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a seus mais diversos preconceitos toda uma austeridade a qual em prática a narrativa dá mais
a compreender como atitudes dignas e mesmo próprias (e porque não dizer até mesmo
compreensíveis) de uma mulher de sua classe, sua idade, suas ideias, e de sua nacionalidade;
sobrepondo-se a seu vasto repertório de estereótipos o que, ao fim, cai-lhe como carga: sua
solidão forçada. Em contrapartida, destaca-se, ainda, a oposição da aparente “vitória” altiva
da mexicana diante da amargura de sua patroa. Há que se reparar, contudo, que tal
“superioridade mexicana” se dá pela subserviência, pela doçura, pelo calar e resignar-se,
falando pouco, embora às vezes de modo desconcertante (nunca ofensivo), somente na hora
certa, em uma mimese de comportamento que nos remete, também se estendemos tal
observação ao fragmento anteriormente citado, ao mito do bom selvagem (Cf. ROUSSEAU,
1963), com o adendo curioso da visão, do olhar estrangeiro ao outro, o selvagem, que a
orquestração desse mito nos transmite.
Há que se reparar, inclusive, que sucede, ao mesmo trecho onde a narratividade usada
em “Las amigas” aponta que a primeira vez que Miss Amy a observa a vê e a descreve como
uma índia, outro em que a estadunidense, conforme descreve a narrativa, teria pensado que
Josefina tinha algo a se destacar: “Tenía una virtud. Era silenciosa. Entraba y salía de la
recámara de la señora como un fantasma, como si no tuviera pies” (FUENTES, (1995) [2007],
p. 161).
No já referido penúltimo conto, o oitavo capítulo “La apuesta”, Fuentes deixa entrar
em seu narrado uma crítica que relativiza algo dos caracteres que aproxima de modo mais
depreciativo do que propriamente sem juízo de valor traços do elemento indígena à
constituição da identidade nacional mexicana. Ali, a personagem Encarnación, uma turista
espanhola de férias no México, indaga ao personagem Leandro, um taxista mexicano, se os
espanhóis haviam de fato sido assim tão maus quanto demonstrava a observação em um
museu que visitavam de alguns murais de Diego Rivera. A resposta dá princípio a um
interessante diálogo, cujo fragmento exponho abaixo:
– Eran muy valientes – dijo Leandro –. Tenían una gran civilización y los españoles
la destruyeron.
– Pues entonces si tanto los quieren, a tratarlos bien hoy mismo – dijo con su tono
duro y realista Encarna –, que yo los veo más maltratados que nunca (Ibid., p. 211).
Relativizados, sim. Em tom de crítica, sim. Ocorre que os posicionamentos do
intelectual Fuentes ora se apresentam, surgem, insurgem-se em sua ficção em tom de debate,
nela debatendo-se. Ainda assim, a visão da necessidade de superação de traços do indígena
em características tidas como constituintes e definidoras de marcas do sujeito mexicano é algo
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que se lê de modo explícito em nomes como Samuel Ramos e Octavio Paz e, talvez, de forma
mais matizada em Carlos Fuentes, espécie de herdeiro das posições ideológicas desses que
bem podem ser entendidos como seus antecessores. E não é apenas isso.
Mesmo as características que dedicadas são a personagens femininas como aquelas
aqui destacadas, fetichização do corpo, exagerada idolatria, servidão, apego a crendices se
inserem no lugar comum de um imaginário sobre as mexicanas que as relega, desde a figura
de Malinche
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à Virgem de Guadalupe, à mera dicotomia dos extremos binários: Virgem ou
vadia, Santa ou prostituta (Cf. TROINA, 2005, p. 93).
Ainda outros atributos fossilizados, cristalizados como próprios de uma pretensa
identidade mexicana, difundidos e discutidos também por toda uma geração de intelectuais da
qual Fuentes faz parte, acabam por encontrar eco nas representações de La frontera. É dessa
maneira que, ao longo do romance, personagens encarnam comportamentos, ações,
sentimentos e estados de ânimo durante um largo tempo (e mesmo ainda hoje) atribuídos
como marca do mexicano, já sejam eles: cortesia, mescla de alegria (o gosto exagerado pela
festa) e tristeza (herança de sua formação no passado e de sua condição e condução histórica
sob a mão de maus governos), circunspecção, isolamento, complexo de inferioridade, fuga,
sombra, solidão.
Muitos desses aspectos já puderam ser observados a partir do contato com um bom
número dos personagens trazidos à luz em várias das citações aqui trabalhadas. Porém,
mesmo nas relações de escolha em que a ação narrativa proposta é a de distinção do sujeito
mexicano, ela se dá em tom de separação desse sujeito que se quer apresentar diferenciado de
uma suposta totalidade mexicana representada em linhas comumente depreciativas e, quando
muito, em tom de equiparação a um outro estrangeiro.
De volta ao conto “La frontera de cristal”, lá encontramos um Lisandro Chávez cuja
única marca de um aparente aspecto físico “tipicamente” mexicano seria seu “bigote espeso y
recortado” (FUENTES, [1995] 2007, p. 181 – grifo meu), oposto ao estereótipo que a
narrativa informa que a don Barroso o devorava todo por dentro: “campesino con sombrero
laqueado y bigote ralo” (Ibid., p. 186 – grifo meu). É por isso que em mais um momento de
destaque transferido pela narrativa a Lisandro através dos olhos de seu empregador, informa-
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Vale, porém, ressaltar que a figura da Malinche em La frontera de cristal, traz na figura da personagem
Marina, do quinto conto “Malintzin de las maquilas”, um misto de tristeza, de sonhadora ingênua, ao mesmo
passo, preservando o caráter de mediadora atrelado ao sentido de intérprete da Malinche histórica. Fuentes chega
mesmo a subverter certa visão tradicional a respeito de La Malinche. Assim é que, no quinto capítulo de seu
romance, Marina é a traída, em vez de ocupar o papel de traidora que comumente é transferido àquela que foi
intérprete de Cortés. Ocorre, porém, que, ainda assim, esse caráter de traição, conforme o observado, termina por
ser transposto a outros personagens femininos da obra.
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