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reforçado pelo peso negativo dos substantivos da parte mexicana do período gramatical
supostamente dedicado a dizer que “no que todas (...) para nada”. Eis, assim, mais um
exemplo, na obra de Fuentes em destaque, da relação de troca entre hiponímia e hiperonímia
como características de especificidades literárias de ênfase e potencialização de elementos
colhidos e re(a)presentados a partir do real vivido, os quais podem coparticipar e contribuir
com a constituição de imaginários.
Toca também em parte dessa contribuição literária e intelectual para a formação de
imaginários sociais o sociólogo e antropólogo social mexicano Roger Bartra. É assim que
começa a compor sua análise sobre o que chama de mito da identidade do mexicano com a
publicação de sua obra La jaula de la melancolía (1987), cujo sugestivo título se apresenta
desde já como um contraponto que sugere, ainda assim, uma ponte de diálogo e
questionamentos levantados para a visão, entendida por muitos estudiosos contemporâneos
como fatalista em certos pontos, esquadrinhada por Octavio Paz em seu El laberinto de la
soledad, de Octavio Paz (1950, 1959). Mas, é em um interessante e posterior artigo seu, “El
método en la jaula: ¿cómo escapar del círculo hermenéutico?” (2000) que Roger Bartra
direciona a possibilidade de compreensão de mitos, aos quais se une também o da identidade
do mexicano, a buscar entendê-los desde “los cambios que sufre este conglomerado de
figuras, ideas, metáforas, fábulas y leyendas a lo largo de la historia occidental” (BARTRA,
2000, p. 74). Ainda sobre o mito da identidade do mexicano, Bartra informa que da espécie de
mapa (de formas não totalmente definidas em La jaula de la melancolía) da evolução que ele
traçou de tal mito, pode-se concluir que
[L]as peculiaridades de este mapa no proceden de un código estructural impreso en
la mente de los mexicanos; los hitos, los meandros, los caminos, las fronteras y las
conexiones se han ido formando gracias a una especie de selección cultural; no en
un proceso determinado por instrucciones preestablecidas en un sistema simbólico
de mensajes. No hay una sustancia fundamental de la identidad. (BARTRA, 2000, p.
76)
Ao mesmo passo que volta a tocar na vinculação entre figuras da intelectualidade
mexicana como Samuel Ramos e Octavio Paz e em sua ação de incidência sobre a
reverberação e propagação do mito da identidade do mexicano (Cf. BARTRA, 2000, p. 75),
no artigo para o qual chamo a atenção Bartra abre também através de seus argumentos vias
para uma melhor compreensão do processo cultural do qual tomaram parte autores como os
citados. É dessa maneira que o autor recomenda interessante caminho ao dizer que “podemos
optar por escaparnos del círculo hermenéutico, para intentar comprender las identidades como
parte de um sistema inconsciente que actúa en los escritores mexicanos sin que ellos se hayan
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percatado” (BARTRA, 2000, p. 77). Tal argumentação dá margem para algumas observações
que encerrarão o presente tópico. Contudo, dão margem, ainda, para que a partir da
ambivalência irônica desse “sem dar-se conta”, eu possa, enfim, voltar meus argumentos para
as intersecções identitárias tratadas nesse segmento, razão pela qual, expostos os
apontamentos da ficção de Fuentes em confluência com a re(a)presentação de mexicanidades,
volto agora o olhar para o extremo da hifenização de identidades que proponho poderem ser
resgatadas desde a leitura de seu romance. Toco agora desse modo nos traços de chicanidade
ficcionalizados em La frontera de cristal.
Os caracteres que em La frontera apontam para uma aproximação ficcional às linhas
definidoras de uma pretensa identidade chicana respondem pelo nome de José Francisco, um
personagem chicano, apresentado na sétima das subseções narrativas em que está dividido o
último conto “Río Grande, río Bravo”. É interessante, no entanto, como em José Francisco a
tinta principal que lhe é concedida se mostra mais pelo viés do que parece ser, da parte de
Fuentes, mais um domínio maior de (re)conhecimento do valor e força de uma identidade
cultural chicana do que propriamente um amplo conhecimento de identidades chicanas, do
sujeito chicano. Assim, explico que é pela cultura e pela pesquisa e conhecimento literário de
que dispõe Fuentes que ele compõe seu personagem, encarnador de uma, em realidade,
homenagem ao universo chicano.
Já em El espejo enterrado, quando se debruça a tratar do que chama de terceira
hispanidade, Carlos Fuentes afirma que ela é, sobretudo, um fato cultural. E enfoca ainda o
fato de que toda uma civilização foi criada nos EUA com um pulso hispânico (Cf. FUENTES,
[1992] 2010, p. 445-6). O autor, então, complementa seu conhecimento cultural tocando, da
seguinte maneira, na literatura que emerge dessa mescla: “Aquí ha nacido una literatura que
subraya los elementos autobiográficos, la narrativa personal, la memoria de la infancia, el
álbum de fotos familiares” (FUENTES, [1992] 2010, p. 446). De fato, o José Francisco de La
frontera condensa em si uma cisão com a tentativa de encaixe da diferença chicana de um
lado ou outro das pontas mexicana ou estadunidense de nacionalidade. Forçando destacar a
diferença que o personagem representa, o narrador sugere que a presença desse chicano
costumava causar incômodo porque “Traía algo que no podía darse sólo en uno u outro lado
de la frontera, sino en ambos lados” (FUENTES, [1995] 2007, p. 264). E da cisão com o
pensamento de que teria que identificar-se com um aqui ou um lá é que José Francisco chega
a uma certeza bem representativa das convicções ideológicas de toda uma classe intelectual
chicana: “Yo no soy mexicano. Yo no soy gringo. Yo soy chicano. No soy gringo en USA y
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