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abordadas. Tomemos por base dois interessantes personagens femininos da obra. São elas: a
mexicana Michelina Laborde e Ycaza (depois, Michelina Laborde de Barroso) e a
estadunidense Audrey.
Em princípio, Michelina tem, ganha, merece maior destaque por parte da narrativa: só
perde em protagonismo para a metáfora ampla que se desenha no conto que lhe concede o
epíteto de “La capitalina”; e reaparece mais adiante no oitavo capítulo “La apuesta”
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em
descrição que encaminha o leitor para o olhar de um motorista recém-contratado por
Leonardo Barroso, assim narrada em discurso indireto livre: “Esa mujer se imponía al señor
Barroso, lueguito se notaba. Lo traía enculado, que ni qué” (FUENTES, (1995) [2007], p.
216).
Porém, no último capítulo da obra, o conto “Río Grande, río Bravo”, pouco antes da
morte de seu sogro-amante, em uma cena cuja imagem remete ao dramático episódio da morte
de John F. Kennedy, a própria Michelina é já um sopro do esplendor que a narrativa tentou
insistentemente conferir-lhe, estando agora, mesmo ao lado de don Barroso, “como si un ave
largamente acariciada y consolada hubiese terminado por asfixiarse, muerta de tanta caricia,
hastiada de tanta atención...” (Ibid., p. 276); mas é justo em “La frontera de cristal” – capítulo
imediatamente anterior a “La apuesta”, onde ela aparece ainda com certo fulgor, e, repare-se,
à visão de outro personagem – que Michelina é mostrada ainda mais apagada, mera
acompanhante de luxo de seu poderoso amante, ela, agora, mero troféu em forma de gente.
E no capítulo no qual sua luz se mostra menos acesa, a narrativa coiote de Fuentes
parece ali opor-lhe um par contrastivo que, sem atravessar outros contos da trama romanesca
como o faz Michelina, ganha em destaque e, talvez, um maior cuidado na representação. A
personagem responde pelo nome de Audrey, a estadunidense executiva publicitária que
fechará a metáfora ampla do cristal para a fronteira com Lisandro Chávez (outro ao qual
tornarei). Em um primeiro momento, o topos físico de Audrey – quem vive em um
“apartamento pequeno pero bien arreglado, hasta lujoso en muchos detalles” (FUENTES,
(1995) [2007], p. 193) – é mostrado ao leitor como mais limitado do que o mundo que dá a
conhecer a Michelina seu sogro e amante Leonardo Barroso. Porém, o universo interior da
estadunidense se mostra mais firme e amplo para o leitor do que toda a agonia interna da
alegorização barroca dos sonhos de Michelina. Assim, se em Michelina temos uma mulher
casada por conveniência, debatendo-se, primeiro, entre a agonia e o desejo para, depois,
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Outro conto da obra que fixa em uma imagem (o choque violentíssimo entre dois automóveis em um túnel na
Espanha) o sentido do encontro impossível marcado em sua metáfora ampla, dessa vez a título de um encontrazo
triádico (México, Espanha e Estados Unidos) traduzido na figura dos anseios de viagem e na nacionalidade dos
personagens que morrem no acidente (Cf. FUENTES, (1995) [2007], p. 227).
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apresentada ser como resignada, apagada, ensimesmada; em Audrey, tem-se uma mulher
segura de si, uma mulher que toma posse de si após o fim de seu casamento: “Una mujer que
se sentía libre (...). Había resistido al mundo externo. A su marido, ahora exterior a ella,
expulsado de la interioridad, física y emocional, de ella” (FUENTES, (1995) [2007], 194).
Enquanto isso, mesmo ao seguir sua participação, já no último capítulo da trama, a
capitalina é não mais do que caricatura da imagem fetichizante com a qual foi composta. Ali,
mortos a tiros o chofer e o seu amante, no mesmo carro está
Michelina milagrosamente viva, gritando histéricamente, llevándose las uñas a la
garganta, como si quisiera ahogar sus gritos, recordando sus lágrimas enseguida,
quitándoselas con el codo, manchando de rimmel la manga del modelo de Moschino
(Ibid., p. 277).
Mas, não é com o trecho acima que a narrativa encerra a participação de Michelina. O
narrador coiote, ao convocar (ele e a fronteira evocada) a falarem os personagens principais
do romance no texto-rio que findará o texto, em um contraste interessante com a liberdade
sentida pela convicta estadunidense Audrey ao separar-se do marido, dá conta à mexicana
Michelina de algo talvez punitivo que lhe acontecera, convocando-lhe e aconselhando-a da
seguinte maneira: “habla Michelina Laborde, deja de gritar, piensa en tu marido el
muchacho abandonado, el heredero de don Leonardo Barroso” (FUENTES, (1995) [2007],
p. 279 – grifo do texto).
A citação acima termina por trazer de volta outro personagem que encarna algumas
das mexicanidades atribuídas ao mexicano na busca de definições identitárias, inclusive,
incitadas a serem superadas pelo pensamento intelectual ao qual se integra a linha ensaística
de Fuentes. Se retornamos ao primeiro capítulo pela força indutora que produz a remissão a
Michelina, podemos recordar que Mariano Barroso, ainda futuro marido da capitalina, era um
jovem solitário, triste, afeito às sombras e que, conforme aponta em certo momento a
narrativa,
[S]in más compañía que esos indios naturales e indiferentes a las perversiones de la
naturaleza, que algunos llamaban pacuaches y otros “indios borrados”, como él,
indios invisibles, seres miméticos de ese gran lienzo de imitaciones y metamorfosis
que es el desierto (Ibid., p. 27)
Parece claro haver um jogo de relativização levado a cabo no trecho anterior entre
mimese, representação literária e real empírico como base para a burla descrita em forma de
ficção. Porém, a meu ver, sobressaem as impressões dedicadas a descrever o indígena
mexicano e sua aproximação para com o comportamento de identidade mexicana. Essa
mesma proximidade é proposta também com a empregada mexicana Josefina de “Las
amigas”. Nesse conto já aqui abordado, a estadunidense senhorita Amy tem em telão de fundo
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