “La frontera de
cristal”, quando da narração do início de individualização que Leonardo Barroso passa, enfim,
a dedicar aos contratados que descem do avião que os levou para limpar as vidraças de cristal
de um arranha-céu nova-iorquino: “Había de todo (...), otros también en los que el empresario
no se había fijado porque el estereotipo del espalda mojada, campesino con sombrero
laqueado y bigote ralo se lo devoraba todo” (FUENTES, [1995] 2007, p. 187 – grifo meu).
Semelhante transladação relativizada do estereótipo é também verificada antes, na primeira
conversa que têm, a respeito de Josefina, Miss Amy e seu sobrinho Archibald, quem assim a
informa da contratação:
– Hemos contratado una señora mexicana dispuesta a trabajar con usted.
– Tienen fama de holgazanes.
– No es cierto. Es un estereotipo.
– Te prohíbo que toques mis clichés, sobrino. Son el escudo de mis prejuicios. Y los
prejuicios, como la palabra lo indica, son necesarios para tener juicios. Buen juicio,
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